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REVISTA DA ARMADA | 481
VIGIA DA HISTÓRIA 60
HOSPITAL DOS MARINHEIROS
PORTUGUESES NA RÚSSIA (I)
Ainda o ministro plenipotenciário Francisco capelão frei Manuel do Espírito Santo Guada-
José Horta Machado, o primeiro a ser nomea- lupe e a 17 de Dezembro, dia do aniversário da
do para a corte russa, não tinha chegado a S. Rainha D. Maria, era inaugurado o Hospital dos
Petersburgo, o que sucedeu em Outubro de Marinheiros Portugueses em Cronstad.
1779, e já o navio Nª Sª da Guia e S. António,
de que era capitão Manuel Álvares Carqueija, O hospital encontrava-se instalado numa
propriedade da Companhia da Agricultura dos casa alugada, cujos encargos de aluguer eram
Vinhos do Alto Douro, ali se encontrava, mais suportados pela Coroa, dispunha de 8 camas
concretamente em Cronstad, porto de mar da para doentes, quartos separados para oficiais,1
capital S. Petersburgo. alojamentos para o médico, o enfermeiro e o
capelão e capela.
No ano seguinte de 1780 já foram 3 os navios
da Companhia dos Vinhos que aportaram à Prestavam serviço no hospital um enfermeiro,
Rússia. António Soares, e um médico que também era
cirurgião, médico esse que não se apurou quem
O sucesso inicial e as boas perspectivas co- fosse, sendo possível que fosse estrangeiro.
merciais levaram à criação, em Março de 1781,
duma Companhia Portuguesa de Comércio A criação do hospital, a que acção da Compa-
na Rússia, cujos administradores foram eleitos nhia dos Vinhos não deveria ter sido estranha,
pela Junta de Administração da Companhia terá tido origem em motivos de natureza eco-
dos Vinhos, sendo que um deles, José Pedro nómica e na necessidade de adequado acom-
Celestino Velho, deputado da Junta de Admi- panhamento dos doentes por pessoal falando
nistração, foi nomeado Cônsul de Portugal em a mesma língua.
Cronstad.
De acordo com os estatutos do hospital este
Um quarto administrador eleito, Domingos destinava-se a todos os marinheiros portugue-
Gonçalves Caldas, que fora aluno da Aula de ses, mesmo quando embarcados em navios es-
Navegação do Porto e que efectuara, no âm- trangeiros, bem como a todos os marinheiros es-
bito do curso, uma viagem à Rússia em 1780, trangeiros matriculados em navios portugueses.
embarcado na galera Nª Sª da Boa Viagem e
S. Lourenço, pediu escusa do lugar; à sua no- Cada cama dispunha de lençóis, enxergão
meação não deveria ser estranho o facto da de palha, colchão, travesseiro e cobertores de
memória que apresentou, no final da viagem, papa sendo a roupa de cama substituída se-
versasse sobre o comércio na Rússia. manalmente. Aos doentes, que no acto de ad-
missão eram obrigados a trocar de roupa, eram
Por curiosidade refira-se que o outro aulista, fornecidas camisas de pano de linho, calças de
Miguel Setaro, que fora a Riga em viagem no riscado, roupões de chita forrados a baeta, bar-
mesmo ano de 1780, se estabeleceu, no ano retes brancos e chinelos, a roupa pessoal era
seguinte, na Rússia sendo, anos mais tarde, no- mudada duas vezes por semana.
meado cônsul de Portugal.
Para a higiene pessoal cada doente dispunha
Aquando do estabelecimento da Casa de Co- de um balde com tampa para água fria, uma
mércio, em Julho de 1781, já 2 navios da Com- caneca de pau com tampa, uma celha, toalhas
panhia dos Vinhos ali se encontravam, aguar- e pente. A alimentação era fornecida em três
dando-se para breve a chegada de um terceiro. refeições diárias, almoço, jantar e ceia (actual-
mente designar-se-iam como pequeno almo-
O estabelecimento do tráfego marítimo com ço, almoço e jantar) em conformidade com 2
a Rússia suscitou, desde logo, um conjunto de tipos de dieta, a dieta rigorosa ou a meia dieta.
problemas de que, por se relacionarem com o
nosso propósito, salientamos dois, sendo um A administração do hospital estava cometida
deles o facto de não haver, em Cronstad, assis- a um expedidor, Francisco José Oliveira.
tência religiosa (católica, apostólica e romana),
a morte, em 1780, de um marinheiro sem as- Em próxima ocasião adiantaremos mais al-
sistência religiosa foi bastante sentida, o outro guns factos relacionados com o único hospital
problema resultou do aparecimento de doen- estrangeiro existente na Rússia e, igualmente, o
ças relacionadas com as condições climatéricas único hospital português para marinheiros em
que eram pouco usuais para os marinheiros território estrangeiro.
portugueses, o único caso de que consegui
apurar qual a causa do internamento, refere-se Com. E. Gomes
a um marinheiro que, em 1805, foi amputado
dos dedos e parte dos pés devido ao frio. N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
Nota
Tais problemas tiveram, logo em 1782, solu-
ção, em Janeiro apresentou-se em Cronstad o 1 Ao tempo designavam-se por oficiais os homens
com ofício, no caso em apreço, a designação abrangia
carpinteiros, mestres, contramestres, tanoeiros, etc...
para além, como é óbvio, do capitão e dos pilotos.
30 JANEIRO 2014