Page 233 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. MANUEL (49)



                      A primeira embaixada
                      A primeira embaixada


                         portuguesa na China
                         portuguesa na China




             ernão Peres de Andrade levará a cabo  Peres ia Tomé Pires, o futuro embaixador  plicando como não era fácil ultrapassar as
             a primeira tentativa para fazer che-  português junto do Império.  barreiras do estabelecido. Deixar passar os
         Fgar uma embaixada ao imperador      Conforme já tive ocasião de referir, os  portugueses para Cantão não estava dentro
         chinês e, para esse efeito, saiu de Cochim  portugueses tinham apenas uma vaga  dos poderes conferidos ao pio de Nantó, e
         em finais de Abril ou princípios de Maio de  ideia do que era a China e, de maneira ne-  tinha de pedir ao conselho de Cantão, que,
         1515, altura da melhor monção para a via-  nhuma, tinham a noção da sua dimensão,  por sua vez, hesitava em conceder a autori-
         gem. Tanto quanto sabemos hoje, tinha ido  do seu poder e da solidez de costumes.  zação. Mas os portugueses tomavam sem-
         com ele de Lisboa um florentino, de nome  Chegaram à entrada do Golfo de Cantão,  pre estas demoras por manobras dilatórias,
         Giovanni da Empoli, que em 1503 esti-                                   desconfiando delas sistematicamente.
         vera na Índia com Albuquerque e que                                     De forma que Fernão Peres acabou por
         agora regressava com a missão de criar                                  subir o rio sem que chegasse ordem para
         uma feitoria em Pacém. Este local, no                                   isso. Quando estava perto da cidade dis-
         norte de Samatra, produzia uma pi-                                      parou toda a artilharia em salva, e em-
         menta mais barata que a de Cochim e                                     bandeirou em arco, pensando que assim
         mais apreciada pelos chineses, de for-                                  era devido pelas funções diplomáticas
         ma que aquela feitoria tinha uma par-                                   de que estava incumbido, mas os chi-
         ticular importância estratégica para o                                  neses tomaram isso como uma atitude
         comércio que se pretendia estabelecer                                   agressiva, e “mandoulhe ho Puchanci
         com o Celeste Império. Infelizmente, o                                  grande de Cantão dizer, que se espan-
         navio que comandava ardeu completa-                                     tava muyto, vindo ele de paz, segundo
         mente, perdendo-se toda a carga, devi-                                  lhe tinhão dito, mostra que vinha de
         do à incúria de um tripulante que des-                                  guerra, no que fazia contra as leys que
         cera à coberta com uma candeia acesa.                                   tinhão que defendião que nenhua pes-
         Fernão Peres assistiu a tudo isso com                                   soa natural nem estrangeira, não tirar
         grande contrariedade e decidiu que já                                   diante daquela cidade nenhum tiro dar-
         não iria à China nesse ano, preferindo                                  tilharia, nem arvorar bandeira nem lan-
         proceder ao reconhecimento do Golfo                                     ça”. Foi um primeiro incidente que não
         de Bengala, como, também, lhe enco-                                     teve consequências de maior, mas não
         mendara D. Manuel. Mas como tinha                                       foi a melhor forma de entrar na China.
         de ir a Malaca – onde deveria mudar                                     Tomé Pires acabou por desembarcar em
         de navio –, o capitão acabou por con-                                   Cantão, mas não foi autorizado a seguir
         vencê-lo a ir em busca de Rafael Pe-                                    para Pequim antes de Janeiro de 1520.
         restrelo que ainda não tinha regres-                                    Em Fevereiro de 1518 Fernão Peres re-
         sado da viagem que empreendera no ano  junto da ilha de Tamão, em Agosto desse  gressou a Tamão e em Setembro partiu para
         anterior. São confusos os dados referentes  mesmo ano, e, nas semanas seguintes, as-  Malaca com uma valiosa carga adquirida
         a esta viagem súbita, mas tudo leva a crer  sistimos a um jogo de diplomacia e força  com a pimenta de Pacém. Estava termina-
         que havia alguma impaciência, da parte  que acabou por permitir a subida do rio,  da a primeira viagem oficial portuguesa ao
         da capitania e de interesses mercantis pri-  até às portas da cidade. Direi, no entanto,  Celeste Império.
         vados, em restabelecer, tão rápido quanto  que o sucesso político da expedição foi re-  Dentro de todas as condicionantes que
         possível, o ancestral comércio da China. A  lativo e a embaixada não teve grande fu-  rodearam a missão, pode dizer-se que fora
         verdade é que não passaram da Cochin-  turo, sobretudo, devido a uma incompre-  cumprida com o êxito possível. Os inciden-
         china, onde os navios sofreram um forte  ensão muito grande das características da  tes de Cantão, que poderiam ser desvalo-
         temporal e estiveram em risco de se per-  sociedade chinesa.          rizados em função dos próprios interesses
         der, regressando a Malaca perto do final   A ilha de Tamão era o local onde ficavam  mercantis dos chineses. Os problemas mais
         do ano de 1516.                    fundeados todos os navios estrangeiros e  graves viriam a seguir. No ano de 1519, Si-
           Partiria, de novo, para a China, em Ju-  onde se efectuavam as trocas comerciais,  mão de Andrade (irmão de Fernão Peres)
         nho de 1517, com uma armada de sete ve-  com mercadores que desciam de Cantão ou  também foi até Cantão e comportou -se
         las. Quatro desses navios compunham a  que vinham do interior da China. Junto da-  sem o senso que tivera o seu antecessor.
         missão determinada por D. Manuel: a nau  quela ilha havia uma autoridade marítima  Provocou uma série de conflitos de costu-
         Espera (de 200 toneladas), com o capitão; a  – o pio de Nantó – que controlava a entrada  mes e incidentes que feriram as suscepti-
         Santa Cruz, com Simão de Alcáçova; a San-  dos navios pelo rio. E foi com ele que Fer-  bilidades locais, de tal modo que fizeram
         tiago, com Jorge Mascarenhas; e um junco  não Peres contactou dizendo-lhe que pre-  gorar o êxito da embaixada de Tomé Pires
         de António Lobo Falcão. Entretanto, em  tendia enviar uma embaixada ao sobera-  e a possibilidade de negociar com a China
         Malaca, juntaram-se-lhe dois outros juncos  no chinês. Rui Loureiro, no seu trabalho  durante muitos anos.
         de mercadores locais, onde iam Jorge Bote-  Fidalgos, Missionários e Mandarins, fala-nos              Z
         lho e Manuel de Araújo, e a nau Santo An-  da teia do funcionalismo chinês e da rigi-    J. Semedo de Matos
         dré, com Pêro Soares. No navio de Fernão  dez burocrática que envolvia o poder, ex-               CFR FZ
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U JULHO 2004  15
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