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WENCESLAU JOSÉ DE SOUSA MORAES
WENCESLAU JOSÉ DE SOUSA MORAES
O Homem e a Marinha do Seu Tempo
1854 – 1929
W ceu na cidade de Lisboa a 30 de Maio do Século XIX. Era um projecto de longo pra- andamento e a autonomia dos navios.
enceslau José de Sousa Moraes nas-
novação da Armada, para a segunda metade ra porque a má qualidade do nacional reduz o
de 1854, na Travessa da Cruz do Torel zo e de grande envergadura, que implicava a
É no ano seguinte ao do nascimento de Wen-
nº 4, 2º andar, completam-se agora 150 anos adaptação da Armada aos novos objectivos na- ceslau de Moraes que a fragata D. Fernando II
Portugal iniciava uma época politicamente cionais, definidos pelo ministro Sá da Bandei- e Glória, hoje recuperada, passou a ser utiliza-
designada por Regeneração, que sucedia a mais ra, como um “Novo Brasil em África”. da como Escola de Artilharia Naval.
de 20 anos de instabilidade política e social, de- O pensamento estratégico deste ministro Em 1867, um ano assinalado em Portugal
corrente da Guerra Civil travada entre Migue- (1858-59) e de Mendes Leal (1862-1865) são pela publicação da nova Lei do Recrutamento
listas e Liberais (1828-1834). Marítimo, nasce a sua irmã Francisca de Sousa
Nesse ano o Príncipe D. Luís, que fazia car- Moraes (01MAR) que seria a sua grande con-
reira como oficial da Armada, era promovido fidente. Fizeram-se então vários estudos sobre
a capitão-tenente. Ainda no ano do nascimento as necessidades da Marinha e as características
de Wenceslau de Moraes trava-se (29OUT) o dos navios que nela deveriam ser integrados.
combate de Ning-Pó entre a corveta D. João I Estes estudos levaram o ministro Andrade
e os piratas chineses. Corvo (1871-79) a dar maior importância ao
A vida de Wenceslau de Moraes vai decorrer problema da defesa do continente, e em par-
num período de intensa actividade da Armada ticular ao porto de Lisboa, mas mantendo a
e de grandes alterações estratégicas, orgânicas necessidade de mais 10 navios mistos de vela
e políticas, com missões em alterações sucessi- e vapor para África e de 15 pequenas embar-
vas, acompanhadas de uma contínua evolução cações para as zonas fluviais, cuja necessidade
do material naval. Passamos dos navios de ma- já constava de programas anteriores.
deira para os de aço; da propulsão à vela para É o período de iniciação da ocupação efectiva
as máquinas de vapor; das peças de carregar do litoral africano e Portugal precisa de mostrar
pela boca para as peças de retro carga e grande a bandeira naqueles territórios que são também
calibre; das pólvoras tradicionais para as quí- disputados por outras potências europeias. In-
micas; e aparecem novas armas como a mina, capaz de garantir uma política de ocupação
o torpedo, o submarino e o avião. efectiva total, Portugal aposta numa estratégia
As missões da Marinha desenvolvem-se es- Wenceslau de Moraes em traje de gala. de ocupação de pontos-chave, como já fizera
pecialmente em África, utilizando pequenos com sucesso nos séculos XV e XVI. Estes pon-
navios a singrar nas grandes vias fluviais da- complementares; o primeiro lança a Armada tos são os acessos aos corredores de penetração
quele continente. Neste trabalho tenta-se fazer quase exclusivamente para África e concentra- para o interior, como o Rio Zaire, o Rio Cunene,
uma análise da evolução da Armada, dos seus da em Angola, para ocupar o Congo e o Am- Lourenço Marques, a Beira, o Rio Zambeze e o
meios e das suas missões, ao longo da vida do briz. No Continente, ficariam apenas forças de rio Tungué. Portugal começa cedo esta política
Comandante Wenceslau de Moraes. reserva e de fiscalização da costa, de modo a de ocupação efectiva e a Marinha é o meio es-
A Marinha de Guerra Portuguesa atravessou, permitir a rotação com as unidades em comis- colhido para a sua concretização.
em meados do século XIX, um período de pro- são em África. Quando Wenceslau de Moraes entra para
funda crise devido aos efeitos da longa Guerra O segundo, alarga a presença naval a Mo- a Escola Naval, em 23 de Setembro de 1872, a
Civil travada de 1828 a 1834 e que deixou o país çambique e preocupa-se com a defesa marítima Marinha inicia a terceira fase da renovação da
em grandes dificuldades económicas. do porto de Lisboa, que deveria complementar, esquadra, com a chegada dos navios do pro-
Realizaram-se, no entanto, algumas inicia- do lado do mar, o sistema do Campo Entrinchei- grama do ministro Andrade Corvo.
tivas legislativas importantes, como a criação rado, na época criado pelo Exército. Em Janeiro deste ano chega a Lisboa o trans-
da Biblioteca da Marinha em 1835, a criação A situação começa a modificar-se com o Pro- porte Índia, adquirido em Inglaterra e onde
da Escola Naval (1845), sucedendo à Acade- grama do ministro Mendes Leal que, naquele mais tarde Wenceslau embarcou.
mia Real dos Guardas Marinhas e fundação ano de 1864, manda construir 4 corvetas mistas No ano seguinte, 1873, Wenceslau de Mo-
do Museu de Marinha (1863). Reformulam-se e 4 canhoneiras, que se vão juntar aos seis na- raes que completa, na Escola Politécnica, o cur-
também os planos para a sinalização da costa vios adquiridos pelo Marquês Sá da Bandeira so preparatório para ingresso na Escola Naval
através de faróis, sob projecto de oficiais da e que são entregues próximo desta data. Estas assiste ao falecimento do seu pai (10OUT).
Armada, mas com estes ainda integrados no modestas unidades navais irão prestar exce- Em 13 de Julho de 1874 ele completa o
Ministério da Fazenda. lentes serviços em África até ao final do Século 1º ano do curso de Marinha da Escola Naval
Vinte navios de madeira, dos quais ainda XIX e nelas, Wenceslau de Moraes, irá passar e embarca na corveta Bartolomeu Dias para
dez exclusivamente à vela constituem a Arma- longos anos da sua carreira naval. um estágio, com mais 5 aspirantes, e onde
da Portuguesa naquele ano de 1864, enquan- Naquele período de sete anos construíram-se presta serviço até 22 de Setembro.
to as grandes nações da Europa já construíam 17 navios, mas a Armada continuava longe de Nesse ano Macau é devastado por um ci-
navios de casco metálico e propulsão a vapor dispor das unidades indispensáveis ao cumpri- clone que causa inúmeros prejuízos e vítimas,
desde a década de 1840 e couraçados, desde a mento das suas missões. A adopção das tecnolo- no mar e em terra, falecendo centenas de pes-
década seguinte... gias da 1ª Revolução Industrial, produziu uma soas; no porto afundam-se alguns navios, en-
Os políticos da Regeneração estabeleceram completa dependência do estrangeiro: maqui- tre os quais a escuna Príncipe D. Carlos e a
neste período novos objectivos estratégicos naria, armas e munições passam a ser importa- canhoneira Camões, comandados respectiva-
que levaram à aprovação de um plano de re- das; até o carvão tem de ser de origem estrangei- mente pelos 1º tenente Vicente da Silva Maciel
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2004 17