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REVISTA DA ARMADA | 553

                                                                      Ou seja, as modifi cações económicas e sociais da terceira
                                                                     vaga infl uenciaram todo o domínio militar, colocando o conhe-
                                                                     cimento no centro das doutrinas da guerra.
                                                                      Não obstante, os Toffl  er consideram que con  nuarão a coexis-
                                                                       r simultaneamente sociedades   picas de cada uma das vagas,
                                                                     i.e., países na fase agrária, outros no período industrial e outros,
                                                                     ainda, na era do conhecimento, o que terá consequências enor-
                                                                     mes no ambiente de segurança mundial, devido às tensões daí
                                                                     decorrentes.

                                                                     BREVE COMENTÁRIO

                                                                      A sistema  zação proposta pelos Toffl  er é bastante interes-
                                                                     sante, ligando a condução da guerra à organização da sociedade
                                                                     e à forma de criar riqueza. Contudo, qualquer modelo obriga
                                                                     sempre a simplifi cações, sendo isso par  cularmente evidente
              II Guerra Mundial (Guerra de 2ª Vaga)
                                                                     nesta concetualização, em que as duas primeiras eras de desen-
              e na II Guerra Mundial. Na primeira, houve quase 20 milhões de   volvimento da Humanidade correspondem a períodos bastante
              mortes, mas, na segunda, os números ainda foram mais aterrado-  alargados. Naturalmente, isso levou a muitas generalizações, que
              res, com aproximadamente 60 milhões de mortes, corresponden-  não permitem acomodar algumas transformações tá  cas e técni-
              tes a cerca de 3% da população mundial da altura.   cas na forma de conduzir a guerra, dentro de cada um dos perío-
               Outras caracterís  cas da sociedade da segunda vaga que se refl e-  dos considerados. Entre outras transformações, podem citar-se:
                ram na esfera militar, foram a estandardização (que foi aplicada ao   dentro da primeira vaga (8000 a.C. até 1760/1840), a introdução
              fabrico de armamento, bem como à doutrina, à organização e ao   da cavalaria (verifi cada na transição da idade clássica para a idade
              treino) e a burocra  zação (com a criação de grandes estados-maio-  média); e, dentro da segunda vaga (1760/1840 até à atualidade), a
              res e a consequente proliferação de dire  vas e memorandos).   invenção dos canos estriados (ocorrida na segunda metade do séc.
               Complementando, mais uma vez, a sistema  zação dos Toffl  er,   XIX) ou a execução da blitz krieg (no início da II Guerra Mundial).
              pode iden  fi car-se, como maior teórico militar da guerra terrestre   Nesta ó  ca – e de forma algo natural, tendo em atenção que os
              da segunda vaga, o alemão Carl von Clausewitz, que no tratado   Toffl  er eram futuristas e não historiadores militares – este modelo
              Da Guerra (publicado em 1832) criou o conceito de “guerra abso-  parece-me mais interessante quando se focaliza na revolução em
              luta”, posteriormente ampliado, por Erich Ludendorff , para “guerra   curso na forma de conduzir a guerra, do que quando procura siste-
              total”. Já no domínio naval, os mais proeminentes estrategistas   ma  zar a história militar do Neolí  co até aos nossos dias.
              foram o norte-americano Alfred Thayer Mahan e o britânico Julian   Como   picos americanos, os Toffl  er são fascinados pela tecnolo-
              Staff ord Corbe  .                                   gia, analisando detalhadamente “como” é que se vai combater no
               As conceções de segunda vaga aplicadas ao domínio militar cul-  futuro. O cenário avançado pelos Toffl  er não difere muito dos pro-
              minaram nas armas nucleares, que vieram elevar a destrui-
              ção em massa a uma escala inimaginável.

              GUERRAS DE TERCEIRA VAGA
               Entretanto, em princípios da década de ’80, novas ideias,
              forças sociais e tecnologias começaram a pôr em causa a
              sociedade de massas da segunda vaga, iniciando uma era
              pós-industrial, que os Toffl  er designaram como a idade da
              informação, dominada pelo conhecimento e pela alta-tecno-
              logia. Esta terceira vaga caracteriza-se, também, pelo declínio
              da estandardização e pela redução da burocracia, devido à
              desmaterialização de processos.
               No domínio militar, após a proliferação nuclear ter culmi-
              nado no paradigma da “destruição mutuamente assegu-
              rada”, encetou-se também uma revolução tecnológica. Isso
              levou ao desenvolvimento de capacidades inovadoras, com
              especial ênfase em modernos sistemas de Comando & Con-
              trolo (C2), em tecnologias fur  vas, em sistemas espaciais de   Guerra cibernéƟ ca (Guerra de 3ª Vaga)
              comunicações e navegação e em armas inteligentes. Como resul-  postos por outros autores, de que destaco o conceito da “hiper-
              tado deste esforço de inovação, surgiram projetos como o Airborne   guerra”, desenvolvido pelo general John R. Allen, do U.S. Marine
              Warning And Control System (AWACS), o stealth fi ghter F-117, o   Corps, e por Amir Husain, perito em Inteligência Ar  fi cial e autor
              Global PosiƟ oning System (GPS) e as munições e os mísseis com   do livro The SenƟ ent Machine. Faltará, porventura, na concetuali-
              guiamento de precisão (quer por GPS, quer por laser). Entretanto,   zação dos Toffl  er uma maior atenção a “porque é que” se vai com-
              a tecnologia não deixa de surpreender e outras inovações domi-  bater no futuro – um aspeto que não deve ser negligenciado por
              nam o panorama tecnológico-militar, nomeadamente no âmbito   ninguém que se debruce sobre assuntos militares.
              da ciber-tecnologia e dos sistemas não tripulados, mas também no
              das armas de impulso eletromagné  co (rail guns), armas de laser                          Sardinha Monteiro
              e mísseis hipersónicos.                                                                            CMG


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