Page 32 - Revista da Armada
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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (14)



                    Bichas, Piranhas e Outras
                    Bichas, Piranhas e Outras


             Tamanhas (Falar Português II)
             Tamanhas (Falar Português II)


             m Junho de 1998 fui “arrebanhado”, jun-  irmãos transatlânticos faziam questão de visi-  Brasil até tem expressões deliciosas como “for-
             tamente com outros camaradas, para fa-  tar. Disse-lhes, naturalmente, que valia a pena  ró”, “amasso”, “transar”, “sufoco”, “desaforo”
         Ezer ligação a uma vasta representação de  a deslocação, prevenindo-os, no entanto, que  ou “cafageste”, que não me ofenderia nada ver
         navios estrangeiros que escalavam Lisboa por  à porta dos principais pavilhões havia “gran-  incorporar no nosso linguajar. Confesso, aliás,
         ocasião das comemorações do Dia de Portu-  des bichas” para entrar. Claro que os camara-  que tenho uma especial predilecção pela últi-
         gal, no ano em que se assinalava o quinto cen-  das “brasucas” rebolaram de riso ao ouvir tal  ma que referi (já imaginaram os estupefactos
         tenário da chegada de Vasco da Gama à Índia  expressão e desataram a exclamar “Qué qui  leitores como se elevaria o nível das discussões
         e se apresentava a EXPO 98 como a face mais  tá dizendo, cara? Tem muita bicha, é?! Assim  na Assembleia da República se os deputados,
         visível daquela efeméride. Sendo a minha pri-  já não vou lá, não!”. Apercebendo-me da tre-  em lugar dos habituais insultos, recorressem a
         meira nomeação como oficial de ligação (con-  menda gaffe, emendei prontamente, no meu  invectivas do género “Saiba V. Exa. que o tenho
         seguira “baldar-me” durante cinco anos intei-  melhor “Brasileiro”: “Quer dizer… Não tem  na conta de um refinadíssimo cafageste!”?). Em
         rinhos!), estava, naturalmente, entusiasmado  bicha… O que tem é fila.”  suma: aceito beber da riquíssima fonte lexi cal
         com a oportunidade de tomar contacto com   E cuidado com as piadinhas, meus trocis-  que hidratou a escrita de Jorge Amado e de
         marinheiros de outras paragens e, sobretudo,  tas leitores! Se, naquela ocasião se justificou a  Carlos Drummond de Andrade, mas rejeito ter-
         de poder praticar o meu “Estrangeiro”. Pois foi  emenda - ou, melhor dizendo, a tradução -, já  minantemente receber lições de Português de
         logo esta segunda expectativa a sair defraudada  não admito que se aplique idêntica corre cção  pessoas cujo maior esforço intelectual é assistir
         assim que soube ter-me calhado na “rifa” uma  ao nosso Português. Acreditem que se me re-  à novela da noite.
         corveta brasileira. Não tardaria, porém, a mu-  volvem as entranhas cada vez que oiço um   Mas mais grave do que tudo o atrás exposto
         dar de opinião, ao ver-me a braços com uma  “patrício” dizer “Ai, bicha não. Fila!”, como se  sucedeu um dia a um distinto camarada da For-
         “língua” bastante diferente do “meu” Portu-  tivesse medo de ser confundido com alguém.  ça Aérea, que teve, por motivos de serviço (que
         guês, em que para me fazer entender tinha de  Pois considero “bicha” um termo genuinamen-  grande pincel deve ter sido!), de se deslocar a ter-
         falar muito pausadamente, articulando muito  te português que não tem forçosamente de ser  ras de Vera Cruz, onde teve a sorte de ser acom-
         bem cada sílaba e acentuando desmesurada-  conotado com um significado para o qual até  panhado por uma jovem, simpática, bem apes-
         mente todas as vogais.             temos palavras muito mais expressivas. E, já ago-  soada e, sobretudo, incansável guia que lhe foi
           Mas também no vocabulário se registavam  ra, será que os senhores também vão passar a  disponibilizada (a tempo inteiro) pelos anfitriões.
         notáveis divergências às quais tive rapidamen-  dizer que uma pessoa com muito apetite “tem  Ora, sendo o referido camarada bastante falador,
         te de me adaptar. Aconteceu, certa vez, num  uma fila solitária no estômago”? Ou que os as-  fez questão, durante o jantar de despedida que
         almoço na Câmara de Oficiais (que fartote  pirantes da Escola Naval usam uma fila na man-  encerrou aquela breve estadia, de enaltecer pu-
         de feijoada e de farofa!), ser bombardeado  ga direita? Tenham lá paciência, sim? Há limites  blicamente, num palavroso discurso, as brilhan-
         com perguntas sobre a EXPO, que os nossos  para tudo! E, no entanto, o Português falado no  tes qualidades da sua cicerone, não se esquecen-







































         30  JANEIRO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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