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QUO VADIS ESTRATÉGIA MARÍTIMA EUROPEIA1

INTRODUÇÃO                                         Por outro lado, ao clarificar a missão es-     Com o objectivo de clarificar conceitos,
   A Europa depende do uso do mar para          tratégica, a Estratégia Europeia de Seguran-   articular esforços e rentabilizar sinergias,
                                                ça faz a ligação entre ambiente estratégico e  evitando duplicações, divisões e discrimi-
a sua segurança. Não obstante, no âmbito        os diferentes tipos de políticas necessárias   nações desnecessárias entre as iniciativas
da Política Externa de Segurança Comum          para ultrapassar os obstáculos identificados.  e os diferentes actores militares e civis
(PESC) e da Política Comum de Segurança         Neste âmbito, sublinha-se a natureza das       intervenientes, o Conselho da União Eu-
e Defesa (PCSD), os indicadores demostram       modalidades de acção adoptadas, ou seja,       ropeia convidou em Abril de 2010, a Alta
que a estratégia marítima não tem tido o        como é que a União Europeia vai alcançar a     Representante da União para os Negócios
mesmo relevo que as operações militares         sua missão e alcançar os seus objectivos, ca-  Estrangeiros e a Política de Segurança, em
terrestres desenvolvidas no decurso das         racterizadas no essencial pela sua natureza    conjunto com a Comissão e os Estados-
operações de gestão de crise e das missões      coerente e multilateral.                       -membros, a preparar opções para uma
de apoio à construção dos Estados2.                                                            possível elaboração de uma Estratégia de
                                                   No âmbito da dimensão interna, realça-      Segurança para o domínio marítimo glo-
   Para os mais cépticos sobre a relevân-       -se a aprovação da Estratégia para a Segu-     bal, no âmbito da PESC/PCSD e no qua-
cia da estratégia marítima no quadro mais       rança Interna da União Europeia, em 2010,      dro mais restrito da Estratégia Europeia
amplo da estratégia europeia de segurança,      aonde foram elencadas diversas ameaças         de Segurança5. Todavia, segundo o rela-
enumeram-se de seguida alguns aspectos          tais como o terrorismo, a pirataria, o tráfi-  tório de 22 de Dezembro de 2010 da Wise
que justificam a pertinência deste assunto.     co de armas, entre outras. Uma análise ao      Pen Team6, as opções para a edificação de
Em primeiro lugar sublinha-se a vontade         documento estratégico permite facilmente       uma task force com responsabilidades na
institucional da União Europeia (UE) em         identificar o grau de semelhança entre estas   elaboração dessa estratégia, como conse-
se tornar num actor global e coerente no        ameaças e as contempladas anteriormente        quência dos inúmeros actores envolvidos
xadrez internacional. Em segundo, realça-       na Estratégia Europeia de Segurança sendo,     no domínio marítimo global, continua-
-se o posicionamento geoestratégico da          assim, lícito deduzir quão difícil é separar   vam ainda por ser examinadas.
União Europeia, numa importante zona de         a segurança interna da segurança externa
confluência de linhas de comunicação ma-        e como é elevada a interdependência entre      DIMENSÃO INTERNA VERSUS
rítimas que ligam a Europa ao continente        estas duas dimensões.                          DIMENSÃO EXTERNA
Africano, Asiático e Americano. Em terceiro,
destaca-se a dependência da UE face às ma-      A OPERACIONALIZAÇÃO                               Face ao que antecede, tornam-se evi-
térias-primas provenientes dos mercados         DA ESTRATÉGIA MARÍTIMA                         dentes as seguintes três ilações. Primeira,
externos e acessíveis apenas por via maríti-                                                   a preferência da UE por operações que
ma. Em quarto, realça-se a importância dos         Consciente das suas responsabilidades       assentam na segurança marítima e, por
recursos marítimos dos Estados ribeirinhos      como actor do sistema político internacio-     conseguinte, em actividades marítimas
da UE para o desenvolvimento e bem-estar        nal e, consequentemente, como produtor         situadas no nível inferior do espectro da
das respectivas populações. Por último, mas     de segurança, na ordem externa e na or-        conflitualidade. Segunda, a necessidade
não menos importante, regista-se o carácter     dem interna, a União Europeia tem vindo        de se criarem plataformas de cooperação
complexo e difuso das actuais ameaças, com      a desenvolver programas e actividades          e de diálogo entre os diferentes actores
naturais implicações na segurança marítima      que enformam, em parte, a génese de uma        com responsabilidade na segurança no
e nos cidadãos europeus.                        estratégia marítima europeia. Refiro-me        domínio marítimo, sem as quais não ha-
                                                concretamente ao ambiente comum de             verá uma abordagem coerente eficiente.
   Sem se ter a pretensão de descrever de       partilha de informação (CISE), ao sistema      Terceira, uma maior preocupação estra-
modo exaustivo o estado da arte da estra-       europeu de vigilância das fronteiras (EU-      tégica com a dimensão interna em detri-
tégia marítima europeia, evidenciam-se          ROSUR), à rede europeia de patrulhas           mento da dimensão externa, aspecto este
neste artigo apenas algumas partes das va-      e às operações conjuntas realizadas no         que é bem visível nos vários projectos na
riáveis endógenas que estão na sua génese,      Mar Mediterrâneo e nas aproximações do         área da vigilância marítima.
respectivamente, a formulação e a operacio-     Atlântico desenvolvidas pela Agência Eu-
nalização estratégica e o pilar naval.          ropeia para a Gestão e a Cooperação Ope-          A última ilação suscita interrogações
                                                racional nas Fronteiras Externas (FRON-        que se prendem com a concretização de
A ESTRATÉGIA EUROPEIA                           TEX), à cooperação com o Maritime              um dos principais objectivos da União
DE SEGURANÇA                                    Analysis and Operation Centre-Narcotics        Europeia, ou seja, a afirmação como ac-
                                                (MAOC-N) nas operações de combate ao           tor global no xadrez internacional, capaz
   A Estratégia Europeia de Segurança3 e        narcotráfico, ao conjunto de projectos rela-   de defender os seus interesses estratégi-
o Relatório sobre a Execução da Estratégia      cionados com o conhecimento situacional        cos. Conceitos como a diplomacia naval
Europeia de Segurança4, documentos fun-         marítimo – O SafeSeaNet e o CleanSea-          e a projecção de poder, essenciais para a
damentais da UE que definem como é que          Net, sob a alçada da Agência Europeia de       afirmação de um actor internacional com
serão alcançados os objectivos estabelecidos    Segurança Marítima, o serviço de segu-         pretensões regionais e globais, apesar de
na PESC e PESD, apesar de não menciona-         rança marítima (MARISS), sob a responsa-       referenciados conceptualmente (como
rem de forma explícita os assuntos de natu-     bilidade da Agência Espacial Europeia; o       recentemente foi plasmado no projecto
reza estratégica relacionados com o uso do      projecto MARSUR, sob a égide da Agên-          para um Conceito de Operações de Se-
mar, não deixam de destacar implicitamente      cia Europeia de Defesa; o Bluemass-Med         gurança Marítima da UE), acabam por
um conjunto de ameaças com implicações          desenvolvido pelos Estados-membros             não ser materializados quando surgem
na estratégia marítima. Estas ameaças, que      do Sul da UE (França, Grécia, Itália, Mal-     oportunidades para o fazer, como acon-
necessitam de ser contornadas, incluem as       ta, Portugal e Espanha) – e à operação         teceu com a guerra no Líbano, em 2006,
actividades ilegais, o crime organizado, a      Atalanta, recentemente comandada pelo          e na guerra na Líbia, a decorrer desde de
pirataria, o terrorismo, a proliferação de ar-  Comodoro Silvestre Correia, embarcado          Fevereiro do corrente ano. Estes factos, só
mas de destruição em massa, os conflitos        no NRP Vasco da Gama, navio-chefe da           por si, são indicadores das idiossincrasias
regionais, os Estados Fragilizados, a polui-    Força Naval.                                   geopol íticas, das tradições da história
ção marítima, a segurança energética e as
mudanças climáticas.

4 NOVEMBRO 2011 • REVISTA DA ARMADA
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