Page 2 - Revista da Armada
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O Barreiro e o Rio
A consolidação da cidade de
Lisboa enquanto capital,
ou enquanto cidade mais
importante do reino de Portugal,
foi um processo relativamente rá-
pido que se deve, sobretudo, às
qualidades do seu porto e à capa-
cidade de a manter abastecida pela
região agrícola do Oeste pelo rio.
Janela virada para o mundo, des-
de cedo aqui se concentrou uma
actividade portuária significativa,
atraindo uma população numero-
sa de prestadores de serviços, que
era necessário alimentar. E, sendo
o rio uma via privilegiada de abas-
tecimento, naturalmente que nele
cresceu uma navegação doméstica
de transportadores, cujos vestígios
chegaram até aos nossos dias, des-
tronados apenas pelo caminho-de-
-ferro e pelas redes de estradas.
Mas até ao século XX, o Tejo foi o
maestro de um complexo sistema
humano e produtivo que envolvia
transportes, pesca, extracção de
sal, agricultura, moagem, estalei-
ros navais e muitas outras formas
de criação de riqueza que susten-
tavam uma população crescen-
te, virada para a cidade marítima
aberta ao mundo.
Toda a margem sul foi palco de
uma significativa produção agrí-
cola, onde os vinhos tiveram um
papel muito significativo, especial-
mente nas regiões do Barreiro e
Palmela. Mas, a pesca foi também
uma das actividades mais impor-
tantes desta região, empenhando
populações que viviam à volta dos
esteiros do Seixal e do rio Coina. E
uma das embarcações mais típicas
para a sua prática nos esteiros e
na barra do Tejo foi a muleta, aqui
representada em frente à ponta do
Mexilhoeiro, na praia do Barreiro e
à vista dos emblemáticos moinhos
de Alburrrica, num quadro fabulo- e fazê-la deslizar rebocando uma as actividades produtivas que mais
so pertencente ao Museu de Mari- arte de pesca de arrasto. As gracio- marcaram a vida da cidade onde
nha, da autoria do pintor João Vaz. sas muletas do Tejo desapareceram este ano celebramos o Dia da Ma-
A muleta era uma embarcação de na passagem do século XIX ao XX, rinha: a pesca, a produção vinícola
fundo chato, tripulada por cerca mas ainda hoje ela surge no sím- e (mais recentemente) a indústria.
de 15 homens, com uma armação bolo heráldico da cidade do Bar-
vélica complexa que, manuseada reiro, encimada pela cruz de San-
engenhosamente, permitia atra- tiago, por um cacho de uvas e por J. Semedo de Matos
vessar a embarcação à corrente uma roda dentada, simbolizando CFR FZ