Page 338 - Revista da Armada
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A “Sagres” fundeou no dia 9 de Angola seguinte dirigindo-se para o Victoria &
Agosto na Baía de Santa Helena, já Alfred Waterfront, local que permitiu
na África do Sul, baía que serviu de grande visibilidade ao navio durante a
perfeito abrigo ao mau tempo que sua estadia, reflectida no número total
acabou por se fazer sentir na costa de visitantes (9609) e nos órgão de co-
SW sul-africana, suspendendo no dia municação recebidos a bordo.
seguinte governando a Sul, rumo ao Durante os dias 13 e 14, o Coman-
Cabo da Boa Esperança. dante prestou cumprimentos às au-
E na manhã do dia 11 de Agosto, toridades locais, tendo-se deslocado
por entre a bruma matinal, ao avistar à Base Naval de Simon’s Town onde
as encostas escarpadas de toda a pe- apresentou cumprimentos ao Almi-
nínsula do Cabo, eis que surge, mais rante Flag Officer Fleet e mais tarde ao
tarde, o “Adamastor”, o Cabo da Boa Cônsul-Geral de Portugal e ao Deputy
Esperança. Mayor de Cape Town.
Ao dobrar tão importante promon- No dia 14, apresentou-se um ofi-
tório, um dos cadetes proferiu a se- cial da Marinha do Brasil que navega-
guinte alocução: rá com a “Sagres” até Lisboa a convite
“Eu sou aquele oculto e grande da Marinha Portuguesa.
cabo, No dia seguinte, o Comandante e
A quem chamais vós o tormen- uma companhia de cadetes partici-
tório. param numa cerimónia de deposição
Aqui toda a africana costa acabo, de coroa de flores realizada em home-
Neste meu nunca visto promon- nagem a Bartolomeu Dias. Assistiram
tório!”, a esta cerimónia o Cônsul-Geral de
…versava Camões quando por ti Portugal e algumas dezenas de repre-
passou e recordou na sua pena o te- sentantes da comunidade portuguesa
mor das almas dos primeiros homens na África do Sul.
que te viram... E como viram! Durante estes últimos dias, os ca-
Surgiste negro, amorfo, bizarro ao olho hu- Goa, Damão, Macau, Sangue e Saudade, o detes puderam conhecer e aproveitar o que de
mano, demasiadamente gigante para caberes Império Lusitano que viste nascer e morrer. Mi- melhor a cidade tinha para oferecer mas, infe-
no coração e mente de qualquer ser. radouro de esperanças utópicas, cemitério do lizmente, esta epopeia estava a acabar. No dia
O vento assobiava no cordame! As orlas das Herói sem nome, perdido no tempo, tu és tudo 17 de Agosto, o Curso despediu-se do Coman-
vagas retorciam-se em salpicos de sal e frio, o isto e muito mais! dante e do navio e embarcou, desta vez, num
mar era branco, branco como a geada ao ama- Ó Adamastor, nós marinheiros Portugueses avião, que os iria levar de volta a casa, à família
nhecer nos campos de Portugal! Os lampejos te saudamos de novo hoje, como ontem, até e à Escola Naval.
dos relâmpagos, daquela noite de Fevereiro, à próxima!” No dia 20 de Agosto, véspera da efeméride
iluminavam um olhar, uma mão firme e enre- O navio dobrou o cabo, entrou em False Bay dos 500 anos do Funchal, não podendo estar
gelada que segurava o leme com uma missão: e governou depois de volta até ao fundeadouro no porto nacional que mais vezes recebe o na-
Dobrar-te. de Table Bay. vio, foi oferecida uma recepção para 200 con-
Bartolomeu Dias. O primeiro dos muitos bra- A “Sagres” largou ferro no fundeadouro de vidados, virada para a comunidade madeirense,
vos que rasgaram as ravinas afiadas de um mito Table Bay no dia 12, suspendendo na manhã onde se mostraram imagens actuais da Madeira
do fim do mundo e venceram a con- (especificamente solicitadas para este
fluência dos terríveis ventos cortantes Cabo da Boa Esperança evento) e não esquecendo o facto de
do Pólo e da corrente que ruma a norte se estar numa cidade geminada com
pelo negro continente. Marcou a cin- a aniversariante.
zel, o seu nome nas tuas lajes escuras, Já sem os cadetes a bordo, o navio
e, mais ainda, trouxe a estas inexplora- prosseguiu missão, desta vez em direc-
das costas o nome de Portugal. Cabo ção a Maputo, em Moçambique. Lar-
das Tormentas, naquele instante de rai- gou na manhã seguinte e rumou, em
va e desespero, foi o que te sagraram. primeiro lugar, a Sul, dobrando à vela
Vê agora esta barca branca que te o Cabo da Boa Esperança e o Cabo das
dobra, os olhares, de menino, que so- Agulhas pelo Indico fora.
bre ti se deitam, para essa tua gran- Após ter fundeado na Baía de Ma-
diosidade primitiva e africana, deste puto, o navio atracou no porto comer-
navio que te traz a lembrança de ou- cial da cidade no dia 3 de Setembro.
tras velas, de outros tempos, de outras Efectuaram-se salvas a terra à passa-
obras, de outros homens! O vento que gem pela Ponta Vermelha e após atra-
bate nestas velas alvas é o mesmo que car, o navio recebeu a bordo o Direc-
te fustiga desde que os Deuses assim tor do Serviço de Formação, CALM
quiseram. Mudaram-se os tempos, Rocha Carrilho, que visitou a cidade
e com eles, a certeza de que serias no âmbito da “OMA-08”. Mais uma
aquele, o da Boa Esperança e não o vez, estenderam-se os cumprimentos
das Tormentas. protocolares às autoridades locais, in-
Tu! Que vês o fim do mundo gela- cluindo os cumprimentos ao Embaixa-
do defronte, que reúnes Oeste e Leste dor de Portugal em Moçambique e ao
no teu berço escarpado, que apontas Ministro da Defesa de Moçambique,
eternamente o Índico e mais além, o que demonstraram elevado interesse
Oriente, as sedas e especiarias, os ma- e expectativa relativamente às activi-
rajás nos seus palácios sumptuosos, dades a realizar pelo navio.
12 NOVEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA