Page 30 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 507

          NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA                                                                        53



          UMA QUESTÃO DE LINGUAGEM









          Onde vires um gato deitado, um frade sentado, ou um marinheiro a comer
          Esse lugar é bom.

          Ditado naval, cortesia de um amigo






             a minha vida académica mi-
         Nlitar,  os  momentos  de  pa-
          ragem  são  habitualmente  para
          comer.  Para  além  do  já  mítico
          “intervalo  da  bolacha”,  o  almo-
          ço  é  um  momento  importante
          de  confraternização.  Discutem-
          -se as aulas, trocam-se chalaças
          sobre  o  futebol  e  come-se,  ou
          melhor, tenta-se comer, pois as
          questões  académicas  podem  li-
          mitar o apetite.
           De  facto,  o  “processo  ali-
          mentar”  pode  ser  complexo.
          Marcam-se  as  refeições  numa
          máquina  de  ar  moderno,  um
          computador com ecrã táctil. De-
          pois  imprimem-se  umas  belas
          senhas, que se entregam duran-
          te a refeição. As refeições 1ª, 2ª
          e  3ª  são  servidas  por  pessoas
          extremamente atarefadas – pois
          a sala parece sempre demasiado
          pequena para o número de alunos, ou auditores (eufemismo   tro do bem-manjar, e à exceção do sumo de laranja (beberra-
          para alunos antigos), que é muito elevado. A salada é que paga,   gem tóxica, fruto de uma combinação química que alguns afir-
          pois quem chegar alguns minutos atrasado (circunstância que   mam possuir efeitos não descritos nos livros de texto da medi-
          já me sucedeu), faz uma combinação original de cebola e uma   cina moderna), é bem mais previsível, para quem é simples nos
          pequena porção de cenoura ralada. A alface e o tomate já par-  hábitos e conservador nos apetites.
          tiram para um mundo (ou prato) melhor.                Como o ditado acima parece indicar, a Marinha e os mari-
           Os sabores são também complexos e difíceis de caracterizar   nheiros estão associados a bom manjar, sinal de boa comida.
          em poucas palavras, para quem como eu é profundamente ig-  A influência naval já chegou aos estudantes no clássico pastel
          norante do léxico culinário, e talvez como para algumas obras   de nata às quintas-feiras. Só é pena que essa influência não te-
          de arte, é preciso cultura para devidamente apreciar a beleza.   nha  chegado  à  linguagem,  e  muitos  outros  auditores  alunos,
          De toda a forma, eu não posso criticar pois, exceto as torradas,   independentemente do ramo, preferiam certamente comer o
          tenho duas mãos esquerdas para a cozinha. Ao contrário, o vi-  pequeno-almoço, o almoço e o jantar, em vez das 1ª, 2ª e 3ª
          nho tinto académico (cujo consumo moderado é uma obrigação   refeições…
          sanitária) é de boa colheita… bem melhor do que o habitual   Claro, é tudo apenas uma questão de linguagem culinária…
          château paiol naval, muitas vezes demasiado ácido, por estar
          no jarro aberto tempo demais…
           Na verdade, tenho aqui que confessar, tenho tido saudades
          do cognominado garfo de oiro, também conhecido por morte
          lenta – a messe de oficiais da Base Naval de Lisboa. Aquele an-                                    Doc



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