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REVISTA DA ARMADA | 571

          ESTÓRIAS                                                                                          78



















         Autor: 2TEN TSN-ARQ Paulo Guedes  MISSÃO EM CABO VERDE












          NAVEGANDO PELO ARQUIPÉLAGO                          VIAGEM ATRIBULADA DE REGRESSO
            m onze de Fevereiro de 1969 fui incorporado na Marinha de   Por necessidade de manutenção e atribuição de novas missões
         EGuerra para cumprir o serviço militar iniciado na Escola Naval,   às duas LF da classe D. Aleixo, foi decidido o regresso a Lisboa,
          integrado no 14º Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval   que ocorreu no mês de Outubro de 1970.
          (14º CFORN).                                         Enquanto que na viagem de ida para Cabo Verde as duas lanchas
           Fizemos a viagem de fim de curso a Cabo Verde, passando pela   foram  transportadas  em  navio  próprio,  no  regresso  a  Lisboa,
          Madeira,  tendo  sido  a  primeira  experiência  de  mar  e  enjoos,   foram postas à prova, navegando por etapas, passando pelas Ilhas
          próprios  da  falta  de  experiência  de  viver  nas  circunstâncias   Canárias e Madeira. Foi, na realidade, uma verdadeira odisseia o
          dependentes do estado do mar.                       percurso entre as Ilhas Canárias e a Ilha da Madeira, com ondas
           Em Cabo Verde, conhecemos os  camaradas das  unidades   de cinco metros e desencontradas, o que de noite, como se pode
          que aí prestavam serviço e, no caso da LF D. Aleixo, em fim de   imaginar, só com fibra de marinheiros pudemos ultrapassar.
          comissão. Foi a oportunidade de perceber o que me esperava   De dia, podíamos visualizar o mar e assim controlar as manobras,
          na  missão  de  comando  que  o  Estado-Maior  da  Armada  me   como as de trasfega de combustível que recebemos da corveta
          destinou, em Cabo Verde.                            que nos acompanhou na aventura.
           Chegado a Cabo Verde, após a viagem de avião Lisboa–Sal e   Recebi, também, por amabilidade dos camaradas da corveta, um
          Sal-S. Vicente, fui apresentado à tripulação do NRP D. Aleixo, para   bolo para comemorar o meu primeiro aniversário de casamento,
          render os camaradas em fim de prestação de serviço.  que ocorreu no dia 18 de Outubro, em plena viagem de regresso
           Fiz uma primeira viagem de reconhecimento das ilhas, dos locais   a Lisboa. O percurso entre a Ilha da Madeira e os estaleiros navais
          de  acostagem  e  fundeadouros,  na  lancha  D.  Jeremias,  também   do Alfeite, em Lisboa, apesar de agreste, não teve comparação
          pertencente à classe D. Aleixo e que era comandada por um oficial   com a verdadeira tormenta que se tornou, certamente, no maior
          do  quadro  da  Marinha  de  nome  Almeida  Joglar,  tendo  surgido   desafio  à  coragem  que  todos  nós  tivemos  até  então.  Termos
          também nessa viagem, situações de fiscalização de pesca ilegal.  ultrapassado com êxito o mar revolto como tantos navegadores
           Com  a  guarnição  completa,  após  a  chegada  do  camarada   da nossa história, tornou-nos mais fortes e conscientes de que
          Normando Lagoa para a função de imediato, teve início o primeiro   nos  podemos  surpreender a  nós  próprios,  porque  existem em
          ano de funções na D. Aleixo. Foi um ano de muitas experiências na   nós capacidades que, só postas à prova, se revelam.
          missão de fiscalizar e de apoio em socorro, no caso de acidentes   Poder-se-á perceber que também não terá sido fácil a decisão
          com  pescadores  de  lagosta,  nas  diferentes  ilhas,  resultantes   do Estado-Maior da Armada, pelo risco inerente à viagem, o que
          de pedidos de ajuda que chegavam ao Comando Naval. Houve   nos foi alertado pelo Comandante da corveta.
          também  missões  de  transporte  de  entidades  do  governo  que   Ocorreram mesmo na LF D. Jeremias dificuldades com o sistema
          necessitavam de se deslocar entre ilhas.            eléctrico nas baterias, o que, naquelas condições de mar, e em
           A missão de maior responsabilidade, por ter tido uma intervenção   caso de necessidade de apoio, nos teria colocado a viabilidade da
          de maior envergadura, foi o aprisionamento de dois pesqueiros   aproximação entre navios.
          cubanos de grandes dimensões, que se encontravam fundeados   Chegados  a  Lisboa,  atracamos  ao  cais  do  Alfeite,  para  um
          em águas do arquipélago, sem autorização. Esta missão consistiu   merecido repouso.
          em  transportar  os  Comandantes  dos  dois  pesqueiros  no  nosso
          navio  e  homens  nossos  armados  seguiram  até  S.  Vicente  nos
          dois pesqueiros. Esta missão foi concluída com êxito, tendo sido
          cumpridos todos os procedimentos inerentes ao ocorrido.                   Joaquim Manuel Nunes Serra, 14º CFORN
           Foi, na realidade, a prova da excelente formação que a Escola   In Crónicas Intemporais da Guerra e da Fraternidade, 2019
          Naval nos transmitiu, nos seis meses em que fomos preparados
          para as diversas situações que poderiam ocorrer.    N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.


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