Page 35 - Revista da Armada
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No mar da indiferença,
No mar da indiferença,
há pequenos gestos que mudam tudo...
há pequenos gestos que mudam tudo...
esmo que não seja de cariz estritamente natalício, aprecie, No nosso tempo, que é apesar de tudo maravilhoso, não vejo
Mcaríssimo leitor, este conto de Bruno Ferrero: maior desafi o do que tentarmos mudar as nossas realidades. E
“Uma tempestade terrível abateu-se sobre o mar. há sempre muito a mudar.
Ondas gigantescas abaƟ am-se na praia como golpes de mar- Deixemos para outros os grandes problemas do mundo e faça-
telo ou como relhas de aço que aravam no fundo marinho. E mos o que está perto de nós e ao nosso alcance.
assim reƟ ravam do fundo do mar os pequenos animais, os crus- Na sua linguagem simples, mas também sempre clara, o Papa
táceos e os pequenos moluscos, que fi cavam dispersos nas areias Francisco não se perde em desvarios estéreis.
da praia. Segundo ele, onde é que a realidade deve começar a ser
Quando a tempestade passou, rápida como Ɵ nha chegado, a mudada?
água aplacou-se e reƟ rou-se. Agora a praia era uma extensão de Não há segredos: é uma questão que nasce e se desenvolve
lodo onde se contorciam na agonia milhares e milhares de estre- dentro de cada um e que nos coloca corretamente ou não
las-do-mar. Eram tantas que a praia parecia cor-de-rosa. perante os outros. Nas palavras do Papa é aí o “laboratório de
O fenómeno atraiu muita gente de todas as partes da costa. humanização”.
Chegaram também equipas de televisão para fi lmar o estranho Em julho de 2013, ao visitar a ilha de Lampedusa, cemitério
fenómeno. de tantas vidas, o Papa usou pela primeira vez a expressão “a
As estrelas-do-mar estavam quase imóveis prestes a morrer. globalização da indiferença” ao recordar o drama de milhares de
Entre as pessoas, agarrado à mão do pai, encontrava-se tam- migrantes que quando procuravam a estrada da esperança de
bém uma criança que fi xava com os olhos cheios de tristeza as um futuro melhor só encontraram a dor e a morte.
pequenas estrelas-do-mar. Todos estavam a olhar e ninguém E depois de 2013, muitas vezes o Papa tem recuperado a
fazia nada. mesma expressão, tão cara ela lhe deve ser.
De improviso, a criança deixou a mão do pai, descalçou os sapa- Afi rma Francisco que, neste mundo da globalização, caímos na
tos e as meias e correu para a praia. Inclinou-se, recolheu com as globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do
pequenas mãos três pequenas estrelas e, sempre a correr, levou- outro, não é connosco, não nos diz respeito. Colocados na nossa
-as para a água. Depois voltou atrás e repeƟ u a operação. realidade tantas vezes mesquinha, achamos que não temos nada
Do muro de cimento, um homem chamou-a: a ver com isso.
– O que é que estás a fazer, meu menino? E o que é que o Papa pede a todos? Muito simples: “No mar da
A criança, sem deixar de correr, respondeu: indiferença, contruam ilhas de misericórdia”.
– Levo as estrelas-do-mar para a água. Que excelente propósito de Natal para cada um de nós, caro
O homem gritou: leitor! No conto acima, as estrelas do mar salvaram-se todas
– Mas são milhares de estrelas-do-mar nesta praia; certamente porque uma criança não se conformou com a realidade. E o seu
não as poderás salvar a todas. E isto acontece em tantas outras exemplo arrastou todos.
praias ao longo da costa. Não podes mudar a realidade! Já sei que não conseguiremos mudar o mundo, mas podemos
A criança sorriu, inclinou-se a recolher uma outra estrela-do- mudar muitas coisas.
-mar e, aƟ rando-a à água, respondeu: Esta seria a parte mágica da nossa quadra natalícia.
– A esta já mudei a realidade! Para que este não seja só mais um Natal.
O homem fi cou uns momentos em silêncio. Santas festas para todos os militares, militarizados e civis da
Depois inclinou-se, descalçou os sapatos e as meias e desceu à Marinha, especialmente para aqueles que no cumprimento da
praia. Começou a recolher estrelas-do-mar e a lançá-las à água. missão, estarão fi sicamente longe dos seus familiares mais pró-
Uns instantes depois desceram duas raparigas e eram já quatro a ximos.
salvar estrelas-do-mar. Mas sempre com eles.
Alguns minutos depois, eram cinquenta, depois cem, duzentos,
milhares de pessoas que aƟ ravam estrelas-do-mar para a água. José Ilídio Costa
E assim se salvaram todas.” CMG CAP