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A MARINHA DE D. MANUEL (49)
A primeira embaixada
A primeira embaixada
portuguesa na China
portuguesa na China
ernão Peres de Andrade levará a cabo Peres ia Tomé Pires, o futuro embaixador plicando como não era fácil ultrapassar as
a primeira tentativa para fazer che- português junto do Império. barreiras do estabelecido. Deixar passar os
Fgar uma embaixada ao imperador Conforme já tive ocasião de referir, os portugueses para Cantão não estava dentro
chinês e, para esse efeito, saiu de Cochim portugueses tinham apenas uma vaga dos poderes conferidos ao pio de Nantó, e
em finais de Abril ou princípios de Maio de ideia do que era a China e, de maneira ne- tinha de pedir ao conselho de Cantão, que,
1515, altura da melhor monção para a via- nhuma, tinham a noção da sua dimensão, por sua vez, hesitava em conceder a autori-
gem. Tanto quanto sabemos hoje, tinha ido do seu poder e da solidez de costumes. zação. Mas os portugueses tomavam sem-
com ele de Lisboa um florentino, de nome Chegaram à entrada do Golfo de Cantão, pre estas demoras por manobras dilatórias,
Giovanni da Empoli, que em 1503 esti- desconfiando delas sistematicamente.
vera na Índia com Albuquerque e que De forma que Fernão Peres acabou por
agora regressava com a missão de criar subir o rio sem que chegasse ordem para
uma feitoria em Pacém. Este local, no isso. Quando estava perto da cidade dis-
norte de Samatra, produzia uma pi- parou toda a artilharia em salva, e em-
menta mais barata que a de Cochim e bandeirou em arco, pensando que assim
mais apreciada pelos chineses, de for- era devido pelas funções diplomáticas
ma que aquela feitoria tinha uma par- de que estava incumbido, mas os chi-
ticular importância estratégica para o neses tomaram isso como uma atitude
comércio que se pretendia estabelecer agressiva, e “mandoulhe ho Puchanci
com o Celeste Império. Infelizmente, o grande de Cantão dizer, que se espan-
navio que comandava ardeu completa- tava muyto, vindo ele de paz, segundo
mente, perdendo-se toda a carga, devi- lhe tinhão dito, mostra que vinha de
do à incúria de um tripulante que des- guerra, no que fazia contra as leys que
cera à coberta com uma candeia acesa. tinhão que defendião que nenhua pes-
Fernão Peres assistiu a tudo isso com soa natural nem estrangeira, não tirar
grande contrariedade e decidiu que já diante daquela cidade nenhum tiro dar-
não iria à China nesse ano, preferindo tilharia, nem arvorar bandeira nem lan-
proceder ao reconhecimento do Golfo ça”. Foi um primeiro incidente que não
de Bengala, como, também, lhe enco- teve consequências de maior, mas não
mendara D. Manuel. Mas como tinha foi a melhor forma de entrar na China.
de ir a Malaca – onde deveria mudar Tomé Pires acabou por desembarcar em
de navio –, o capitão acabou por con- Cantão, mas não foi autorizado a seguir
vencê-lo a ir em busca de Rafael Pe- para Pequim antes de Janeiro de 1520.
restrelo que ainda não tinha regres- Em Fevereiro de 1518 Fernão Peres re-
sado da viagem que empreendera no ano junto da ilha de Tamão, em Agosto desse gressou a Tamão e em Setembro partiu para
anterior. São confusos os dados referentes mesmo ano, e, nas semanas seguintes, as- Malaca com uma valiosa carga adquirida
a esta viagem súbita, mas tudo leva a crer sistimos a um jogo de diplomacia e força com a pimenta de Pacém. Estava termina-
que havia alguma impaciência, da parte que acabou por permitir a subida do rio, da a primeira viagem oficial portuguesa ao
da capitania e de interesses mercantis pri- até às portas da cidade. Direi, no entanto, Celeste Império.
vados, em restabelecer, tão rápido quanto que o sucesso político da expedição foi re- Dentro de todas as condicionantes que
possível, o ancestral comércio da China. A lativo e a embaixada não teve grande fu- rodearam a missão, pode dizer-se que fora
verdade é que não passaram da Cochin- turo, sobretudo, devido a uma incompre- cumprida com o êxito possível. Os inciden-
china, onde os navios sofreram um forte ensão muito grande das características da tes de Cantão, que poderiam ser desvalo-
temporal e estiveram em risco de se per- sociedade chinesa. rizados em função dos próprios interesses
der, regressando a Malaca perto do final A ilha de Tamão era o local onde ficavam mercantis dos chineses. Os problemas mais
do ano de 1516. fundeados todos os navios estrangeiros e graves viriam a seguir. No ano de 1519, Si-
Partiria, de novo, para a China, em Ju- onde se efectuavam as trocas comerciais, mão de Andrade (irmão de Fernão Peres)
nho de 1517, com uma armada de sete ve- com mercadores que desciam de Cantão ou também foi até Cantão e comportou -se
las. Quatro desses navios compunham a que vinham do interior da China. Junto da- sem o senso que tivera o seu antecessor.
missão determinada por D. Manuel: a nau quela ilha havia uma autoridade marítima Provocou uma série de conflitos de costu-
Espera (de 200 toneladas), com o capitão; a – o pio de Nantó – que controlava a entrada mes e incidentes que feriram as suscepti-
Santa Cruz, com Simão de Alcáçova; a San- dos navios pelo rio. E foi com ele que Fer- bilidades locais, de tal modo que fizeram
tiago, com Jorge Mascarenhas; e um junco não Peres contactou dizendo-lhe que pre- gorar o êxito da embaixada de Tomé Pires
de António Lobo Falcão. Entretanto, em tendia enviar uma embaixada ao sobera- e a possibilidade de negociar com a China
Malaca, juntaram-se-lhe dois outros juncos no chinês. Rui Loureiro, no seu trabalho durante muitos anos.
de mercadores locais, onde iam Jorge Bote- Fidalgos, Missionários e Mandarins, fala-nos Z
lho e Manuel de Araújo, e a nau Santo An- da teia do funcionalismo chinês e da rigi- J. Semedo de Matos
dré, com Pêro Soares. No navio de Fernão dez burocrática que envolvia o poder, ex- CFR FZ
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2004 15