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REVISTA DA ARMADA | 571

          confrontado  com  a  lentidão  de  resposta  dos  países  europeus,   Salienta-se  que  Portugal  detém  interesses  estratégicos  na
          optando  por  se  coligar  com  os  americanos,  garantindo,  dessa   região, porquanto cerca de 17% dos hidrocarbonetos consumidos
          forma,  uma  capacidade  de  intervenção  imediata  na  região  do   pelo país passam pelo Estreito de Ormuz, a que acresce o facto de
          Estreito  de  Ormuz,  que  lhe  era  exigida  face  aos  dois  ataques   por ali transitarem diariamente cerca de uma dezena de navios de
          sofridos em 2019 por navios mercantes com pavilhão britânico.  bandeira portuguesa. Por estes motivos e tendo em consideração
                                                              a  total  dependência  nacional  do  transporte  marítimo  para  a
          A POSTURA ESTRATÉGICA “EUROPEIA”                    importação  de  petróleo,  não  seria  possível  ficar  alheio  a  uma
                                                              situação com graves implicações para a segurança da navegação,
           O natural seria intitular esta seção como “A postura estratégica   ainda que numa área bastante distante do território nacional.
          da UE”. No entanto, isso representaria um desafio acrescido, na   Todavia,  não  obstante  o  apoio  político  à  iniciativa  europeia,
          medida em que a UE não evidenciou intenções de desenvolver   Portugal  ainda  não  se  comprometeu  com  o  empenhamento
          uma operação naval relacionada com esta crise. Os motivos não   de meios operacionais, o que se pode dever a diversos fatores,
          serão  perfeitamente  conhecidos,  mas  podem  estar  associados   nomeadamente  de  ordem  orçamental  e  política.  Efetivamente,
          a  diversas  circunstâncias,  incluindo  a  coincidência  temporal   qualquer  nova  missão  tem  sempre  de  ser  ponderada  tendo
          com  o  término  do  mandato  da  Comissão  Europeia  então  em   em  consideração  os  restantes  compromissos  internacionais  já
          funções (liderada por Jean-Claude Juncker), que desaconselhava   assumidos pelo país, designadamente perante a UE e a NATO. A
          a  assunção  de  novos  compromissos,  até  porque  já  estava  a   este propósito e no âmbito naval, salienta-se que, desde final de
          braços com outra missão de segurança marítima problemática   2019, Portugal assegurou, por três vezes, o comando da Força Naval
          – a operação SOPHIA no Mar Mediterrânio – cuja continuidade
          não merecia a concordância de alguns Estados-Membros, como   da UE empenhada na operação ATALANTA, com staff embarcado a
          a  Itália,  devido  ao  desafio  social  e  político  de  acolhimento  de   bordo de um navio da Marinha Espanhola. Além disso, a Marinha
          migrantes irregulares. O distanciamento face à estratégia norte-  Portuguesa  assegurou  o  comando  do  Standing  NATO  Maritime
          americana relativamente ao acordo nuclear com o Irão também   Group  1,  durante  o  segundo  semestre  de  2020,  com  a  fragata
          terá,  certamente,  contribuído  para  evitar  um  empenhamento   Corte-Real como navio-almirante.
          naval da UE naquela região.                          É certo que a participação na operação AGENOR ganharia outra
           Com a UE à margem de qualquer abordagem militar, privilegiando   prioridade  para  Portugal  caso  essa  operação  se  inserisse  no
          a diplomacia pura, as reticências da maioria dos Estados-Membros   quadro da UE, mas não tem sido essa a opção dos europeus, nem
          em se associarem à confrontação entre os EUA e o Irão terão   se vislumbra que possa vir a ser, a menos que a França (agora sem
          determinado a sua postura estratégica, nomeadamente quanto à   o Reino Unido na UE) viesse a forçar essa transição.
          preferência em integrarem uma iniciativa de segurança marítima
          de liderança europeia, totalmente independente da americana.
          Foi  nesse  contexto  que,  após  a  renúncia  do  Reino  Unido  (que   CONSIDERAÇÕES FINAIS
          se associou à operação SENTINEL), a França tomou a dianteira
          e conseguiu o apoio político de Alemanha, Bélgica, Dinamarca,   Com a eleição de Joe Biden e o restabelecimento de negociações
          Grécia,  Itália,  Países  Baixos  e  Portugal,  para,  em  conjunto,   (indiretas)  entre  os  EUA  e  o  Irão,  para  um  eventual  regresso
          lançarem,  a  20  de  janeiro  de  2020,  a  European-led  Maritime   dos  americanos  ao  acordo  de  2015  (Joint Comprehensive Plan
          Situation  Awareness  in  the  Straight  of  Hormuz.  Esta  iniciativa   Of  Action),  entreabriram-se  novas  perspetivas  para  a  crise  no
          deu lugar à operação AGENOR, iniciada em 25 de fevereiro de   Estreito de Ormuz, apesar do aparente impasse negocial.
          2020, em que participam navios e aeronaves de patrulhamento   Relativamente ao domínio marítimo, a situação no Estreito de
          marítimo de França, Dinamarca e Países Baixos.      Ormuz afeta gravemente a liberdade de navegação, com impacto
                                                              na  segurança  energética  e,  em  termos  mais  latos,  na  própria
          A POSTURA ESTRATÉGICA DE PORTUGAL                   segurança regional e global. Contudo, o diferente posicionamento
                                                              político  de  alguns  dos  subscritores  do  acordo  nuclear  com  o
           Ao  longo  desta  crise,  Portugal  manteve-se  alinhado  com  as   Irão  e  o  receio  de  um  efeito  contraprodutivo  na  escalada  das
          posições políticas da UE relativamente à importância de manter   tensões inviabilizaram o envolvimento operacional por parte das
          o acordo nuclear com o Irão e de envidar todos os esforços para   organizações  internacionais  habitualmente  mais  empenhadas
          reduzir as tensões, assim se justificando a opção nacional pelo   na área da segurança e defesa: ONU, NATO e UE. Isso levou ao
          apoio político à iniciativa europeia em detrimento da americana.  estabelecimento de duas iniciativas multinacionais autónomas,
                                                              mas  compatíveis  e  complementares,  uma  lançada  pelos  EUA
                                                              (International Maritime Security Construct – operação SENTINEL)
                                                              e outra sob liderança europeia (European-led Maritime Situation
                                                              Awareness  in  the  Straight  of  Hormuz  –  operação  AGENOR).  A
                                                              recente tensão diplomática entre Paris e Washington, pelo facto
                                                              de  a  Austrália  ter  cancelado  a  encomenda  de  12  submarinos
                                                              convencionais  franceses,  substituindo-a  por  um  acordo  para  a
                                                              aquisição de 8 submarinos nucleares, não irá certamente ajudar
                                                              a uma aproximação entre essas duas iniciativas no domínio da
                                                              segurança marítima.



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                                                                                                            COM
                                                                                                         Silva Pinto
                                                                                                            CMG
   Maritime Patrol Aircratf francês em patrulha no âmbito da operação AGENOR.                        Rodrigues Pedra
                                                                                                             CFR


                                                                                                   MARÇO 2022  5
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