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REVISTA DA ARMADA | 568

















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             O CÉU ACREDITA EM NÓS                                                                          MNAz, inv. 138 Az






           “Eis o grito das tuas sentinelas… todas juntas soltam brados de alegria, porque veem com os próprios olhos o Senhor que volta para Sião” Is, 52, 8.

           Os últimos tempos têm sido muito difíceis para todos.   Com reverência, o humilde camponês disse ao rei: "Foi fácil, majes-
           À crise sanitária juntou-se a crise climática, a crise alimentar, a   tade. Eu simplesmente cortei o galho".
          crise migratória e ainda outras provocando grandes sofrimentos a   Marcados pelo Natal (Estímulo superlativo) não podemos alimen-
          nível mundial.                                      tar pessimismos.
           Devido a tudo isso, tivemos de nos reinventar, tivemos de que-  Vamos celebrar o Natal e não o façamos distorcendo a sua sin-
          brar rotinas que quase nasceram connosco e tivemos de reapren-  geleza.
          der a viver.                                         Este não deve ser um tempo de confusão e gastos sem sentido,
           Foi  muito  doloroso  para  todos,  mas  como  sempre,  sobretudo   como acontece vezes de mais. O Natal tem de ser tranquilo, sereno,
          para os mais frágeis.                               pacífico e acolhedor.
           Foi um tempo essencialmente de perdas. Perdemos contactos,   O tempo de Natal é o momento privilegiado para descobrirmos
          perdemos partilhas, perdemos amizades e, pior ainda, alguns de   que a vida só tem sentido se for uma festa de encontros onde tudo
          nós até perderam pessoas que nos eram tão caras.    se agradece.
           De tal modo foi, que quando nos apercebemos, andávamos a ca-  A pessoa crente não é aquela que mantém os primeiros compro-
          minhar sozinhos.                                    missos, mas sim a que permanece comprometida para sempre pro-
           E tudo isto deixa marcas que, se não estivermos atentos, nos po-  curando não ser indiferente às realidades que a rodeia, mas antes
          dem afetar negativamente para sempre. Facilmente nos deixamos   comprometida com o mundo que a envolve.
          enrolar numa onda de pessimismo que importa deixar para trás.  Se não for assim, o Natal não passará de um efémero e desvirtuado
           Que bom seria que conseguíssemos sair destes sucessivos confi-  acontecimento.
          namentos sarados física e espiritualmente.           Dizia assim o Papa Francisco por ocasião da Semana Santa: “O cris-
           Para o crente e para os homens de boa vontade em geral, nenhu-  tão deve comparecer às periferias existenciais que são muito mais
          ma notícia é mais reconfortante do que pressentirem que vai ser   do que periferias físicas e geográficas”.
          Natal outra vez.                                     O Papa chega ao ponto de afirmar que a humanidade precisa de
           Muitos sonharam que no pós-pandemia a sociedade ficaria me-  ressuscitar.
          lhor e a criança frágil do Natal para aí nos aponta, mas nada acon-  Ele comprova que com esta pandemia recordamos que “ninguém
          tece por pura magia.                                se salva sozinho”, apelando a uma “cultura do cuidado”, sublinhando
           E de facto, a tarefa da mudança é um caminho que começa muitas   que muito mais do que “os outros” deve ser afirmado o “nós”.
          vezes por um simples estímulo. A história que se segue pode ajudar.  E continuando de modo ainda mais sublime o Santo Padre: “Nin-
           "Certo rei recebeu um dia de presente dois falcões magníficos.   guém pode ter medo de conjugar a civilização do amor, contra a an-
           O rei ordenou que os dois pássaros fossem treinados pelo mestre   gústia e o medo, a tristeza e o desalento, a passividade e o cansaço.
          de falcoaria.                                       Civilização do amor que se constrói de modo ininterrupto e que pres-
           Passados uns meses o falcoeiro informou o rei que um dos falcões   supõe o esforço e o comprometimento de todos”.
          estava a voar majestosamente, mas que o outro não se movera do   Caros leitores
          mesmo galho desde o dia em que chegou.               Esta era pós-pandemia será desafiante e complexa, mas é uma
           O rei convocou todos os curandeiros e feiticeiros do reino para tra-  oportunidade de construirmos um mundo melhor para todos. Não
          tarem do falcão, mas nenhum deles conseguiu fazer voar o falcão.   vejo outro estímulo com maior sabor a Natal.
           Depois de ter tentado de tudo, o rei pensou que talvez um cam-  A todos os marinheiros, em terra ou no mar, bem como às suas
          ponês com experiência em assuntos da natureza o pudesse ajudar   excelentíssimas famílias, um santo Natal e um Novo Ano cheio de
          a resolver o problema. Então, ordenou à sua corte que lhe trouxes-  esperança.
          sem um camponês com urgência.
           Na manhã seguinte, o rei foi surpreendido ao ver o falcão a sobre-
          voar os jardins do palácio e pediu aos membros da corte para lhe
          trazerem o autor do milagre.
           Quando o camponês chegou à presença do rei este perguntou-lhe:                            José Ilídio Costa
          "Como é que conseguiu fazer o falcão voar?"                                                    CMG CAP


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