Page 239 - Revista da Armada
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meado Ministro da Marinha em 22 de Dezem-  Após a implantação da República foram  que estou, do que se estivesse reformado. Estou livre,
         bro de 1909, elaborou e apresentou no Parla-  apresentados sucessivos projectos de renovação  posso fazer e dizer o que quiser, não devo favores aos
         mento um projecto de Programa Naval que não  da Armada, mas até ao início da I Guerra Mun-  poderes públicos; é pouco o que tenho, mas não preci-
         viria a ter seguimento, mas que está na base  dial a sua esquadra recebeu apenas 1 submersí-  so mais; e olhe que também não mereço mais – eu sei
         dos programas que a República sucessivamen-  vel, 3 canhoneiras e 3 contra-torpedeiros, cujos  muito bem o que valho – que é coisa nenhuma”.
         te foi aprovando, mas que o estado das finan-  projectos já vinham da Monarquia. No mesmo   A Marinha procura concretizar a aquisição
         ças públicas nunca permitiu concretizar. Este  período perdiam-se, por acidente, 2 cruzadores.  de novas unidades, depois do conflito termi-
         programa propunha a construção de 3 cruza-  Já durante o conflito são aumentados ao efectivo  nar, mas estas resumem-se a dois navios adqui-
         dores de 5.000 toneladas, 2 contra-torpedeiros  1 contra-torpedeiro e 3 submersíveis.  ridos em 2º mão à Inglaterra, aos 6 torpedeiros
         de 670 toneladas, 6 contra-torpedeiros de 400   Em 20 de Agosto de 1912 morre O-Yoné a  recebidos da Áustria e ao rebocador entregue
         toneladas e 3 submarinos. Seria o complemen-  sua companheira japonesa, aumentando o seu  pela Alemanha como reparações de guerra; fo-
         to lógico do programa de Jacinto Cândido, mas  estado depressivo. Em Março do ano seguinte,  ram também incorporadas as 5 canhoneiras da
         foi condenado ao esquecimento...   o Presidente da República nomeia-o Cônsul-  classe Beira, construídas no Arsenal de Mari-
           Em 1910, Wenceslau de Moraes é preterido  -Geral de Portugal em Kobe e Osaca.  nha, e adquiridos alguns hidroaviões.
         na promoção a capitão-de-mar-e-guerra; em   Depois de ter afirmado que “a Nação por-  Em 1919 foi criada, anexa ao Aquário Vas-
         Maio o cruzador Rainha D. Amélia visitou  tuguesa caminha a passos rápidos para a perdição.  co da Gama, a Estação de Biologia Marítima
         Kobe, e em Setembro o cruzador São Gabriel  Causas: Feitios da gente? Independentemente da cor  que, em 1950, passaria a Instituto de Biologia
         também fez escala naquele porto.   política, tristes atavismos, crassa ignorância dos cul-  Marítima e é hoje o Instituto de Investigação
           Em Portugal é lançada à água, no Arsenal da  tos, falta de tradições de trabalho, cobiça das grandes  das Pescas e do Mar. A Aviação Naval realiza
         Marinha, em 8 de Junho de 1910, a canhoneira  potências, etc”, em 10 de Junho de 1913, requer  algumas viagens arrojadas de que se destaca a
         Beira que sendo o último navio do período da  ao Presidente da República a sua demissão de  travessia aérea do Atlântico Sul por Sacadura
         Monarquia, foi o primeiro de uma série de oito  Cônsul-Geral de Portugal em Kobe e de Oficial  Cabral e Gago em 1922.
         navios, construídos entre 1910 e 1929, que tão  da Marinha, sugerindo ainda que lhe seja retira-  Em Novembro daquele ano Wenceslau de
         bons serviços prestaram à Marinha, onde fica-  da a qualidade de cidadão português. De salien-  Moraes corta relações com Vicente Almeida
         ram conhecidos por cruzadores de bolso. A últi-  tar, o facto de o pedido ter sido datado no Dia  d’Eça que, contra sua vontade, celebra um
         ma, a Diu serviu até 1969! Em 17 de Junho de  de Portugal e de não ter esperado pela data da  contrato com a Seara Nova para reedição do
         1910 é assinado o contrato para construção do  reforma que estava próxima. O diploma da sua  Dai-Nippon. Em Outubro do ano seguinte es-
         Espadarte, o primeiro submersível português,  exoneração do consulado é publicado no Diário  creve Relance da História do Japão, que termina
         o que fez de Portugal um dos pioneiros da na-  do Governo de 12 de Julho daquele ano.  em Dezembro.
         vegação submarina.                   Instala-se então em Tokushima, uma cidade   Estamos no período final da I República e
                                            de 70.000 habitantes no Sul do Japão e inicia o  numa época de grande carência de meios para
                                            seu processo de japonização, vestindo, comen-  a Marinha que o próprio ministro de então, o
                                            do e vivendo como um cidadão japonês anóni-  Comandante Pereira da Silva, designou como
                                            mo. Em Novembro de 1914, insurge-se contra a  de Zero Naval. Procedia-se a uma importantís-
                                            I Guerra Mundial que entretanto estalara, afir-  sima reforma e modernização, fruto dos ensi-
                                            mando, em correspondência para um dos seus  namentos do primeiro grande conflito mun-
                                            amigos que “Diga-me de quando em quando o que  dial, sendo postas em execução nova legislação
                                            pensa desta guerra formidável, desta loucura de san-  e nova organização que permitirá, mais tarde,
                                            gue em que o mundo caiu, ferozmente, barbaramente,  receber modernos meios navais.
                                            dizendo uns e outros que batalham pela justiça, pelo   Em meados de 1928, a precária saúde de
                                            direito dos fracos, quando é falso, quando trabalham  Wenceslau de Moraes, então com 74 anos,
                                            unicamente pelos seus interesse mesquinhos, provan-  torna-se mais visível; tem dificuldades em
                                            do à sociedade que o homem é pior que o tigre, pois  escrever, a sua letra é de difícil leitura e a sua
                                            possui a ciência, o que o tigre não possui”.  visão piora. Em Maio do ano seguinte envia
                                              No ano seguinte, 1915, prevê a derrota da  à irmã a sua foto com a enfermeira, a criada e
                                            Alemanha e manifesta-se contra a quebra da  três vizinhos; no dia 1 de Julho ao levantar -se
                                            neutralidade portuguesa.           durante a noite cai no jardim batendo com a
                                              A Marinha Portuguesa interveio neste con-  cabeça numa pedra, falecendo. De acordo com
                                            flito, garantindo as escoltas dos transportes de  as instruções que deixara escritas, o seu corpo
                                            tropas para França e para África, a protecção  foi cremado no dia seguinte.
                                            dos portos nacionais, nomeadamente Lisboa,   Oficial da Armada, escritor, diplomata e apai-
                                            a patrulha naval e aérea das nossas águas terri-  xonado, Wenceslau de Moraes deixou um enor-
                                            toriais para detecção de eventuais submarinos;  me legado escrito, algum muito disperso nas
                                            a participação nos combates no Sul de Angola  cartas e postais aos seus amigos, e de que não
                                            com o seu Batalhão de Marinha e a participa-  resisto a mencionar duas afirmações que conti-
                                            ção nas operações do Rovuma em Moçambi-  nuam actuais, passados mais de 85 anos.
                                            que, foram outras das missões que a Marinha   Em carta ao seu amigo Alfredo Dias Branco,
                                            cumpriu com pesados sacrifícios em Terra, no  a 23 de Fevereiro de 1919, escrevia “Não esta-
                                            Mar e no Ar; os seus mortos e feridos são a pro-  mos na idade das letras, decididamente, estamos na
                                            va desse notável esforço de guerra. Carvalho  idade do dinheiro, da malandrice, dos falsos heróis
                                            Araújo e Raul Cascais no Mar, Azeredo Vas-  e tudo o mais correlativo. Não há ALMA; ponha o
                                            concelos no Ar e Rodrigues Janeiro em Terra,  L antes do A; fica LAMA; é o que há”.
                                            entre outros, deram a vida pela Pátria ao ser-  Seis meses depois, em 14 de Agosto escrevia
                                            viço da Armada.                    a Bento Carqueja “Passaram a Idade da Pedra, a
                                              Em 1919, Wenceslau de Moraes recebe, no Ja-  Idade do Bronze, a Idade do Ferro; veio a Idade do
                                            pão, a visita de Atchan e do seu filho José, mas  venha a nós, sem sombra de pudor”.
                                            recusa a hipótese de ir viver na companhia dos                     Z
                                            filhos; recusa também a hipótese de voltar a Por-   J. A. Rodrigues Pereira
         Instruções de W. de Moraes para a cremação do seu corpo.  tugal, afirmando que “estou melhor na situação em   CMG
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U JULHO 2004  21
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