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REVISTA DA ARMADA | 549


               ESTÓRIAS                                                                                        57









































               EU, ATEU, ME CONFESSO!...




                empre gostei de ler os clássicos. Pese embora a minha fraca   e, ainda mais perto de nós, a Irlanda do Norte e a interminável
              Sformação académica, tal não me impediu de absorver sufi cien-  guerrilha entre cristãos (separaƟ stas) e protestantes (unionistas).
              temente o seu conteúdo e, sobretudo, a convicção contagiante de    Humilde analista, resulta que, de entre o que vivi, li, discuƟ ,
              pensadores, como Stephen Hawking, que afi rmou: “O universo é   sofri, festejei, observei, pensei, disse e escutei, ateu me confesso.
              governado pelas leis da ciência, que é baseada na observação e   Assim, muito recentemente, numa amena conversa (leia-se
              na razão”, ou Darin McNabb, professor de fi losofi a no InsƟ tuto de   discussão) sobre religião, dei por mim recuando 45 anos. Estava
              Filosofi a da Universidad Veracruzana, México, que cito: “O facto de   de ofi cial de dia no G2EA (Grupo Nº 2 de Escolas da Armada)
              não acreditar em Deus não signifi ca que ele não exista. No entanto,   num Domingo de Páscoa. Pelas 08h00 prestara-se honras à ban-
              enquanto Deus não aparecer em pessoa, não poderei afi rmar que   deira que acabava de ser içada. ReƟ rado o pessoal, fi quei só e
              Ele exista”. Já que estou com a mão na massa, porque não men-  reparei que uma porta do ediİ cio do Comando se encontrava
              cionar Voltaire: “Se Deus não exisƟ sse seria preciso inventá-lo” e a   semi-aberta. Curioso, entrei para o pequeno páƟ o e, pela porta
              pronta concordância de Jean Jaques Rousseau: “E foi o que se fez”.   da sala, deparei com o nosso capelão, Tenente Saldanha, devida-
              Termino estas citações com Jean Paul Sartre: “O homem é respon-  mente paramentado, dizendo a missa com a sala completamente
              sável por aquilo que faz” e “Estamos condenados a ser livres”…  vazia. Tirei o boné, entrei pesaroso, sentei-me a meio da sala e
               Este gozo espiritual que nos é ofertado por estes e outros Ilus-  assisƟ  ao cerimonial. Passados uns bons vinte minutos, termi-
              tres, criou em mim um estado de profunda sintonia e o à-vontade   nada a missa, o capelão Saldanha desfez-se das suas vestes litúr-
              para falar abertamente do meu ateísmo, para além de um conse-  gicas e, sorridente, veio agradecer-me a presença. Fiquei aca-
              quente bem-estar, que me tem ajudado a suportar vicissitudes.   nhado, sem saber explicar como fora ali parar mas, sobretudo,
               Por outro lado, o conhecimento das atrocidades que velhas e   quanto ecoava no meu espírito o ideal ateísta. E ali mesmo o
              bafi entas crenças provocaram e conƟ nuam provocando. À cabeça   confessei. Sorridente, disse já o ter adivinhado, mas que isso em
              está, certamente, a Inquisição com os seus tribunais do “Santo   nada alterava a sua amizade e admiração. SenƟ  grande ternura,
              Oİ cio”, em que a Igreja Católica Romana conta em muitos milha-  compreensão e até alguma compaixão. Certo, certo, o respeito
              res os que, às suas mãos, sofreram torturas hediondas e a morte.   mútuo, uma amizade reforçada e um grande abraço senƟ do até
              Já no meu, nosso, tempo, após a reƟ rada dos Ingleses em 1947,   às lágrimas (por ambas as partes).
              surgem a União Indiana (Indus) e a República Islâmica do Paquis-  Com saudades do mar…
              tão (Muçulmanos que seguem o Islão) com milhares de mortos;
              Judeus e Muçulmanos em guerra, a criação do Estado de Israel e                             Teodoro Ferreira
              o seu cortejo de mortos; a guerra nos chamados Balcãs, também                                 1TEN SG REF
              com milhares de vidas perdidas entre Sérvios, Bósnios e Croatas;   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co


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