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REVISTA DA ARMADA | 572
SAÚDE PARA TODOS 95
POLIOMIELITE
A poliomielite, também chamada de pólio ou paralisia infantil, é uma doença infeciosa viral altamente contagiosa que invade o siste-
ma nervoso e pode levar a uma paralisia irreversível, bem como à morte, em casos extremos. A doença não tem tratamento possível,
contudo pode ser prevenida por vacinação. Atualmente esta doença é endémica apenas em dois países: Paquistão e Afeganistão,
porém a 17 de fevereiro de 2022 o mundo acordou com a notícia de um surto de poliovírus selvagem tipo 1 no Malawi, após deteção
de um caso no país, o primeiro em 30 anos, e o primeiro em África desde há 5 anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já iniciou
uma campanha de vacinação em massa contra a poliomielite na África Austral. É importante recordar que enquanto não se eliminar
totalmente a poliomielite, as crianças de todo o mundo correm o risco de a contrair.
ETIOLOGIA
poliomielite é o nome da doença causada pela infeção com
A poliovírus. Estão identificados 3 sorotipos (tipo 1, tipo 2 e
tipo 3) e todos são extraordinariamente virulentos e produzem os
mesmos sintomas, contudo o tipo 1 é a forma mais frequentemente
encontrada e a mais associada à paralisia. Estes vírus causam
doença exclusivamente em seres humanos. O contágio ocorre
maioritariamente de pessoa para pessoa, através de secreções
orofaríngeas (via oral-oral), mas também por contaminação com
fezes (via fecal-oral), como acontece com água ou alimentos
contaminados. O tempo entre a exposição e os primeiros sintomas
(período de incubação) varia entre 3 e 35 dias. Uma pessoa infetada
é contagiosa ainda antes de apresentar sintomas e só deixa de o
ser várias semanas depois da infeção, já que mesmo sem sintomas
o vírus continua presente na sua saliva e fezes. A 25 de agosto de 2020 a OMS declarou que apenas dois países
do mundo ainda mantinham casos de transmissão (Paquistão
MECANISMO DA DOENÇA e Afeganistão) e que "o mundo está mais perto de alcançar a
Ao entrar no corpo humano por via aérea ou digestiva, o poliovírus erradicação global da pólio". Segundo a OMS, em 2021 apenas cinco
infeta imediatamente as células com as quais contata: mucosa casos de poliovírus selvagem foram identificados no mundo inteiro.
orofaríngea e intestinal, e começa a replicar-se. Durante cerca Sabe-se que a poliomielite é mais frequente em crianças < 5
de uma semana multiplicam-se e difundem-se para as amígdalas anos. O risco de desenvolver paralisia parece estar associado a
e gânglios linfáticos. Posteriormente os poliovírus entram na estados de imunodeficiência, desnutrição e gravidez. A gravidade
corrente sanguínea e disseminam-se por todo o organismo. da paralisia parece aumentar com a idade (adultos desenvolvem
Numa percentagem pequena de casos o vírus replica-se também paralisias mais extensas que as crianças) contudo esta é uma
no tecido adiposo ou mesmo nos músculos, causando sintomas complicação que atinge qualquer idade, sexo e estrato social.
semelhantes aos da gripe. Em menos de 1% dos casos o poliovírus,
por mecanismos ainda desconhecidos, invade o sistema nervoso MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
central (SNC) provocando resposta inflamatória local, havendo Esta é uma doença geralmente assintomática (aproximadamente
destruição dos neurónios motores, causando paralisia. 90% dos casos). Quando a doença é sintomática esta pode causar
uma poliomielite ligeira (cerca de 8% dos casos) ou grave (menos de
EPIDEMIOLOGIA 2% dos casos). A poliomielite ligeira carateriza-se por mal-estar, fadiga,
A poliomielite foi reconhecida pela primeira vez em 1840 por febre, odinofagia (dor de garganta) e sintomas gastrointestinais
Jakob Heine mas o poliovírus só foi identificado em 1908 por Karl (náuseas, vómitos, dores abdominais). Estes sintomas normalmente
Landsteiner. A história está repleta de epidemias de poliomielite desaparecem até ao 3º dia. A poliomielite grave surge quando
e esta foi uma das doenças infantis mais temidas do século XX em a infeção progride e atinge o SNC. Nestas raras situações, após os
todo o mundo, já que levou a milhares de pessoas a adquirirem sintomas ligeiros iniciais, o doente agrava com cefaleias e mialgias
deficiências físicas permanentes. A vacina foi desenvolvida em fortes, irritabilidade, rigidez do pescoço, dores nas costas e, em
1950 e os casos têm diminuído desde então. Muitas entidades algumas zonas da pele, podem ocorrem sensações de picadas e uma
apoiaram e ainda apoiam a vacinação de todas as crianças, entre
as quais a OMS, UNICEF, Rotary International e GAVI Alliance invulgar sensibilidade à dor (devido à infeção das membranas que
(iniciativa da Fundação Bill e Melinda Gates). Desde 1988 o revestem o SNC, as meninges). A infeção nesta altura pode estabilizar,
número de casos de poliomielite diminuiu 99,9%, de cerca de e o doente recupera habitualmente sem sequelas, ou pode progredir
350.000 casos em mais de 125 países endémicos, para 29 casos pelo SNC com destruição dos neurónios motores da medula espinhal
relatados em 2018, mundialmente. e do cérebro (o que acontece em menos de 1 em cada 200 casos de
Portugal tem o certificado oficial da OMS de eliminação desta infeção por poliovírus). A lesão do SNC causa paralisia. Conforme a
doença desde 2002, sendo que o último caso de poliomielite, com área afetada a paralisia pode ocorrer em apenas um grupo muscular,
paralisia por vírus selvagem, registado em Portugal verificou-se num membro completo, em dois membros ou mesmo nos quatro
em 1986. A eliminação desta doença em Portugal foi conseguida membros (tetraplegia). Pode também ocorrer dificuldade em
após uma campanha de vacinação em massa em 1965/66 e pela engolir saliva, alimentos líquidos e sólidos, bem como dificuldade
aplicação do Programa Nacional de Vacinação, desde 1965 até respiratória. Atualmente, com o desenvolvimento da medicina
hoje, com elevadas coberturas. intensiva, a morte por poliomielite é rara.
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