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REVISTA DA ARMADA | 512
VIGIA DA HISTÓRIA 88
A QUESTÃO DAS MOLUCAS
A celebração do Tratado de Tordesilhas, so dessas viagens, deveriam ser devolvi-
que dividiu o mundo em duas partes, uma das em Lisboa, por forma a que não fosse
dos portugueses e outra dos espanhóis, conhecida a longitude do caminho. Termi-
suscitou durante muitos anos uma acesa nava o seu depoimento afirmando que,
polémica nomeadamente quanto à locali- apesar do cuidado dos portugueses, os
zação do arquipélago das Molucas, princi- espanhóis haviam conseguido obtê-las e
pal fonte abastecedora de uma apreciada verificado que a navegação para as Molu-
e valiosa especiaria, o cravo, arquipélago cas era de maior número de graus do que
esse que os dois países reclamavam como os portugueses afirmavam.
se encontrando na respectiva metade do Tenho, para mim, que a destruição das
mundo. cartas, a ter acontecido, decorreria mais
A dúvida quanto à localização decorria, do reconhecimento de que estavam er-
entre outros, do facto de não se encon- radas do que para enganar os espanhóis.
trar claramente estabelecido qual o ponto Não deixa de ser igualmente curioso que,
de início da contagem e, mais importan- apesar da proibição, os espanhóis tives-
te ainda, quanto à impossibilidade prática sem conseguido arranjar cartas portugue-
de, ao tempo, determinar a longitude de sas, facto esse que, é sabido, não foi a úni-
um lugar. As várias tentativas de localiza- ca vez que sucedeu.
ção, baseadas na estima, eram por demais
falíveis e sujeitas a manipulações ao sabor
das respectivas conveniências. Com. E. Gomes
Para a resolução do diferendo foi esta-
belecida uma comissão, constituída por
delegações dos dois países, integrando
pilotos e cosmógrafos, que reunindo num
local neutral, a ponte do Caia, na fronteira
entre Elvas e Badajoz, procurasse dar so-
lução ao problema.
Refira-se, a título de curiosidade, que
a delegação portuguesa incluía um pilo-
to espanhol, enquanto a delegação espa-
nhola incluía um piloto português. N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico
Entre as muitas pessoas chamadas a de-
por, perante a comissão, assume particu-
lar interesse o depoimento, efectuado em Notas
Maio de 1524, por Francisco Cólon. (1) O impasse na resolução do problema foi, então, resol-
Referia aquele delegado espanhol que, vido pelo pagamento, por parte dos portugueses, de
em Portugal, havia muito cuidado para uma avultada quantia, garantindo assim a soberania de
Portugal numa zona que, à luz do Tratado, se encontra-
que não saíssem do país as cartas de na- (2) va no hemisfério português.
vegação aí produzidas, acrescentando sa- Só em 27 de Julho de 1994 é que foi possível sinalizar,
de forma efémera aliás, a linha do Tratado de Tordesi-
ber que, ultimamente, haviam sido man- lhas. Nesse dia, a fragata portuguesa NRP Comandante
Sacadura Cabral, juntamente com uma fragata espa-
dadas queimar e rasgar muitas cartas de nhola, acompanhadas por navios das Marinhas do Bra-
navegação e que havia sido ordenado que sil, da Argentina e da Venezuela, lançaram ao mar, no
local, balizas e tintas de várias cores ( as dos países dos
se encurtassem as derrotas nas cartas que navios integrantes ) na linha do Tratado.
eram cedidas aos que seguiam viagem
para a Índia, cartas essas que, no regres- Fonte: Gavetas da Torre do Tombo XVIII – 1 - 19.
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