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REVISTA DA ARMADA | 571




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          A CRISE NO ESTREITO DE ORMUZ


          ANÁLISE DAS POSTURAS ESTRATÉGICAS,



          COM IMPACTO NO DOMÍNIO MARÍTIMO



          Após o enquadramento histórico da crise no Estreito de Ormuz, efetuado no artigo anterior, justifica-se uma breve reflexão geopolítica
          relativamente aos interesses dos principais atores nesta região, evidenciando as diferentes posturas estratégicas com impacto no domínio
          marítimo, adotadas por Irão, EUA, União Europeia (UE) – ou, melhor dizendo, por alguns Estados-Membros da UE – e Portugal.

          A POSTURA ESTRATÉGICA DO IRÃO
                                                              afetando  o  desenvolvimento  e  o  bem-estar  da  população
                                                              iraniana.
            eerão  tem  dificultado  qualquer  reaproximação,  mesmo   Além disso, a partir de meados de 2019, os EUA reforçaram a
         Tapós  a  eleição  de  Joe  Biden,  com  base  num  orgulho   presença militar na região e lançaram a operação naval SENTINEL,
          nacional, ancorado na história notável da Pérsia e no potencial   que  constitui  a  componente  militar  do  International  Maritime
          geostratégico do país, que lhe é conferido, entre outros fatores,
          pela  sua  posição  geográfica,  pelos  vastos  recursos  energéticos,   Security Construct, com o propósito de garantir a segurança da
          pelo  desenvolvimento  e  produção  autónoma  de  tecnologia   navegação no Golfo Pérsico e no Estreito de Ormuz. Como forma
                                                              de  ganharem  apoio  e  legitimidade  internacional  para  usarem
          militar  e  pela  demografia.  Nesse  quadro,  o  regime  iraniano
          tem privilegiado uma aproximação indireta e um confronto por   a  força  em  resposta  a  eventuais  incidentes  provocados  pelos
          procuração, continuando a influenciar as relações internacionais   iranianos,  os  EUA  apelaram  aos  seus  aliados  para  integrarem
          no designado crescente xiita (Gaza, Beirute, Damasco e Bagdade),   a  operação  SENTINEL.  Todavia,  a  adesão  foi  pouco  expressiva,
          mesmo  quando  as  suas  capacidades  militares  são  inferiores  às   tendo a Alemanha sido dos primeiros aliados europeus a declinar
          das potências ocidentais. Através de uma postura ambígua sobre   o convite, por não se rever na estratégia americana de “pressão
          a natureza do seu projeto nuclear, do apoio aos grupos armados   máxima”  sobre  o  Irão,  seguida  pelo  então  presidente  Donald
          pró-iranianos (e.g., os grupos xiitas Hezbollah e Houthis, e o grupo   Trump. Assim, para além dos tradicionais parceiros regionais –
          palestiniano  sunita  Hamas)  e  do  desenvolvimento  de  mísseis   Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes Unidos – juntaram-
          sofisticados e de tecnologia de ponta na área da defesa (onde se   se à iniciativa americana a Austrália e três membros da NATO –
          inclui o primeiro satélite militar, lançado em abril de 2020), o Irão   Albânia, Lituânia e Reino Unido.
          continua a demonstrar capacidade e vontade para assumir o papel   Os  dois  primeiros,  sem  capacidades  oceânicas  significativas,
          de potência regional. A nível interno, o regime também tem vindo   ter-se-ão associado como forma de retribuir o empenhamento
          a dar indicações de que não tolerará dissidências. Claros sinais   americano,  respetivamente,  no  Kosovo  e  nas  fronteiras  dos
          disso mesmo são as repressões contra manifestações populares   estados  Bálticos  com  a  Rússia.  Já  o  Reino  Unido,  que  ainda
          em diferentes pontos do Irão e o enforcamento de dissidentes.  ensaiou  a  liderança  de  uma  missão  marítima  europeia,  viu-se
           No domínio marítimo, sem qualquer hipótese de se constituírem
          como opositoras de peso da Marinha Americana, tanto em termos
          de  dimensão,  como  de  capacidade  tecnológica,  a  Marinha  da
          República  Islâmica  do  Irão  (a  força  naval  convencional  iraniana,
          constituída  por  fragatas,  corvetas  e  submarinos)  e  a  Marinha
          do  Corpo  da  Guarda  Revolucionária  Islâmica  (de  natureza  não
          convencional e formada, essencialmente, por lanchas rápidas de
          ataque)  têm  vindo  a  apostar  numa  estratégia  orientada  para  a
          guerra assimétrica, capaz de infligir danos às Marinhas Ocidentais,
          através  de  meios  relativamente  baratos  e  capazes  de  serem
          produzidos em massa pela indústria iraniana. Tal tem permitido
          dissuadir  um  eventual  ataque  em  maior  escala  por  parte  da
          Marinha mais poderosa do mundo.

          A POSTURA ESTRATÉGICA DOS EUA

           Desde  o  início  desta  nova  escalada  nas  tensões,  em  2018,
          a  estratégia  norte-americana  tem  passado  por  sanções   Fragata dinamarquesa Iver Huitfeld em patrulha no âmbito da operação AGENOR.
          económicas ao Irão, cujos efeitos têm sido bastante significativos,


          4   MARÇO 2022
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