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REVISTA DA ARMADA | 571

      VIGIA DA HISTÓRIA               129





      BOAS INTENÇÕES



         iz  o  povo,  que  por  vezes  tem  toda  a  razão  no  que  afirma,  de
      Dque de boas intenções está o inferno cheio, não sei se assim é
      na  realidade,  mas  estou  em  crer  que,  a  ser  verdade,  ao  caso  que
      seguidamente relato se aplica inteiramente o ditado popular
       Como  julgo  ser  sabido  a  escravatura  foi  uma  prática  comum  a
      quase todos os extractos sociais, pese embora alguns, nos dias que
      correm, o procurem esconder, prática essa quase sempre unicamente
      associada ao lucro pessoal.
       A consulta do Conselho Ultramarino de 17 de Janeiro de 1685 dá
      a  conhecer,  no  entanto,  um  motivo,  bem  inesperado  aliás,  para  o
      comércio de escravos.
       Dado  o  estado  de  ruína  da  ermida  de  Nª  Srª  dos  Remédios,  em
      Luanda, os irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento daquela
      freguesia, resolveram edificar novo templo, custeado pela Irmandade,
      pelas esmolas da população e com um apoio financeiro do governo,
      apoio esse que, dadas as dificuldades, não foi de grande monta.
       Sendo o dinheiro existente insuficiente para a conclusão da obra,
      para se fazerem os ornamentos e para a aquisição de outras peças para
      os ofícios divinos e esgotada que estava a possibilidade de contraírem
      mais empréstimos resolveu a Irmandade requerer autorização régia
      para enviar, uma vez por ano, um patacho, que entretanto haviam
      comprado  (1),  para  o  Brasil,  com  quinhentos  escravos,  requeriam
      ainda que tal autorização fosse válida por 10 anos.
       O  Conselho  Ultramarino,  considerando  que  se  tratava  de  uma
      obra  de  grande  devoção  e  que  contribuiria  para  a  conversão  dos
      gentios,  pela  observação  da  forma  como  os  católicos  veneravam
      o  seu  Deus,  propunha  que  a  pretensão  obtivesse  a  concordância
      real  mas  unicamente  por  um  período  mais  reduzido  de  tempo,
      período esse que julgavam ser suficiente para a obtenção dos 15000
      cruzados necessários, verba esta estimada pela Irmandade mas que o
      Conselho considera exagerada, evitando desta forma que se tornasse
      um  negócio  para  os  requerentes  e  prejudicasse  todos  os  outros
      contratantes do tráfico.
       A  existência  da  ermida,  classificada  como  valiosa  relíquia,  leva  a
      crer que o requerido teve a aprovação régia e que os lucros de tal
      actividade não deverão ter sido pequenos.

       (1) Para quem se declarava com dificuldades financeiras a aquisição
      de um patacho, com capacidade para 500 escravos, ainda antes de se
      ter obtido autorização, leva a admitir que, ou haveria uma garantia
      prévia ou se tratava de prática habitual corrente .

      Fonte: AHU Cod. 49 fol. 136 v
      N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.


                                                 Cdmt E. Gomes


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