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« Navios de Olanda »
m Novembro de 2006, o nosso País ad- le País durou de Dezembro de 1647 a Agos- Tinha este homem, Jeremias van Colen, para vender,
quiriu à Holanda duas fragatas da clas- to de 1648. Vieira procurou comprar não só uma fragata, a Fortuna, do que avisara Jerónimo
Ese “Karel Dorrman”, a “Van Nes” e a navios mas também mantimentos e muni- Nunes da Costa, e outros três ou quatro navios do
“Van Galen”, que se irão chamar “Bartolomeu ções de guerra, mas o dinheiro para efectuar mesmo porte. Estes – continuava António Vieira –
Dias” e “D. Francisco de Almeida”. me parece que são os melhores que V. EXª pode man-
A Revista da Armada tem publicado diver- dar comprar. O que eu posso segurar a V. Ex.ª é que
sos artigos sobre o assunto, pelo que os leito- André Henrique está doido de contente com a traça
res estão certamente bem informados acerca dos navios, que a mim me parecem os melhores que
destes navios. No entanto, deve haver quem se tem feito, nem pode haver para a guerra.
lhes estranhe a proveniência, pois ao longo A aquisição da fragata complicou-se com a
dos Séculos XIX e XX nunca da Holanda vie- chegada da notícia da prisão pelo Santo Ofício
ram unidades para a Marinha de Guerra, cujos do rico assentista que garantia os créditos sobre
fornecedores habituais sempre foram, em pri- a Holanda - o já mencionado Duarte de Silva.
meiro lugar, a Inglaterra, e a seguir os Estados André Henriques não quis fazer o contrato
Unidos, a França, a Itália e a Alemanha. Será por se não obrigar a pagar. Restava recorrer a
então esta a primeira vez que compramos fra- Jerónimo Nunes da Costa, e foi o que o Padre
gatas à Holanda? António Vieira fez.
A resposta é negativa. Nos séculos XVII e A fragata era quase nova, de dous anos pouco
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XVIII, em duas ocasiões bem identificadas fo- mais ou menos. Tinha de comprido 120 pés e de
ram adquiridos navios na Holanda, tal como largo 29, no porão media 11 pés e entre cobertas 6
agora aconteceu. A situação actual não é, por- pés. Bem fornecida de todo o necessário e bem arti-
tanto, inédita. lhada com 26 peças de ferro e 2 de bronze, do cali-
Embora se trate de factos praticamente es- bre de 18,12 8,4 libras de bala e de 6 libras de bala,
quecidos e que hoje em dia não têm mais im- respectivamente, tinha boa reserva de pelouros, pól-
portância que a de mero apontamento histó- vora, mosquetes e piques. As condições do contra-
rico, talvez seja curioso referi-los e conhecer as to de venda eram simples: dois terços do preço da
circunstâncias em que ocorreram, no momento Fortuna seriam pagos na Holanda em dinheiro de
em que se reata uma prática que durante tanto Padre António Vieira. contado, antes da partida da fragata, e o outro terço
tempo esteve interrompida. Comecemos pelo as compras tardava sempre em aparecer... O seria pago 5 meses depois da sua chegada a Lisboa,
que se passou no Séc. XVII. cristão novo André Henriques seguira tam- ou antes se viesse dinheiro. O vendedor obrigava -se
Em 1648 comprou-se uma fragata na Ho- bém para a Holanda levando consigo um a dar a embarcação equipada e pronta a partir até ao
landa. Essa transacção está bem documentada crédito de 100.000 cruzados, garantido pelo dia 1 de Abril de 1648, nela metendo 32 homens in-
pois foi objecto de um estudo da historiadora célebre argentário Duarte da Silva, também cluindo o mestre João Corneliszoon, cujo sustento e
Profª. Dr.ª Virgínia Rau , no qual se descreve o cristão novo. salário até Lisboa ocorriam por conta do dito vende-
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papel desempenhado pelo Padre António Viei- Em 12 de Janeiro de 1648 Vieira escrevia de dor. Por seu turno o comprador tinha a faculdade de
ra nas negociações que então tiveram lugar. Haia ao Marquês de Niza, Embaixador de Por- a mandar carregar e fazer embarcar as pessoas que
Transcrevendo e resu- entendesse sob cláusula de cus-
mindo parte do que desse tear o seu sustento. Ao chegar a
estudo consta, verifica-se Lisboa a fragata seria entregue
que Vieira era adversário á ordem do Conde de Odemi-
convicto das caravelas, a ra, Vedor da Fazenda, ou de
que, chamava “escolas de quem o substituísse. Depois de
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fugir” , e partidário das pronta para seguir viagem em
fragatas, pois sabia que só 1 de Abril e ainda no caso de a
com unidades grandes e Fortuna se perder no caminho
bem artilhadas poderiam até Lisboa não seria o vendedor
os portugueses vencer os obrigado a restituir os dois ter-
seus inimigos no mar. Em ços recebidos, nem tampouco
apenas dois anos (1647 e 1648) o comprador, naufragando ela
tinham-se perdido no Atlânti- no caminho, seria sujeito a pa-
co Sul para cima de 220 navios gar o restante terço em divida.
às mãos dos corsários. Aconse- Mas vinte e quatro horas depois
lhou por isso o Rei D. João IV de a fragata ancorar diante da
a comprar 15 fragatas armadas cidade de Lisboa todo o risco
que na Holanda se ofereciam passaria a correr por conta do
ao preço de vinte mil cruzados comprador.
cada uma. O conselho não foi Esparteiro faz referência
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seguido, provavelmente por fal- a um galeão de 28 peças,
ta de fundos, mas nem por isso Navio holandês do Séc. XVII. A fragata “Fortuna” era semelhante, mas de menores dimensões. comprado na Holanda,
se perdeu tudo: alguns navios chamado Nª Sª DA LUZ
foram adquiridos por intermédio do embaixador de tugal em Paris, dizendo: há em Amsterdão um (1648 – 1661), também conhecido por Fortu-
Portugal em França, e o próprio Vieira foi encar- flamengo, homem do maior crédito, cabedal e sciên- na, que fez parte da força naval que acometeu
regado de comprar mais, quando no ano seguinte cia de esquipagem, de quantos tem estas províncias a Armada Inglesa do Parlamento que bloque-
voltasse á Holanda . e sobretudo muito fiel e verdadeiro e de que a Repu- ava o Tejo em 1650. Em 1661, por ser velho,
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A sua segunda missão diplomática naque- blica de Veneza fia o trato que aqui tem de navios. sugeriu-se que fosse entregue à Junta do Co-
16 NOVEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA