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A MARINHA DE D. MANUEL (50)



                  Uma Fortaleza em Ceilão
                  Uma Fortaleza em Ceilão



              m 1517 saiu de Lisboa uma esquadra  descoberta na Casa da Índia lançando o des-  do de pequenos navios redondos. Não alcan-
              de cinco naus grossas, sob o comando  crédito no feitor, que foi imediatamente pre-  çaram Colombo por dificuldades de vento,
         Ede António Saldanha, com destino à  so e assim permaneceu até que Lopes Soares  e acabaram por ter de esperar em Gale por
         Índia. Os navios deviam carregar e regressar  chegou a Lisboa em 1519. Estava-se perante  mais de um mês. Mas decorrido esse tempo
         ao reino como acontecia todos os anos, mas o  um episódio daqueles que, infelizmente, não  apareceram em frente da principal cidade de
         Capitão ficaria no Oriente com a missão es-  seriam invulgares no meio de uma certa fi-  Ceilão com um poder naval que assustaria
         pecífica de ir todos os anos à entrada do Mar  dalguia que ia à Índia com o intuito de enri-  qualquer reino do Oriente. Lopo Soares já re-
         Vermelho, a Ormuz e a Cambaia, dando caça  quecer tão rápido quando fosse possível.  velara, noutras circunstâncias, um estilo de
         aos navios de mouros que fu-                                                     relacionamento com os peque-
         gissem ao controlo português.                                                    nos poderes locais muito mais
         O ciclo desta acção de corso e                                                   moderado do que tivera Afon-
         vigilância repetia-se todos os                                                   so de Albuquerque, e a forma
         anos, com a saída do Malabar                                                     como negociou com o sobe-
         até ao final de Janeiro, perma-                                                   rano de Colombo é paradig-
         nência no estreito até Abril, a                                                  mático dessa moderação que,
         que se seguia a passagem pela                                                    sendo muito criticada, por
         entrada do Golfo Pérsico com                                                     vezes, também deu os seus
         a invernada em Ormuz até fi-                                                      frutos. Como era habitual, foi
         nais de Agosto, altura em que                                                    enviada uma embaixada a ter-
         se atravessava para a Índia                                                      ra, e as negociações prolonga-
         passando por Cambaia, antes                                                      ram-se por algum tempo, no
         de voltar a Cochim carregado                                                     acerto de pormenores de uma
         com os despojos  da campa-                                                       aliança que o rei não ousava
         nha. Digamos que a missão                                                        recusar. Entretanto, a fortale-
         de António Saldanha se en-                                                       za começou imediatamente a
         quadrava dentro do conhe-                                                        tomar forma e, evidentemente
         cimento que já havia sobre                                                       que esta presença portuguesa
         o regular movimento de na-  Ceilão                                               no núcleo central da produ-
         vios muçulmanos no Índico,   Gaspar Correia – Lendas da Índia.                   ção de canela não interessava
         e da experiência das monções.                                                    aos habituais comerciantes do
         Apenas se poderá ver na determinação régia   No entanto a presença deste funcionário  produto. As intrigas acabaram por provocar
         de 1517 um retirar de liberdade de comando  régio, os poderes que levava e, sobretudo, o  a revolta que surpreendeu os que trabalha-
         e escolha ao governador da Índia – que era  que se disse no Oriente acerca da sua missão  vam em terra, descuidados da sua seguran-
         Lopo Soares de Albergaria – e um eventual si-  e objectivos, tornaram bem claro que D. Ma-  ça. A reacção nacional foi imediata, mas os
         nal de descontentamento sobre a sua acção. A  nuel não estava contente com a administra-  atacantes (uns milhares de mouros, segun-
         corroborar este sentimento, pode acrescentar-  ção e comando das coisas da Índia. O próprio  do Correia) fortificaram-se numa peque-
         se o facto de que, um mês depois da partida  governador o deve ter entendido muito bem,  na aldeia perto da ponta onde estava a ser
         destes cinco navios, saíram mais três, levan-  apressando-se a cumprir no escasso ano que  construída a fortaleza, e dali lançavam no-
         do Fernão de Alcáçova como Capitão -Mor,  lhe restava no cargo as determinações do seu  vos ataques sem que a artilharia dos navios
         nomeado para feitor da Índia, com poderes  regimento que ainda não concretizara. Em Ja-  os pudesse afectar. Foi necessário lançar um
         que claramente entravam nas competências  neiro de 1518 despachou António Saldanha  ataque com três frentes, a partir de posições
         habitualmente conferidas ao governador.  com treze velas, para o “estreito”, com um  em terra (os portugueses já dispunham de
         Ambas as esquadras chegaram a Goa em fi-  carregamento de arroz e açúcar para Ormuz  espingardas), ao mesmo tempo que Fernan-
         nais de Setembro, quando Lopo Soares ain-  (mercadorias que permitiam um excelente  do Monroy se acercava da praia com as fus-
         da não tinha chegado de Ormuz, e Fernão  negócio nessa região); organizou uma expe-  tas, bombardeando as tranqueiras inimigas.
         de Alcáçova imediatamente começou a in-  dição às Maldivas, cujo comando entregou a  Quando a resistência enfraqueceu, o seu pes-
         quirir os funcionários da administração e a  João da Silveira (sobrinho do Barão do Alvi-  soal desembarcou e entrou pelos abrigos den-
         tomar medidas que denotavam a suspeitada  to); e preparou-se ele próprio para ir a Ceilão  tro, acabando com a revolta. Apesar de tudo
         animosidade e gerando um ambiente de ten-  e instalar uma fortaleza na baía de Colombo,  isto, o governador continuou a recomendar
         são. Tanto quanto nos relata Gaspar Correia  um local chave para o negócio da canela. Já  comedimento e não permitiu que a violência
         – cuja relação com Albergaria era muito fria,  sabia que o seu sucessor chegaria por alturas  tomasse conta das relações entre os portu-
         não havendo nenhuma razão para elogiar a  de Setembro desse ano, e toda a sua preocu-  gueses e as populações locais, acabando por
         sua acção na Índia – o feitor nomeado nunca  pação era a de que não se cruzasse com ele  fazer o forte, montar uma feitoria e obter um
         conseguiu realizar a sua missão, regressando  sem ter cumprido a missão, que lhe fora es-  acordo de comércio e vassalagem.
         a Lisboa em 1518, com intuitos claros de obter  pecificamente encomendada por D. Manuel.   Quando Lopo Soares de Albergaria regres-
         desagravo junto de D. Manuel acerca do que  Partiu – então – a 20 de Setembro de 1518, em  sou a Cochim, já tinha chegado a esquadra de
         lhe fizera o governador. Todavia, Alcáçova  direcção ao sul, levando 19 navios grossos, 12  Lisboa onde vinha Diogo Lopes de Sequeira
         fizera embarcar em Cochim uma arca com  fustas que vieram de Goa, comandadas por  para o substituir no cargo de governador.
         objectos seus, onde escondera uma avultada  Fernando Monroy (ou 8 conforme diz Cas-                   Z
         quantia em dinheiro proveniente de negócios  tanheda), 3 galés, 1 galeota, 2 bergantins, 4   J. Semedo de Matos
         ilícitos efectuados no Oriente, e essa arca foi  caravelas e ainda um número indetermina-         CFR FZ

         16  AGOSTO 2004 U REVISTA DA ARMADA
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