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REVISTA DA ARMADA | 555
COVID-19 E AS
AMEAÇAS HÍBRIDAS
“A maior habilidade consiste em subjugar o inimigo sem entrar em combate”, Sun Tzu
pandemia que vem assolando a Huma- Saúde, Tedros Ghebreyesus, afi rmava que março de 2020, verifi cou-se em Portugal um
A nidade provocou crises de âmbito sani- “não estamos a combater apenas uma epi- aumento de 217% no número de incidentes
tário, económico e social, com graves impli- demia; estamos a combater uma infodemia de phishing, que simula serviços digitais (por
cações no ambiente de segurança. De facto, … em que as noơ cias falsas se propagam de exemplo, de homebanking, de lojas online
tem sido possível notar o recrudescimento forma mais rápida e mais fácil que o vírus”. ou, até, de organizações ligadas à saúde),
de algumas ameaças, que vão marcar, muito Esta dinâmica do espaço comunicacional, para capturar dados pessoais. Com efeito, o
possivelmente, o futuro ambiente estraté- em que se torna diİ cil disƟ nguir a infor- phishing foi o Ɵ po de ataque mais frequente
gico internacional. mação fi dedigna por entre o imenso ruído durante o 2º trimestre de 2020, no nosso
A primeira ameaça é a desinformação, os da desinformação e da contrainformação, país (160 incidentes), seguido do malware,
boatos, a propaganda e aquilo que se tem levou mesmo companhias como a Google, i.e., soŌ ware malicioso (68 incidentes) e
designado como as fake news. Num inte- o Facebook e o TwiƩ er a tomarem medidas do acesso não autorizado (41 incidentes),
ressante arƟ go publicado no The New York inéditas para tentarem evitar e conter essa contribuindo para um aumento de 124%
Times, em abril de 2020, o prémio Nobel da infodemia, ao contrário do que Ɵ nha acon- no número de incidentes, relaƟ vamente ao
literatura de 2006, Orhan Pamuk, eviden- tecido noutros casos anteriores, bem conhe- período homólogo de 2019. Em paralelo,
ciou como as pandemias foram sempre – ao cidos, de manipulação da opinião pública, no alguns atores estatais poderão estar a escon-
longo da história – palco e fonte para muitos domínio políƟ co. der-se por detrás de cibercriminosos para
rumores e falsas informações. Fazendo um O ciberespaço também tem sido o campo aceder e roubar informações estratégicas ou
sobrevoo sobre várias obras literárias que de batalha da segunda ameaça que a pan- para encetar ciberataques a infraestruturas
abordaram pandemias do passado, Pamuk demia veio intensifi car: os ciberataques, críƟ cas, aproveitando as difi culdades cria-
concluiu que elas se caracterizaram por dis- cujas escala e intensidade aumentaram com das pela pandemia em todos os países. Por
torção de factos e manipulação de números, a disseminação alargada do teletrabalho. Os exemplo, em abril, Israel sofreu um ataque
além de muita desinformação sobre a ori- principais organismos internacionais (desig- cibernéƟ co ao seu sistema de tratamento de
gem da doença, que é sempre estrangeira, nadamente UE, NATO e ONU), bem como águas, em que os hackers procuraram alte-
é sempre culpa dos outros… Nada de muito os centros nacionais ligados à segurança do rar os níveis de cloro na água, para provocar
diferente do que se passou e está a passar ciberespaço, alertaram prontamente para a envenenamento, tendo o ataque sido atem-
relaƟ vamente à origem do novo coronaví- intensifi cação desse Ɵ po de aƟ vidades cri- padamente contrariado. Segundo fontes
rus. EfeƟ vamente, nesta pandemia, verifi - minosas, normalmente com o objeƟ vo de citadas pelo The Washington Post, o Irão terá
cou-se também um aumento da desinfor- obter dados pessoais e extorquir dinheiro. estado por detrás deste ataque, o qual moƟ -
mação e da contrainformação, relacionada Ou seja, os cibercriminosos aproveitaram vou uma resposta israelita, em maio, que
com as origens da pandemia, mas também imediatamente, em seu proveito, a maior paralisou completamente, durante vários
com números de infetados e de mortos, pos- dependência do ciberespaço provocada dias, o porto de Bandar Abbas, o maior porto
síveis tratamentos ou vacinas, etc. Perante pela COVID-19. De acordo com a informação iraniano no estreito de Ormuz, fazendo com
este quadro, logo em meados de fevereiro, fornecida nos boleƟ ns periódicos do Obser- que dezenas de navios Ɵ vessem que aguar-
o Diretor-Geral da Organização Mundial da vatório de Cibersegurança, entre fevereiro e dar no mar, sem poderem fazer cargas ou
descargas. Entretanto, em junho, Israel con-
A Organização Mundial de Saúde alertou para a gravidade da infodemia que tem acompanhado a pandemia fi rmou ter sofrido mais dois ciberataques,
aos seus sistemas de tratamento de águas,
os quais foram novamente imputados ao
Irão. Estes são exemplos paradigmáƟ cos de
como a pandemia está a potenciar este Ɵ po
de aƟ vidade ilícita, levando mesmo o Gene-
ral Claudio Graziano, Chairman do Comité
Militar da UE, a afi rmar que “os militares
estão sempre preparados para uma guerra
que esperamos que nunca aconteça, mas a
guerra no ciberespaço tem lugar todos os
dias … estamos permanentemente sob cibe-
rataque”.
A terceira ameaça que a pandemia veio
ajudar a recrudescer foi o terrorismo. Logo
a 9 de abril, o Secretário-General das Nações
Unidas, alertava – no Conselho de Segurança
– que a ameaça do terrorismo se manƟ nha
4 SETEMBRO/OUTUBRO 2020