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O Direito Internacional Marítimo
O Direito Internacional Marítimo
Nasceu e cresceu na Europa
O Verifica-se na formação, no desenvolvi- muçulmana em todo o Mediterrâneo e no
homem, pela sua própria natureza,
é essencialmente sociável e nunca mento e na difusão do direito internacional Índico. De todos estes conhecimentos geo-
foi encontrado, ao longo da História, e do direito marítimo um indiscutível euro-
que não fosse em estado de associação. centrismo, universalmente reconhecido. gráficos e comerciais se aproveitaram larga-
mente os navegadores e comerciantes por-
Mas o que se diz da natureza do homem Os Asiáticos registaram no seu activo his- tugueses nas suas actividades no Oriente
em matéria de espírito associativo não tórico uma vasta actividade comercial ter- desconhecido da Europa.
pode, por dificuldades de comunicação restre e marítima desde os tempos mais re- Pois apesar de todo este comércio e de
pelo menos, dizer-se a respeito dos grupos cuados da civilização. O comércio entre a todas estas navegações foi nula a influência
que formou. As relações entre tribos ou as Índia e o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, oriental na formação e no desenvolvimento
nações começaram por ser esporádicas, segundo alguns historiadores orientais, teve do direito marítimo.
apenas com vista à apropriação de terri- início 3000 anos antes de Cristo. Os Fení- Havia certamente, nas relações marítimas
tórios, de mercadorias, de mulheres e de cios navegaram intensamente todo o Medi- entre todos estes povos da Antiguidade, al-
escravos, e só muito lentamente gumas normas reguladoras da
e em fase relativamente recente, sua actividade comercial, mas
com o desenvolvimento das tro- destaca-se, pelo seu papel na
cas comerciais, se começaram formação do direito marítimo,
a estabelecer laços com carác- o Estado de Rodes, no Mediter-
ter regular e permanente. Assim râneo Oriental pela sua posição
se formou uma comunidade de geográfica altamente favorável,
interesses que conduziu lenta- no eixo do comércio antigo en-
mente à necessidade do estabe- tre os povos do Mediterrâneo e
lecimento de normas regulado- do Oriente. Durante a Idade Mé-
ras dessas mesmas relações. dia surgiram no Mediterrâneo,
O conjunto de regras de direito no Atlântico e no Báltico vários
que ao longo dos últimos trezen- códigos marítimos conhecidos
tos anos, foi possível fazer aceitar de todos os maritimistas que se
pela comunidade internacional, baseavam no Código Marítimo
como normalizadoras das suas de Rodes, elaborado no Séc. III
múltiplas relações, pode dividir- antes de Cristo.
-se em dois grandes grupos: as Por muito notáveis que te-
normas que, no interesse comum, nham sido todos estes códigos e
regulam aspectos dessas relações por muito valiosa que tenha sido
que são de natureza predominan- a sua contribuição para a for-
temente técnica, onde os pro- mação do direito marítimo, nun-
gressos se podem dizer especta- ca se elaboraram verdadeiros
culares, como, por exemplo, no tratados de direito internacio-
âmbito das comunicações, dos nal marítimo porque o âmbito
transportes e da energia, da segu- da legislação e dos acordos vi-
rança do trânsito e da navegação, gentes era circunscrito e limita-
pesos e medidas, letras e cheques, HUGO do. Faltava-lhes a característica
saúde e ambiente, protecção da fundamental: serem princípios
propriedade intelectual e indus- GROTIUS gerais e regras universalmente
trial, normalização e estatística, aceites.
supressão de tráficos ilegais, trabalho e emi- terrâneo e terão chegado ao Atlântico 1500 Foi preciso aguardar pelo século XVII e
gração, e as normas cuja formação e finalida- anos antes de Cristo. As grandes navegações pela obra de Grotius “para que o direito do
de sofrem a influência de uma pesada carga dos Chineses até às costas de África datam mar, ultrapassando o labirinto e a diversida-
política, onde o muito que já se progrediu está do início do primeiro milénio. de dos nossos costumes, se desembaraças-
longe de corresponder, na prática, aos nossos Os Indonésios de Sumatra estabeleceram se da escória secular e se afirmasse como
anseios de ordem e de paz, como são as res- um importante império comercial que se es- ramo do direito das gentes”.
trições à soberania, a definição de fronteiras, tendia para Ocidente e para Norte. Dotados É geralmente reconhecido que o moder-
os direitos do homem, o conceito de agressão, no século VII da nossa era de uma impor- no direito do mar, tal como outras regras
as limitações ao armamento, a aplicação de tante marinha de guerra e de apreciáveis de direito internacional, é um produto da
sanções, a ocupação e a jurisdição dos espa- conhecimentos de navegação, limparam os civilização europeia, para o qual os po-
ços territoriais. mares de corsários e piratas e exerceram o vos asiáticos, africanos e americanos pou-
Foram, sobretudo, o progresso e a difusão controlo sobre os corredores que ligavam os co ou nada contribuíram. Ele é o resultado
dos meios de comunicação que imprimiram Chineses ao Oceano Índico. Os seus portos dos procedimentos e costumes dos Estados
o extraordinário desenvolvimento que hoje davam abrigo seguro aos navios indianos, Europeus praticados durante os três últi-
tem o direito internacional em tempo de persas, árabes e chineses, que aguardavam mos séculos.
paz: foi basicamente o aumento do poder as monções ou que pretendiam assistência, Embora alguns estados antigos, como a
destrutivo das armas que originou, no inte- descanso, frescos e aguada. China, a Índia, o Egipto e a Assíria, com
resse comum, o modesto progresso que, só Os Persas e os Árabes foram por mar até formas adiantadas de civilização, tenham
a partir do fim do século XIX, teve o direito Cantão e outros portos da China, tendo adoptado certas regras ou princípios nas
internacional em tempo de guerra. sido verdadeiramente notável a expansão relações inter-estaduais, os estudiosos oci-
4 ABRIL 2008 U REVISTA DA ARMADA