Page 35 - Revista da Armada
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Navios Hidrográficos
1. O IATE REAL AMÉLIA
Na segunda metade do século XIX o interesse pelos assuntos do A campanha, iniciada em 1 de Setembro de 1896, teve em
mar teve na Europa um extraordinário desenvolvimento. A par das vista determinar a fauna piscícola existente na extensão de lodos
questões científicas importava então resolver as de âmbito prático e junto aos aluviões do rio Tejo, o estudo da que se localizava em
humanitário, especialmente as respeitantes à sobrevivência dos náu- áreas mais profundas de origem oceânica, nas regiões abissais
fragos e à previsão das intempéries, de modo a permitir uma melhor na zona do Cabo Espichel, as espécies localizadas no litoral jun-
segurança na navegação. Iniciava-se a denominada Era de Explora- to à baía de Cascais e Porto de Setúbal e, em simultâneo, o estu-
ção que continuaria pelo século seguinte. do da fauna pelágica superficial ou seja, o plâncton. Para o efei-
to procedeu-se a sondagens até 1.500 metros, a séries de draga-
Em Portugal reinava D. Luís, o rei marinheiro, que naturalmente gens até 600 metros, pesca à linha a grandes profundidades e
apoiava todas as iniciativas respeitantes ao mar, inclusive algumas observações no domínio da oceanografia física. A este respeito,
campanhas oceanográficas feitas nas costas nacionais por navios
estrangeiros. De salientar as procurou-se determinar a di-
campanhas realizadas pelo recção da corrente na costa
Príncipe Alberto do Mónaco, portuguesa, recorrendo-se a
personalidade que se consi- flutuadores que foram lan-
dera ter motivado o príncipe çados a partir da canhoneira
herdeiro D. Carlos a seguir-lhe Mandovi.
o exemplo.
Durante esta campanha
Assim, D. Carlos, em 1888, foram lançados espinheis até
adquiriu um iate, o ex-Ossian, 1.700 metros de profundida-
ex-Dava e ex-Mast, construído de, ao largo do Cabo Espi-
dez anos antes nos estaleiros chel, a cerca de 8 milhas de
ingleses Allsup & Son, em distância, tendo os lances re-
Preston. sultado na captura de espé-
cies marinhas então pouco
A embarcação, em ferro conhecidas como o Apha-
e com três mastros, tomou o nopus Carbo Lowe, nome
nome de Amélia em home- científico de um peixe-espada considerado raríssimo. Outros
nagem à Rainha, foi classificada iate real e chegou a Lisboa em espécimes foram recolhidos como novas espécies de solhas,
Agosto de 1888. esponjas, comatulas, esqualos e abróteas. Entre as Berlengas e
a Ponta de Sines foram caçadas 47 espécies de aves marítimas,
Apresentava as seguintes características: algumas delas até então desconhecidas.
Deslocamento máximo ....................................148 toneladas Das recolhas efectuadas, tanto em espécies piscícolas
Comprimento (fora a fora) ..................................33,85 metros como ornitológicas, foram constituídas colecções devidamen-
Boca ......................................................................5,19 ‘‘ te organizadas e catalogadas, sendo os exemplares acondicio-
Pontal ....................................................................3,00 ‘‘ nados em frascos apropriados ou embalsamados consoante os
Velocidade ..........................................................10 nós casos, encontrando-se muitos deles presentemente expostos
Como meio propulsor principal dispunha de uma máquina ao público no Aquário Vasco da Gama, criado pelo monarca
compound de 30 HP. em 1898.
Em Setembro de 1888 deslocou-se a Sevilha e a Gibraltar No decorrer desta campanha oceanográfica o Rei consta-
iniciando um período ao serviço da Família Real até que, em tou que o navio, se bem que oferecesse algumas vantagens
1896, o Rei D. Carlos decidiu utilizá-lo na sua primeira cam- para o trabalho costeiro devido à fácil manobra e diminuto
panha oceanográfica. O iate Amélia, que para a História se- calado, ao largo sofria forte balanço o que muito limitava as
ria designado de primeiro de uma série de mais três que lhe operações a bordo, situação que se agravava dado o diminuto
sucederiam com o mesmo nome, foi então apetrechado com espaço no convés para trabalhar no manuseamento do ma-
equipamentos com vista à realização de sondagens, dragagens terial. Nestes termos, D. Carlos ordenou a compra de outro
e pesca. A fim de prestar apoio à realização destas campanhas navio ligeiramente maior, escolha essa que veio a recair no
oceanográficas procedeu-se entretanto à montagem, em Cas- Fan Geraldine navio que foi adquirido em 1897 por troca com
cais, de um laboratório dispondo de aquários de água corrente. o Amélia I.
Entre o equipamento instalado a bordo contava-se com uma Pese embora terem existido anteriormente outros navios
linha de sonda de 1.500 metros, termómetros de inversão, que foram ocasionalmente utilizados na realização de traba-
modelo Negretti-Zambra e Chabaud, garrafas para recolha de lhos hidrográficos, foi este iate real Amélia I o primeiro navio
amostras de água a várias profundidades e densímetros. devidamente equipado com a finalidade de prestar apoio a
Uma campanha oceanográfica pressupunha a realização de operações desse tipo devidamente planeadas, concretamente
estações, pontos onde se procedia às observações e às colhei- a Campanha Oceanográfica de 1896, a primeira no mar por-
tas. Inicialmente em cada estação sondava-se para conhecer a tuguês feita por portugueses e em navio português.
batimétrica e calcular a profundidade a que se iria proceder às
colheitas. Seguia-se a recolha de água para futuras análises e me- Colaboração do INSTITUTO HIDROGRÁFICO
dição das respectivas temperaturas, finalizando as operações com
as recolhas biológicas e de sedimentos do fundo do mar.