Page 342 - Revista da Armada
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              m Novembro de 2006, o nosso País ad-  le País durou de Dezembro de 1647 a Agos-  Tinha este homem, Jeremias van Colen, para vender,
              quiriu à Holanda duas fragatas da clas-  to de 1648. Vieira procurou comprar não só  uma fragata, a Fortuna, do que avisara Jerónimo
         Ese “Karel Dorrman”, a “Van Nes” e a  navios mas também mantimentos e muni-  Nunes da Costa, e outros três ou quatro navios do
         “Van Galen”, que se irão chamar “Bartolomeu  ções de guerra, mas o dinheiro para efectuar  mesmo porte. Estes – continuava António Vieira –
         Dias” e “D. Francisco de Almeida”.                                    me parece que são os melhores que V. EXª pode man-
           A Revista da Armada tem publicado diver-                            dar comprar. O que eu posso segurar a V. Ex.ª é que
         sos artigos sobre o assunto, pelo que os leito-                       André Henrique está doido de contente com a traça
         res estão certamente bem informados acerca                            dos navios, que a mim me parecem os melhores que
         destes navios. No entanto, deve haver quem                            se tem feito, nem pode haver para a guerra.
         lhes estranhe a proveniência, pois ao longo                             A aquisição da fragata complicou-se com a
         dos Séculos XIX e XX nunca da Holanda vie-                            chegada da notícia da prisão pelo Santo Ofício
         ram unidades para a Marinha de Guerra, cujos                          do rico assentista que garantia os créditos sobre
         fornecedores habituais sempre foram, em pri-                          a Holanda - o já mencionado Duarte de Silva.
         meiro lugar, a Inglaterra, e a seguir os Estados                      André Henriques não quis fazer o contrato
         Unidos, a França, a Itália e a Alemanha. Será                         por se não obrigar a pagar. Restava recorrer a
         então esta a primeira vez que compramos fra-                          Jerónimo Nunes da Costa, e foi o que o Padre
         gatas à Holanda?                                                      António Vieira fez.
           A resposta é negativa. Nos séculos XVII e                             A fragata era quase nova, de dous anos pouco
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         XVIII, em duas ocasiões bem identificadas fo-                          mais ou menos. Tinha de comprido 120 pés e de
         ram adquiridos navios na Holanda, tal como                            largo 29, no porão media 11 pés e entre cobertas 6
         agora aconteceu. A situação actual não é, por-                        pés. Bem fornecida de todo o necessário e bem arti-
         tanto, inédita.                                                       lhada com 26 peças de ferro e 2 de bronze, do cali-
           Embora se trate de factos praticamente es-                          bre de 18,12 8,4 libras de bala e de 6 libras de bala,
         quecidos e que hoje em dia não têm mais im-                           respectivamente, tinha boa reserva de pelouros, pól-
         portância que a de mero apontamento histó-                            vora, mosquetes e piques. As condições do contra-
         rico, talvez seja curioso referi-los e conhecer as                    to de venda eram simples: dois terços do preço da
         circunstâncias em que ocorreram, no momento                           Fortuna seriam pagos na Holanda em dinheiro de
         em que se reata uma prática que durante tanto   Padre António Vieira.  contado, antes da partida da fragata, e o outro terço
         tempo esteve interrompida. Comecemos pelo  as compras tardava sempre em aparecer... O  seria pago 5 meses depois da sua chegada a Lisboa,
         que se passou no Séc. XVII.        cristão novo André Henriques seguira tam-  ou antes se viesse dinheiro. O vendedor obrigava -se
           Em 1648 comprou-se uma fragata na Ho-  bém para a Holanda levando consigo um  a dar a embarcação equipada e pronta a partir até ao
         landa. Essa transacção está bem documentada  crédito de 100.000 cruzados, garantido pelo  dia 1 de Abril de 1648, nela metendo 32 homens in-
         pois foi objecto de um estudo da historiadora  célebre argentário Duarte da Silva, também  cluindo o mestre João Corneliszoon, cujo sustento e
         Profª. Dr.ª Virgínia Rau , no qual se descreve o  cristão novo.       salário até Lisboa ocorriam por conta do dito vende-
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         papel desempenhado pelo Padre António Viei-  Em 12 de Janeiro de 1648 Vieira escrevia de  dor. Por seu turno o comprador tinha a faculdade de
         ra nas negociações que então tiveram lugar.  Haia ao Marquês de Niza, Embaixador de Por-  a mandar carregar e fazer embarcar as pessoas que
           Transcrevendo e resu-                                                            entendesse sob cláusula de cus-
         mindo parte do que desse                                                           tear o seu sustento. Ao chegar a
         estudo consta, verifica-se                                                         Lisboa a fragata seria entregue
         que Vieira era adversário                                                          á ordem do Conde de Odemi-
         convicto das caravelas, a                                                          ra, Vedor da Fazenda, ou de
         que, chamava “escolas de                                                           quem o substituísse. Depois de
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         fugir” , e partidário das                                                          pronta para seguir viagem em
         fragatas, pois sabia que só                                                        1 de Abril e ainda no caso de a
         com unidades grandes e                                                             Fortuna se perder no caminho
         bem artilhadas poderiam                                                            até Lisboa não seria o vendedor
         os portugueses vencer os                                                           obrigado a restituir os dois ter-
         seus inimigos no mar. Em                                                           ços recebidos, nem tampouco
         apenas dois anos (1647 e 1648)                                                     o comprador, naufragando ela
         tinham-se perdido no Atlânti-                                                      no caminho, seria sujeito a pa-
         co Sul para cima de 220 navios                                                     gar o restante terço em divida.
         às mãos dos corsários. Aconse-                                                     Mas vinte e quatro horas depois
         lhou por isso o Rei D. João IV                                                     de a fragata ancorar diante da
         a comprar 15 fragatas armadas                                                      cidade de Lisboa todo o risco
         que na Holanda se ofereciam                                                        passaria a correr por conta do
         ao preço de vinte mil cruzados                                                     comprador.
         cada uma. O conselho não foi                                                         Esparteiro  faz referência
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         seguido, provavelmente por fal-                                                    a um galeão de 28 peças,
         ta de fundos, mas nem por isso   Navio holandês do Séc. XVII. A fragata “Fortuna” era semelhante, mas de menores dimensões.  comprado na Holanda,
         se perdeu tudo: alguns navios                                                      chamado Nª Sª DA LUZ
         foram adquiridos por intermédio do embaixador de  tugal em Paris, dizendo: há em Amsterdão um  (1648 – 1661), também conhecido por Fortu-
         Portugal em França, e o próprio Vieira foi encar-  flamengo, homem do maior crédito, cabedal e sciên-  na, que fez parte da força naval que acometeu
         regado de comprar mais, quando no ano seguinte  cia de esquipagem, de quantos tem estas províncias  a Armada Inglesa do Parlamento que bloque-
         voltasse á Holanda .               e sobretudo muito fiel e verdadeiro e de que a Repu-  ava o Tejo em 1650. Em 1661, por ser velho,
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           A sua segunda missão diplomática naque-  blica de Veneza fia o trato que aqui tem de navios.  sugeriu-se que fosse entregue à Junta do Co-
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