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PONTO AO MEIO-DIA
Desafios do Planeamento
da Força Naval
defesa nacional é um bem públi- Força Aérea, ou que têm custos mais ele- capacidades do sistema de força naval
co clássico, que não pode ser vados nestes Ramos. A controvérsia não dispõem de qualquer navio (defesa
A usufruído por uns cidadãos com torna-se empolgante quando a contra anti-aérea de área, guerra de minas e
a exclusão de outros. Protege a Nação. argumentação incide sobre a mais tradi- anfíbia). Para complicar o problema ainda
Por isso, todos os portugueses benefi- cional das funções navais: a protecção das mais, os novos navios que integram os
ciam dela, embora poucos compreendam linhas de comunicação marítima. Há uma programas de reequipamento, são
a necessidade de suportar os seus custos. década que os teóricos dos poderes ter- maiores, mais capazes e muito mais caros
Cabe ao Governo estruturar a defesa restre e aéreo proclamam a inexistência de que os seus antecessores, pese embora a
nacional de forma a garantir o equilíbrio conflitos que envolvam os grandes economia de meios humanos que irão
entre as necessidades estratégicas do espaços marítimos. Nesta circunstância, permitir. Consequentemente, os planea-
país e as possibilidades das finanças afirmam que a Marinha, na qual o país dores navais reconhecem que as substi-
públicas. No que à Marinha diz respeito, gasta anualmente verbas muito avultadas, tuições não podem ser feitas numa base
para estabelecer este equilíbrio é essen- não deve ter grande prioridade de finan- de um para um, e que o tamanho da
cial o contributo dos planeadores navais, ciamento. Porém, a realidade é inexorá- esquadra tem de diminuir.
cujo trabalho está permanentemente vel: quando surge qualquer crise interna- O núcleo do sistema de força naval
sujeito a dois tipos de desafios: os decor- cional, os navios de guerra são, normal- deverá ser composto por 6 fragatas com
rentes das controvérsias associadas à mente, os primeiros meios militares a ser 8 helicópteros, 3 submarinos, um reabas-
partilha do orçamento de defesa; os utilizados. tecedor de esquadra e uma força anfíbia
resultantes da necessidade de rede- Embora perturbados pela poeira in- composta por 1 batalhão ligeiro de fuzi-
finição da dimensão e da composição do telectual desta controvérsia, os pla- leiros dotado de meios de desembarque
sistema de força naval. neadores navais têm-se esforçado por e de um navio polivalente logístico. O
A Marinha, para além dos navios, pos- demonstrar que a questão importante não plano da força naval portuguesa prevê
sui uma capacidade terrestre, na forma é discutir a prioridade da Marinha no ainda mais 39 navios de vários tipos.
dos fuzileiros, e uma capacidade aérea, acesso a recursos financeiros, mas debater Na sequência de medidas tomadas
que integra os helicópteros orgânicos das a sua dimensão e composição face às recentemente pelo governo, tudo indica
principais unidades combatentes. Para disponibilidades orçamentais e às necessi- que, apesar das dificuldades financeiras
utilizar um conjunto tão diversificado de dades de defesa nacional, que evoluem do país, nos encontramos no início de
meios, que necessitam de estar perma- com o tempo e, por isso, não são plena- um novo ciclo de ressurgimento do
nentemente prontos para emprego em mente satisfeitas com os meios navais her- núcleo do sistema de força naval.
missões militares e de interesse público, a dados do passado. Muitos são os navios a substituir duran-
Marinha dispõe de 25% do orçamento Como regra geral, os navios e os sub- te a corrente década. Porém, o Governo
global da defesa. marinos têm vidas úteis de cerca de trinta continua a ponderar a aquisição de sub-
Como todas as organizações governa- anos, e os meios aéreos necessitam de ser marinos e do navio polivalente logís-
mentais, os três Ramos das Forças substituídos, em média, todos os vinte tico, e já atribuiu financiamento para
Armadas afirmam posições controversas anos. Consequentemente, a Marinha tem duas novas unidades de fiscalização
quando competem pelas verbas do orça- de conceber um programa plurianual de oceânica. Consequentemente, a esqua-
mento da defesa. Para sustentação con- reequipamento e de dispor de um orça- dra começará brevemente a recuperar
ceptual dessas posições, o pensamento mento anual destinado a garantir uma da sua situação de obsolescência e
estratégico terrestre reclama o papel pri- força naval de certa dimensão e com- depauperação. Contudo, isso não signi-
macial do Exército nas operações ter- posição, que se moderniza à medida que fica o descanso dos planeadores navais.
restres, enquanto o pensamento estratégi- as ameaças evoluem e o equipamento É indispensável que prossigam o seu
co aéreo tenta estabelecer direitos de antigo necessita de ser substituído. trabalho de questionar a estratégia desti-
exclusividade da Força Aérea nas ope- A dimensão e a composição da nada a edificar, a organizar e a empregar
rações aéreas. O pensamento estratégico esquadra portuguesa tornou-se uma uma esquadra adequadamente equipa-
naval, para além de exigir o monopólio questão importante no fim da década de da e guarnecida. Só assim a Marinha
do emprego da força no mar, penetra nos 80. Por essa altura, o sistema de força continuará a revelar uma elevada
“mercados” dos outros dois Ramos e pre- naval integrava 65 navios, resultantes do capacidade para cumprir quer missões
coniza que tudo o que é projectado de esforço de edificação realizado durante o de interesse público tão diversificadas
navios deve pertencer-lhe. conflito colonial. Entretanto, apesar do como a fiscalização e a investigação
A tecnologia polarizou estas controvér- importante programa de construção das científica, quer missões militares no
sias e a Marinha frequentemente justifica fragatas da classe “Vasco da Gama”, a espectro amplo da violência.
as suas capacidades apelando à tradição e esquadra aproximou-se do fim da sua
à emoção, dizendo que pode realizar tare- vida útil e necessita de uma progressiva António Silva Ribeiro
fas que são inacessíveis ao Exército e à substituição. Por outro lado, algumas CFR
4 FEVEREIRO 2003 • REVISTA DA ARMADA