Page 37 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
45. OMODELO DA FORTALEZA DE DIU
Feliz aquisição a realizada em 1992 pelo Museu de Marinha de um modelo da fortaleza de Diu.
Várias circunstâncias valorizam a peça.
Em si, tem essa fortaleza significado muito especial. No aspecto arquitectónico, registemos os
pareceres de estudiosos nessa matéria. Para Mário Chicó, é “uma das mais importantes construções
erigidas pelos portugueses”, enquanto Carlos de Azevedo a considera “a mais monumental e
simultaneamente a mais complexa”.
A fortaleza foi reconstruída e ampliada pelo arquitecto Francisco Pires, e Gaspar Correia, nas
Lendas da Índia, ao referir-se à sua muralha, opinou: “nunca outra tal nestas partes se viu”.
Modernamente, encontramos expressa a mesma posição. Carlos de Azevedo considerou que “a
Francisco Pires se devem as inovações introduzidas em Diu e que são as primeiras manifestações das
concepções renascentistas em pleno Oriente”.
Era excepcional no conspecto das nossas construções militares da Índia. D. João de Castro em
carta de 30 de Outubro de 1540 dizia “são estas fortalezas (as da Índia) tão fracas que tirando Diu
nenhuma é capaz de se poder defender oito dias dos nossos inimigos”.
Historicamente é dos monumentos mais ligados à presença dos portugueses na Índia.
“Ilustre em cercos e batalhas”, a “inexpugnável Diu forte”, nas palavras de Luís de Camões, é
conhecido o heroísmo com que a fortaleza resistiu aos cercos dos seus inimigos.
Em 1546 D. João de Castro socorreu-a, e levou os seus atacantes a retirarem. Mas a fortaleza estava
tão gravemente destruída que D. João de Castro dizia que nela não havia de aproveitável um só palmo
de parede. Era necessário reconstrui-la e como lhe faltassem os meios, pedi-os à Câmara de Goa. Foi
nessa altura que teve o conhecido gesto de enviar as suas barbas como garantia do empréstimo.
No Museu Militar, existe um modelo da fortaleza de Diu. Segundo o catálogo do Museu, da autoria
do seu director, Eduardo Ernesto Castelbranco, é “feito em uma pedra arrancada à mesma praça e
oferecida pelo Bispo de Damão em 1898”. Decerto os outros modelos existentes entre nós foram
também feitos com pedras da fortaleza. Tal circunstância faz lembrar uma outra que, embora longín-
qua, dado o duradouro impacte dos acontecimentos da revolução francesa, se pode recordar. No
Museu Carnavalet de Paris, encontra-se um modelo da Bastilha com a seguinte legenda, por nós
copiada: “faitte en 1790 sous la direction de Palloy entrepreneur chargé de la demolition de la
Bastille”. Em artigo do Boletim desse museu encontramos mais alguns pormenores: “Palloy eut
l’idée d’utiliser des materiaux de démolition de la Bastille pour en fabriquer des souvenirs à caractère
commercial et publicitaire. Plusieurs de ces objects figurent dans la prèsente salle (do Museu
Carnavalet) nottamment: maquette de la Bastille, taillée et sculptée dans une pièrre de la fortresse.
Polloy envoya des maquettes semblables aux quatre-vingt trois départements, aux ministres et à
Luis XVI lui même” (Bulletim du Musée Carnavalet, 1968, nº 1-2, pags. 14 e 17).
Estaria presente este caso quando semelhantemente se fizeram modelos da fortaleza de Diu com
pedras da mesma fortaleza?
Mas pedras da fortaleza de Diu logo nos levam a uma evocação: D. João de Castro quando,
dirigindo-se ao filho D. Fernando, enviado a socorrer Diu sitiado, lhe disse, segundo Jacinto Freire
de Andrade: “Por cada pedra daquela fortaleza arriscarei um filho”.
Este modelo do Museu da marinha tem ainda um factor valorativo: o nome e a data do artífice que
o talhou: Deuchande Narare mestre – fez 1894.
Muitas e valiosas peças guarda o Museu de Marinha. Mas esta no seu significado, no seu
simbolismo, na sua força evocativa, é decerto uma das mais preciosas.
Museu de Marinha
(Texto do Prof. Dr. Fernando Castelo Branco,
Membro Emérito da Academia de Marinha)