Page 343 - Revista da Armada
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Nau holandesa do Séc. XVIII, do tipo das que foram compradas por Portugal em 1717.
mércio. Trata-se certamente do navio que Viei- quando das janelas do Palácio se via como ele era in- des que se apresentavam, já a que se fez no
ra comprara. significante: a questão só teria cabimento na altura Séc. XVIII revela a existência de um plano es-
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em que houvesse mais vinte ou trinta”. 8 tratégico coerente e pensado – confirmando
Cerca de setenta anos mais tarde, de novo se Posta em prática esta doutrina, embora em a tese segundo a qual terá sido nessa altura,
suscitou o problema da aquisição de navios no proporções mais modestas que as desejadas, e não meio século mais tarde, que se deram
estrangeiro – mas num contexto bem diverso veio a ser possível, num período de crise e sob os primeiros passos para a renovação da Ma-
daquele que ficou descrito, como vamos ver. dificuldades de vária ordem, preparar a Esqua- rinha de Guerra que teve lugar de meados a
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Durante a Guerra da Sucessão de Espanha, dra que participou na Batalha de Matapan fins do Séc. XVIII.
Pietro Viganego , um espião italiano que ope- contra os Turcos; e, em simultâneo, acautelar Remontam portanto ao reinado de D. João V
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rava em Lisboa ao serviço da corte de França, várias outras importantes missões, como a de as iniciativas que tornaram possível a Portugal
enviou para Paris um relatório no qual se referia enfrentar a pirataria do Norte de África que vir a dispor, anos mais tarde, de uma Marinha
ao “estado de abatimento da Marinha Portuguesa”, assolava a Costa Portuguesa, e a de garantir a de Guerra com um grau de desenvolvimen-
acrescentando que o Rei não mostrava “beau- segurança das frotas do Brasil, prioridade na- to e de eficácia que até então nunca haviam
coup de goust et d`ìnclination pour la Marine...” cional de primeira grandeza. sido atingidos, e que até agora nunca foram
Na verdade, na primeira década do Séc. Foi neste período que se tratou da aquisição ultrapassados.
XVIII a nossa Marinha de Guerra atravessava de mais quatro fragatas na Holanda, negócio Z
um período difícil, e os comentários de Viga- habilmente conduzido pelo Conde de Tarouca, Comandante G. Conceição Silva
nego não eram talvez totalmente desproposita- João Gomes da Silva, o diplomata encarregado Notas
dos: a impreparação demonstrada em Gibral- da sua concretização. Contrariamente ao que 1 E, provavelmente, em outras menos conhecidas
tar no combate naval de 20 de Março de 1705 se poderia pensar, estes navios não se destina- 2 Rau, Virgínia - O Padre António Vieira e a Fragata
e, mais tarde, na reacção ao ataque de Duguay vam a integrar a Esquadra do Conde de Rio Fortuna – Separa de STUDIA n.º 2 Julho 1958 - Cota
na BNL HG 33033 V. São aqui transcrito, em itálico,
Trouin ao Rio de Janeiro, em Setembro de 1711, Grande que foi para o Mediterrâneo: a decisão alguns trechos desse trabalho.
são disso prova bastante. No entanto, em 1713 de as adquirir resultou de considerações estra- 3 O pano latino das caravelas permitia-lhes bolinar
estava já em marcha um processo de renova- tégicas que nada tinham a ver com essa opera- melhor e ter maior velocidade que qualquer navio de
ção promovido e incentivado pelo 2º Marquês ção: o que justificava a sua necessidade era a pano redondo, pelo que facilmente conseguiam esca-
de Fronteira, D. Fernando Mascarenhas, que política de reforma naval da vizinha Espanha, par para barlavento.
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Sobre esse assunto, diz Charles Boxer que “Portu-
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em 1710 fora designado Vedor da Fazenda . pois se sabia que “D. António Castaneta, Almi- gal teria podido recuperar mais do que Angola e Pernam-
“A sua acção está bem documentada, constatan- rante de Espanha andava pelos Arsenais dos Países buco, se os planos de Vieira para a compra de fragatas se
do-se que o Marquês tomou a sério as funções de baixos a comprar, com dinheiro na mão, enormes tivessem concretizado sido levados a cabo” – Ver Nota 3
que fora encarregado. “Amplamente o comprovam quantidades de munições, e a sondar o terreno para da Separata de STUDIA
5 Esparteiro, António Marques – Catálogo dos Na-
várias exposições escritas que apresentou tratando a compra ou encomenda de vasos de guerra. Acres- vios Brigantinos, p. 4
da falta de materiais nos Armazéns e da diminuição cia a isto a actividade do Czar da Rússia Pedro I, que 6 Viganego, Pietro Francisco - Ao serviço Secreto
das respectivas consignações, do problemas da nave- durante sua estadia em Amesterdão pessoalmente se da França na Corte de D. João V Introdução, tradução
gação da Índia e do Brasil, da formação de oficiais e ocupou da compra de navios para a esquadra russa, e notas de Fernando Morais do Rosário. Prefácio do
de pilotos e da construção naval - Em relação a este concorrendo com os espanhóis e os portugueses na Prof. Joaquim Veríssimo Serrão - Lisboa 1994.
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O 2º Marquês de Fronteira foi várias vezes re-
último tema, aproveitou mesmo uma audiência ré- procura de navios e suas guarnições”. 10 conduzido nesse cargo, que exerceu até 1729, ano
gia para lembrara o muito que importava que se Mostra o que antecede que, num contexto da sua morte.
fabricasse maior número de navios. Tendo-lhe de “corrida aos armamentos”, a política naval 8 O trecho em itálico é transcrito de Almeida, Luís Fer-
D. João V perguntado para que queria mais, respon- portuguesa se revelava capaz de tomar medi- rand de - Um construtor naval francês em Portugal - 1710
deu que sua Majestade não tinha os que lhe basta- das relativas a uma potencial ameaça futura, - 1715 - Mare Liberum - Dezembro 1992, e de Um constru-
tor naval inglês em Portugal (1720), do mesmo autor.
vam. E a concluir acrescentou com igual desassom- (diferida no tempo e incerta quanto à gravi- 9 Julho de 1717
bro que ou o monarca mudava os títulos de senhor dade), em simultâneo com o aprontamento 10 Miranda, João da Silva Alves Miranda – As rela-
do Comércio e da navegação ou havia de sustentar da Esquadra. ções diplomáticas entre Portugal e a Rússia na época
o número de navios competentes para conservar a Assim, enquanto que a compra de navios de Pedro o Grande (1700 – 1725) p. 196 e seg. Em itá-
lico a parte transcrita.
Navegação e o Comércio, considerando incrível que no Séc. XVII foi casuística e descontrolada, 11 Tal como no presente acontece em relação às
se disputasse acerca do número de barcos necessários desenvolvendo-se ao sabor das oportunida- novas fragatas.
REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2008 17