Page 181 - Revista da Armada
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Setting Sail
Setting Sail
13. LUGRE
O termo lugre caracteriza o veleiro de três ou mais mastros, deitando em Mastros – Gurupés (A), traquete (B), latino ou contra-traquete (C), grande
todos eles pano latino quadrangular, que regra geral arma com retranca e (D) e mezena (E). Cumpre recordar que no Creoula, dois destes mastros ser-
carangueja, não contando, por norma, com qualquer verga redonda. Cons- viam de chaminé. O de vante – traquete –, foi inicialmente utilizado para
titui, por assim dizer, a excelência e derradeira evolução do grande veleiro expelir o fumo do fogão a carvão que se encontrava instalado no denomi-
latino, cujo maior exemplar alguma vez construído foi o Thomas W. Lawson, nado rancho e, posteriormente, para a estufa de aquecimento a gasóleo ins-
em 1902, que dispunha de um total de sete mastros. talada no mesmo local. Quanto ao de ré – mezena –, servia como chaminé
Esta armação larga igualmente pano latino no gurupés que é mocho – velas à maquina e geradores do navio, situação que ainda hoje se mantém e que
de proa –, bem como entre os respectivos mastaréus – velas de entremastro justifica a sua maior degradação.
–, que espigam a partir dos mastros reais. Neste segundo caso, o pano latino
pode ter forma triangular ou quadrangular, sendo que em vez de caçados Mastaréus – Traquete (F), latino ou contra-traquete (G), grande (H) e
gavetopes, podem, por opção, ser içadas estênsulas. mezena (I).
Alguns lugres contavam também com uma vela redonda, cosida na ver-
ga existente no mastro situado mais a vante, com a finalidade de tirar maior Mezena – Vela latina quadrangular que conta com retranca e carangue-
partido das situações em que se navegava com vento largo. ja, envergando pela respectiva testa por ante a ré do mastro da mezena, ou
Sendo inquestionável a origem holandesa desta sorte de velas latinas qua- último mastro a contar de vante.
drangulares, em que a testa da vela enverga no mastro, de acordo com as
fontes estudadas este tipo de pano terá começado a ser utilizado nos navios Pau da bujarrona – Nome pelo qual era conhecido o gurupés do Creou-
pelo meado do século XVI. Pelo que conseguimos averiguar, a raiz etimo- la no período em que o navio contou com este apêndice (1937-1959). No
lógica desta armação deriva do inglês lugger – aquele que armava lug sail entanto, como referimos anteriormente, em número específico dedicado à
–, que por alturas do último quartel do século XVII caracterizava um cer- nomenclatura do gurupés, esta denominação é mais exacta para qualificar
to tipo de navio de pesca britânico, de dimensões modestas, dispondo de o primeiro pau, ou mastaréu, que visa prolongar o mastro que dispara para
pano latino quadrangular com as citadas características. Embora o termo vante, à proa. De referir que quando o Creoula deixou de contar com guru-
lugre ofereça sobejas dúvidas quanto à forma como terá sido introduzido pés, em grande medida devido aos acidentes provocados aquando das ma-
em Portugal, afigura-se como muito provável que tal tenha ocorrido a partir nobras de atracar de braço-dado com outros navios, manteve, ainda assim,
da designação francesa lougre, navio de dois ou três mastros, com cerca de as três velas de proa. O mesmo que pau de proa.
300 toneladas e 18 peças de artilharia, que durante as Guerras Napoleóni-
cas (1793-1815) foi utilizado pelos corsários franceses. De acordo com a Polaca – Vela de estai de proa que enverga no denominado enque ou es-
terminologia náutica gaulesa coeva, este aparelho era idêntico ao utilizado tai da polaca, que mais não é do que um segundo cabo passado em reforço
no chasse-marée (navio de pesca), a exemplo da denominação inglesa don- do estai real do traquete. De referir que embora pouco comum, a bordo do
de aparenta ter derivado, embora este possuísse maiores dimensões. Ao que Creoula este pano de proa conta com uma retranca (4), o que em grande
consta, em França, este termo veio posteriormente a cair em desuso, muito medida facilita as manobras de caçar e cambar, tornando-se particularmen-
possivelmente devido ao carácter malfazejo da acção destes navios durante te útil quando se pretende aquartelar esta vela. Quando existe este pau, a
o período revolucionário. Curiosamente, as primeiras referências ao lugre escota é passada directamente na retranca e não na vela.
conhecidas em Portugal datam de meados do terceiro quartel do século XIX,
coincidentes com o período em que foi retomada a pesca do bacalhau por Triângulo de tempo – Vela de menores dimensões e de tecido mais resis-
navios portugueses, nos bancos da Terra Nova. tente do que o da grande vela latina quadrangular habitualmente envergada
Em virtude de este mês se celebrar o septuagésimo aniversário do Creoula, no mastro da mezena. Dado não dispor de gurutil, dispensa, consequente-
considerámos pertinente apresentar, por esta ocasião, o desenho do seu apare- mente, o içar da respectiva carangueja. Nos bancos da Terra Nova e Grone-
lho, um lugre de quatro mastros, inserido na análise dedicada a este género de lândia era envergada em substituição da vela de mezena, nomeadamente
armação. Embora, por opção nossa, o seu casco surja no desenho anexo com quando se navegava com vento forte ou mau tempo, sendo também conhe-
as antigas cores características do seu armador – o dito vermelho «sangue-de- cida como mezena de capa. O mesmo que mezena de tempo.
boi» da Parceria Geral de Pescarias –, que o navio exibia quando foi lançado
à água e que manteve até 1943. Cumpre referir que a reconstituição fidedigna Velas de proa – Polaca (5), bujarrona (6) e giba (7).
das cores originais do navio só foi possível graças à preciosa ajuda do senhor
Capitão Marques da Silva, Comandante do Creoula em quatro campanhas de Velas latinas quadrangulares – Traquete latino (8), latino ou contra-traque-
pesca (1969-1972), a quem publicamente agradecemos. te latino (9), latino grande ou vela grande (10) e mezena (11). De salientar
que outrora no Creoula não existiam guardins nas caranguejas destas velas,
Bruta – Nome pelo qual era conhecida, entre os pescadores do Creoula, a sendo que as carregadeiras dos piques então utilizadas faziam volta para os
vela latina quadrangular do mastro da mezena. Apesar da sua superfície ser laises das respectivas retrancas.
actualmente ligeiramente inferior, os seus 235m ainda impressionam.
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Velacho – Vela auxiliar envergada por intermédio de amarrilhos de nó di-
Contra-traquete latino – Vela latina quadrangular, dispondo de retranca reito na única verga redonda que cruza no mastro do traquete, tomando a
e carangueja, que enverga pela testa por ante a ré do mastro do contra-tra- verga idêntico nome. Era-lhe conferida particular utilidade nas situações em
quete, ou segundo mastro a contar de vante. No Creoula esta vela era anti- que se navegava com ventos largos, sendo à época conhecida como «cava-
gamente conhecida apenas como latino. lo malandro» ou simplesmente redondo. Este último termo é perfeitamente
compreensível se atendermos ao facto de não existir qualquer outra vela a
Estênsula – Vela de entremastro, regra geral quadrangular e não enver- bordo com estas características. Contrariamente à prática actual no Creou-
gada em estai, que é içada, quando necessário e com ventos fracos, acima la, antigamente esta verga era mantida arriada ao nível da borda, sendo in-
das caranguejas do pano latino quadrangular. Toma o nome do mastro onde clusivamente desenvergada a vela nas situações em que se antevia não ser
o respectivo punho da pena faz retorno, ou seja, o mastro mais a ré entre necessária a sua utilização.
os quais a vela se encontra içada: extênsula do traquete (1), extênsula do
latino ou contra-traquete (2) e extênsula do mastro grande (3). Este termo, António Manuel Gonçalves
possivelmente adaptado do inglês staysail, pode igualmente aparecer com CTEN
a grafia extênsula. am.sailing@hotmail.com