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REVISTA DA ARMADA | 553





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              VAGAS DA GUERRA




              In memoriam do Almirante Vieira Ma  as,
              um exemplo, como marinheiro, militar e Português.

                 divisão da história da guerra em gerações ou
              A  vagas ou épocas é rela  vamente frequente entre
              os pensadores militares. Há algum tempo atrás (con-
              cretamente, em novembro e dezembro de 2017),
              escrevi nestas páginas sobre o modelo geracional das
              guerras, que sistema  zou as guerras da era moderna
              (i.e., desde a assinatura do Tratado de Vestefália, em
              1648, que estabeleceu os princípios do estado-nação
              e da soberania estatal), dividindo-as em guerras de
              1ª, 2ª, 3ª e 4ª geração.
               Contudo, existem outros modelos interessan-
              tes, como o de Alvin e Heidi Toffl  er, que dis  ngue
              entre guerras de primeira, segunda e terceira vaga,
              o modelo do general russo Vladimir Slipchenko das   Batalha de Aljubarrota (Guerra de 1ª Vaga)
              seis gerações da guerra ou o modelo das quatro épocas da guerra   exércitos eram de pequena dimensão, defi cientemente organiza-
              de Lindsay Moore e Robert Bunker. Este ar  go aborda apenas o   dos, mal treinados e equipados, comandados de forma inapta e
              primeiro desses modelos: aquele que o conhecido futurologista   abastecidos apenas ocasionalmente. Claro que houve exceções,
              Alvin Toffl  er e a sua mulher Heidi apresentaram no livro Guerra e   nomeadamente no tempo dos romanos, mas o padrão habitual
              An  guerra, de 1993.                                era esse. A forma de guerrear implicava a luta corpo a corpo e as
               Os Toffl  er consideram que a História da Humanidade é marcada   armas dos soldados – espadas, lanças, fl echas, etc. – dependiam
              por três grandes transformações globais das sociedades, que desig-  da força humana, possuíam baixa letalidade e, no caso das de arre-
              nam como vagas de mudança. A primeira ocorreu há cerca de dez   messo,   nham alcance muito curto.
              mil anos atrás, com a revolução agrícola, no neolí  co, que inaugu-  Em resumo, estas guerras evidenciavam a marca inconfundível das
              rou um período de predomínio das a  vidades agrárias. A segunda   sociedades agrárias da primeira vaga, tanto em termos tecnológicos
              vaga correspondeu à revolução industrial de 1760-1840, que intro-  e organiza  vos, como em termos administra  vos e logís  cos.
              duziu a sociedade industrial e a produção em massa. Atualmente,   Em complemento à concetualização  toffl  eriana, será interes-
              estamos novamente num período de mudanças abruptas, que se   sante referir que os maiores teóricos militares da primeira vaga
              iniciou com a invenção do computador e que consubstancia a ter-  foram um chinês e um português, nomeadamente: Sun Tzu, no
              ceira vaga de mudanças da História.                 que respeita à guerra terrestre, com a sua célebre obra Arte da
               Neste enquadramento, os Toffl  er defendem que a maneira como   Guerra (escrita no séc. IV a.C.); e o Padre Fernando Oliveira, no
              se faz a guerra refl ete a maneira como se cria riqueza, o que os levou   domínio naval, com o seu pioneiro tratado Arte da Guerra do Mar
              a desenvolverem uma concetualização rela  va às vagas da guerra.  (escrito em 1555).

              GUERRAS DE PRIMEIRA VAGA                            GUERRAS DE SEGUNDA VAGA
               Assim, as guerras de primeira vaga estenderam-se desde a revo-  Entretanto, a revolução industrial, ocorrida entre 1760 e 1840,
              lução agrícola (ou neolí  ca), iniciada cerca do ano 8000 a.C., até   veio modifi car radicalmente a forma como se criava riqueza, trans-
              à revolução industrial. Antes dessa altura, a violência entre tribos   formando a vida de milhões de pessoas. A massifi cação impôs-se,
              não se traduzia verdadeiramente em guerras, consis  ndo sobre-  tanto na economia, com o surgimento da produção industrial em
              tudo em lutas para vingar mortes, raptar mulheres ou roubar caça.   massa, como na esfera militar.
              Com a revolução agrícola, o homem sedentarizou-se e apareceram   Com efeito, passou a verifi car-se o recrutamento maciço de mili-
              as primeiras guerras, muito ligadas à agricultura, porque esta per-  tares pagos, já não pelo nobre local, mas pelo estado-nação. Apa-
              mi  a produzir e armazenar excedentes de produção, pelos quais   receu a ideia de uma nação inteira em armas, bem traduzida na
              valia a pena combater. Porém, apesar da confl itualidade  estar   célebre expressão francesa: Aux armes, citoyens, da Marselhesa,
              muito relacionada com a agricultura, nem todas as guerras da pri-  escrita precisamente em 1792, i.e., em plena revolução industrial.
              meira vaga   veram mo  vações económicas, tendo havido muitos   Além disso, as guerras da era industrial também se caracteriza-
              confl itos por questões religiosas e polí  cas. Na primeira vaga, os   ram pela destruição em massa, bem evidente na I Grande Guerra


              4    JULHO 2020
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