Page 310 - Revista da Armada
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           “(...) Assim como a Índia foi uma des-
         lumbrante origem de fundos estruturais,
         o esgotamento do modelo encontrou
         substituto no Brasil das ilusões, e mais
         tarde, perdida ali soberania, no arran-
         que para África depois da Conferência
         de Berlim de 1885.
           A permanência deste conceito estraté-
         gico, de conteúdo variável, e com inva-
         riável dependência de factores externos,
         teve numa diplomacia de excelência um
         instrumento fundamental, e no apego da
         nossa diáspora às raízes um suplemento
         do amor pátrio e de remessas das pou-
         panças. (...)”

                     Prof. Doutor Adriano Moreira
             ortugal, logo que assumiu a Presidên-
             cia da União Europeia (UE), promoveu
         Puma cimeira Europa-Brasil e, logo de-
         pois, Europa-África. Em sintonia com esta
         orientação estratégica também o Almirante
         CEMA promoveu em Julho o primeiro Sim-
         pósio das Marinhas dos Países de Língua
         Portuguesa e enviou a África o nosso melhor
         embaixador, o Navio Escola Sagres.
           Será que África faz de novo parte do nos-
         so futuro? Que importância estratégica tem
         hoje África?
           África, que tem sido um continente despre-  ficuldades, é por isso nossa obrigação discu-  cos, associados em grandes espaços regio-
         zado, está a transformar-se num continente ar-  tirmos que futuro queremos para Portugal.    nais, vocacionados para a competição e não
         duamente disputado. É um precioso reservató-                          para a colaboração.
         rio de matérias-primas abundantes e baratas,   DESAFIOS GEOESTRATÉGICOS   A Europa parece não ter ainda esta cons-
         abrange um vasto mercado, actualmente in-  EM ÁFRICA                  ciência geopolítica, precisa de ultrapassar
         cipiente, mas com enorme potencial de cres-                           rapidamente as actuais dificuldades de go-
         cimento económico e demográfico. Constitui   Dois terços da população mundial con-  vernança e atingir a maturidade e a coesão
         um espaço vital relativamente subpovoado,  centram-se na Ásia, em torno de dois pólos  necessárias para raciocinar a uma só cabeça
         capaz de acolher excedentes populacionais  de poder e de influência que são a China e a  sobre a sua expansão. Quando o pensamen-
         ou laborais de outras regiões do mundo.   Índia. A proximidade a África dita a sua ape-  to estratégico europeu for valorizado, haverá
           Em paralelo, também o Atlântico Sul tem  tência pela projecção de poder e influên cia.  a clarividência de que não pode haver boa
         cada vez mais importância estratégica, que se  Estrategicamente, é da maior importância  governança com o alargamento para leste,
         justifica pelas suas fontes energéticas, pela se-  para o mundo ocidental manter uma estreita  onde a Federação Russa se mostra cada vez
         gurança do seu transporte, especialmente das  afinidade com África, dando “massa crítica”  mais importunada ao ver invadido o seu es-
         áreas offshore das plataformas continentais do  e consistência ao restante terço demográ fico  trangeiro próximo, e que o espaço vital está
         Brasil, de Angola e do Golfo da Guiné.  do mundo.                     a sul, onde há enormes desafios mas também
           Portugal tem a consciência que para a Eu-  Este grande desafio implica tirar partido  imensas oportunidades.
         ropa vale pela sua demografia, tem 24 euro-  dos antecedentes históricos e propiciar uma   Talvez o afastamento actual da Europa em
         deputados tal como a República Checa e a  convergência artificial entre cinco civiliza-  relação a África se deva a um sentimento de
         Hungria, que também têm 10 milhões de ha-  ções diferentes, mas afins: a ocidental, a la-  culpa. Na verdade, foram os europeus que
         bitantes. Esta perspectiva continentalista não  tino-americana, a islâmica, a eslava ortodo-  não criaram uma tradição pluralista, pluri-
         lhe dá o devido valor e, é por isso, que bem  xa e a negra subsariana. Será pois necessário  partidária, em África. Os europeus procura-
         procura direccionar o interesse estratégico  que as duas Américas se aproximem da Euro-  ram até ao limite assegurar o poder indiviso
         da Europa para o mar e para África.   pa para que, num esforço coordenado e con-  dos representantes da potência colonizado-
           Quando se ensaia uma perspectiva estra-  junto, possam chamar a si a responsabilidade  ra, que em nada coincidia com o modelo
         tégica somos facilmente levados para o mar,  de integrar economicamente a África na sua  democrático das metrópoles. Os governos
         para o Atlântico Sul e para a África Lusófo-  zona de influência. A missão não é fácil já  coloniais e outros poderes administrativos
         na. Chama por nós um Oceano Moreno que  que, por exemplo, a costa oriental de África  seguiram práticas alheias ao princípio da
         une uma rede de países luso-falantes estra-  está muito exposta aos interesses e às inves-  separação dos poderes e acumularam com-
         tegicamente localizados, cujos interesses  tidas das potências asiáticas. O Índico será  petências legislativas, executivas e judiciais,
         comuns, devidamente orientados, são de  pois, provavelmente, a principal zona oceâ-  sem mecanismos democráticos de controlo.
         enorme potencial.                  nica de colisão entre os mundos ocidental e  A estrutura era muito autónoma e profunda-
           O futuro reserva-nos muitas incertezas, os  oriental. Além disso, o nosso mundo está a  mente hierarquizada, respondendo apenas
         cenários são todos indiciadores de grandes di-  organizar-se em torno de blocos económi-  ocasionalmente à metrópole. Este modo de

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