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ESTÓRIAS 57
EU, ATEU, ME CONFESSO!...
empre gostei de ler os clássicos. Pese embora a minha fraca e, ainda mais perto de nós, a Irlanda do Norte e a interminável
Sformação académica, tal não me impediu de absorver sufi cien- guerrilha entre cristãos (separaƟ stas) e protestantes (unionistas).
temente o seu conteúdo e, sobretudo, a convicção contagiante de Humilde analista, resulta que, de entre o que vivi, li, discuƟ ,
pensadores, como Stephen Hawking, que afi rmou: “O universo é sofri, festejei, observei, pensei, disse e escutei, ateu me confesso.
governado pelas leis da ciência, que é baseada na observação e Assim, muito recentemente, numa amena conversa (leia-se
na razão”, ou Darin McNabb, professor de fi losofi a no InsƟ tuto de discussão) sobre religião, dei por mim recuando 45 anos. Estava
Filosofi a da Universidad Veracruzana, México, que cito: “O facto de de ofi cial de dia no G2EA (Grupo Nº 2 de Escolas da Armada)
não acreditar em Deus não signifi ca que ele não exista. No entanto, num Domingo de Páscoa. Pelas 08h00 prestara-se honras à ban-
enquanto Deus não aparecer em pessoa, não poderei afi rmar que deira que acabava de ser içada. ReƟ rado o pessoal, fi quei só e
Ele exista”. Já que estou com a mão na massa, porque não men- reparei que uma porta do ediİ cio do Comando se encontrava
cionar Voltaire: “Se Deus não exisƟ sse seria preciso inventá-lo” e a semi-aberta. Curioso, entrei para o pequeno páƟ o e, pela porta
pronta concordância de Jean Jaques Rousseau: “E foi o que se fez”. da sala, deparei com o nosso capelão, Tenente Saldanha, devida-
Termino estas citações com Jean Paul Sartre: “O homem é respon- mente paramentado, dizendo a missa com a sala completamente
sável por aquilo que faz” e “Estamos condenados a ser livres”… vazia. Tirei o boné, entrei pesaroso, sentei-me a meio da sala e
Este gozo espiritual que nos é ofertado por estes e outros Ilus- assisƟ ao cerimonial. Passados uns bons vinte minutos, termi-
tres, criou em mim um estado de profunda sintonia e o à-vontade nada a missa, o capelão Saldanha desfez-se das suas vestes litúr-
para falar abertamente do meu ateísmo, para além de um conse- gicas e, sorridente, veio agradecer-me a presença. Fiquei aca-
quente bem-estar, que me tem ajudado a suportar vicissitudes. nhado, sem saber explicar como fora ali parar mas, sobretudo,
Por outro lado, o conhecimento das atrocidades que velhas e quanto ecoava no meu espírito o ideal ateísta. E ali mesmo o
bafi entas crenças provocaram e conƟ nuam provocando. À cabeça confessei. Sorridente, disse já o ter adivinhado, mas que isso em
está, certamente, a Inquisição com os seus tribunais do “Santo nada alterava a sua amizade e admiração. SenƟ grande ternura,
Oİ cio”, em que a Igreja Católica Romana conta em muitos milha- compreensão e até alguma compaixão. Certo, certo, o respeito
res os que, às suas mãos, sofreram torturas hediondas e a morte. mútuo, uma amizade reforçada e um grande abraço senƟ do até
Já no meu, nosso, tempo, após a reƟ rada dos Ingleses em 1947, às lágrimas (por ambas as partes).
surgem a União Indiana (Indus) e a República Islâmica do Paquis- Com saudades do mar…
tão (Muçulmanos que seguem o Islão) com milhares de mortos;
Judeus e Muçulmanos em guerra, a criação do Estado de Israel e Teodoro Ferreira
o seu cortejo de mortos; a guerra nos chamados Balcãs, também 1TEN SG REF
com milhares de vidas perdidas entre Sérvios, Bósnios e Croatas; N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
30 MARÇO 2020