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REVISTA DA ARMADA | 555
viva. Segundo António Guterres, os grupos
terroristas poderiam explorar uma janela de
oportunidade para perpetrar ataques, apro-
veitando o facto da maior parte dos gover-
nos estar focada no combate à pandemia.
EfeƟ vamente, as difi culdades económicas
provocadas pela pandemia estão a exponen-
ciar a instabilidade social e o desemprego,
o que pode aumentar a susceƟ bilidade de
largas franjas populacionais ao “canto da
sereia” de narraƟ vas revanchistas ligadas
ao radicalismo. Além disso, haverá também
uma diminuição da capacidade de muitos
Estados em combater as manifestações do
terrorismo, uma vez que as suas preocu-
pações se centrarão noutros assuntos. Por
fi m, os próprios Estados que contribuem
para operações mulƟ nacionais anƟ terro-
rismo e de estabilização, estão a diminuir
o seu empenhamento nesse âmbito, não Editorial da newsleƩ er do Daesh, inƟ tulado ‘O pior pesadelo dos Cruzados’
só por difi culdades fi nanceiras, mas tam-
bém pelo receio de contaminação dos seus movimentos terroristas (incluindo o Hezbol- já integra 26 países, além da nação-quadro
militares em áreas com sistemas de saúde lah e o Daesh), levou a NATO a dedicar uma (Finlândia), da NATO e da UE. Entre esses
muito débeis. Tudo isso contribui para criar atenção crescente ao fenómeno, nomeada- países, conta-se, desde dezembro de 2019,
condições bastante favoráveis ao recrudesci- mente desde a cimeira de Gales, em 2014. Portugal, que terá a presidência da UE no 1º
mento do terrorismo. Aliás, logo em 19 de Nessa ocasião, a organização manifestou, semestre de 2021, onde esta temáƟ ca será
março, na sua habitual newsleƩ er semanal pela primeira vez de forma pública, a sua um assunto prioritário.
Al-Naba (O Despacho), o autodenominado preocupação com as ameaças híbridas no Como se explicou acima, as ameaças
Estado Islâmico publicou um editorial inƟ - comunicado fi nal da cimeira, associando-as híbridas mantêm o grau de aƟ vidade ilícita
tulado “O pior pesadelo dos Cruzados”, ape- ao emprego integrado de uma vasta gama abaixo do limiar do confl ito. Ou seja, as
lando a que não houvesse compaixão com de medidas militares, paramilitares e civis, ameaças híbridas são, de certa forma, a con-
os “infi éis” e “apóstatas” no momento da abertas (overt) e encobertas (covert). No Ɵ nuação da guerra por outros meios, inver-
pandemia e que, pelo contrário, se intensifi - ano seguinte (2015), a NATO aprovou uma tendo, assim, a conhecidíssima máxima de
cassem os ataques por todo o Mundo. estratégia para enfrentar ameaças híbridas, Clausewitz de que a guerra é a conƟ nuação
Todas estas ameaças podem ser desen- que dividiu a resposta em três níveis: prepa- da políƟ ca por outros meios. Noutro jogo de
cadeadas por pequenos criminosos ou por ração, dissuasão e defesa. A sistemaƟ zação espelhos com outra expressão bem conhe-
indivíduos/grupos relaƟ vamente autóno- das ameaças híbridas teve bastante aceita- cida, pode dizer-se que as ameaças híbridas
mos, focados sobretudo no lucro fácil ou na ção na Aliança, pois permiƟ u incorporar num representam uma confrontação perpétua,
perturbação da ordem. Todavia, essas mes- conceito único os desafi os de segurança do invertendo também o conceito KanƟ ano da
mas ameaças serão parƟ cularmente preocu- fl anco Leste (muito associados à postura paz perpétua.
pantes quando perpetradas ou orquestradas asserƟ va da Rússia) e do fl anco Sul (mais Neste entendimento, a resposta às amea-
de forma coordenada, por atores estratégi- ligados às várias formas de instabilidade ças híbridas tem que ser bastante abran-
cos, com o objeƟ vo de explorarem vulnera- “importadas” do Norte de África e do Médio gente, tendo-se materializado num outro
bilidades sistémicas, em todo o espectro das Oriente, como o terrorismo, a proliferação conceito, que também tem ganho bastante
funções críƟ cas de uma sociedade. Nesse de armamento e, mesmo, as migrações irre- tração, nos úlƟ mos anos, nos estudos de
caso, essas ameaças enquadram-se num gulares). Ou seja, foi um conceito que permi- segurança e defesa: a resiliência – que será
conceito relaƟ vamente recente, abordado Ɵ u agregar os desafi os de segurança numa o tema do arƟ go do próximo mês.
nestas páginas em novembro de 2015: o abordagem omnidirecional, i.e., a 360°.
conceito de ameaças híbridas. As ameaças Na UE, as ameaças híbridas entraram no Sardinha Monteiro
híbridas correspondem a aƟ vidade coerciva radar das principais preocupações a par- CMG
e subversiva, desenvolvida por atores esta- Ɵ r do Conselho sobre a PolíƟ ca Comum de
tais e não estatais, empregando métodos Segurança e Defesa de 18 de maio de 2015,
convencionais e não convencionais, que em que foi decidido elaborar um quadro Agradecimentos
exploram deliberadamente as vulnerabili- conjunto com propostas para as enfrentar e Muitas das ideias veiculadas neste arƟ go foram
dades do oponente (ao nível do governo, da para reforçar a resiliência da União e dos seus amadurecidas em conversas com o CALM RES
população e dos serviços e estruturas que os Estados-Membros. Esse roteiro foi aprovado Gameiro Marques (Autoridade Nacional de
Segurança) e com alguns camaradas do Curso
suportam), com recurso a uma vasta gama em abril de 2016 e centrava-se nos seguintes de Promoção a Ofi cial General, concretamente
de métodos e meios (políƟ cos, fi nanceiros, eixos de atuação: (1) aumentar o conheci- com o COR PILAV Lourenço da Costa, o COR INF
informacionais, cinéƟ cos e/ou cibernéƟ cos), mento da situação; (2) reforçar a resiliência; Costa Santos, o CMG Cavaleiro Ângelo e o COR
CAV Graça Talambas, no âmbito da preparação
mantendo o nível de atuação abaixo do e (3) prevenir e enfrentar crises, bem como de um capítulo do livro que o InsƟ tuto Universi-
limiar do confl ito. recuperar das mesmas. Como contributo tário Militar oportunamente dedicou às implica-
O crescimento das ameaças híbridas, para o primeiro eixo, a UE apoiou a criação ções estratégicas da pandemia da COVID-19. A
todos, agradeço os momentos de franca discus-
nomeadamente por parte de atores estra- do Centro de Excelência para Ameaças Híbri- são e troca de ideias.
tégicos como a Rússia, a China, o Irão ou das, em Helsínquia, que, neste momento,
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