Page 31 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 575
ESTÓRIAS 81
HISTÓRIAS DE MEMÓRIAS VIVIDAS DOS
USOS, COSTUMES E LIÇÕES DE VIDA
PARTE II – UMA BOA LIÇÃO DE LIDERANÇA
Autor: 2TEN TSN-ARQ Paulo Guedes
urante a nossa recruta na Escola de Fuzileiros (EF), um dia na posição de sentido, sem mexer um músculo como era exigido
Dfomos avisados que não haveria instrução, pois seríamos naquela situação, percebi que o comandante Carlos Pecorelli se
visitados pelo Presidente da República, que por lá iria almoçar. aproximou bastante de mim e disse baixinho:
(Para quem não sabe, na EF os cadetes faziam uso total da – “Senhor cadete, sabe que é mau sair da EF de salto!”
messe, como se de oficiais se tratassem, só ali não dormindo). E subindo o tom de voz, sempre perto de mim, acrescentou:
O Presidente e a sua comitiva chegaram, fizeram a sua visita e – “E o Senhor Cadete também sabe que vir para uma formatura
dirigiram-se para a messe para almoçar. sem a farda devidamente completa é muito mau!”
(Aqui abro um parêntesis para referir o facto deveras notável de Aí, consegui com algum esforço movimentar os músculos dos
ter sido nesta recepção, vão quase cinquenta anos, que nasceu olhos e verificar com algum temor que, no solo à minha roda,
a febre das selfies. É verdade! O nosso amigo Januário não deu havia uma luz amarelada. Com a pressa, na altura em que tinha
descanso ao Presidente da República, sempre na sua peugada, mudado de roupa, esqueci-me de trocar as meias e estava com
na expectativa de ficarem ambos numa mesma fotografia, para umas meias amarelo berrante (grande moda na época…), com
poder mostrar a familiares e amigos.) a agravante de as minhas calças, depois de algumas lavagens,
Entretanto verificou-se que, face ao grande número de pessoas terem subido uns dois dedos. Logo ali percebi que algo de muito
que faziam parte da comitiva oficial, os cadetes não tinham lugar mau me iria acontecer…
à mesa, pelo que foram enviados para a copa/cozinha. Nessa Então o Comandante Pecorelli, já praticamente de braço dado
altura, eu e mais dois cadetes (que não me compete referir) comigo, a boca a dois centímetros do meu ouvido, disparou
resolvemos que, não tendo que estar presentes no almoço e não naquele tom de voz bem audível que ele tinha:
havendo instrução da parte da tarde, o melhor que tínhamos a – “Mas Senhor Cadete, sair de salto e vir de meias amarelas
fazer era dar o salto e voltarmos no dia seguinte de manhã, bem para a formatura, isso é mesmo f...dido, Senhor Cadete!”
cedo (este trio já fazia isto com algum à-vontade, mas só ao final E deu uma daquelas gargalhadas tonitruantes e bem-dispostas a
do dia, quando não havia exercícios nocturnos). Bem dito bem que já nos tinha habituado durante o curso, e mandou destroçar
feito. Só que alguém se apercebeu da fuga e, a meio da tarde, foi sem mais nada acontecer.
ordenado que os cadetes fizessem uma formatura na parada. Já
em Lisboa, fomos avisados da situação e rapidamente voltámos
e fomos à tabanca (local onde nós dormíamos) tirar a roupa José Pedro Pimentel Mesquita e Carmo, 14º CFORN
civil e vestir a farda, isto tudo muito à pressa, e lá chegámos à In Crónicas Intemporais da Guerra e da Fraternidade, 2019
formatura, tendo eu ficado num dos seus extremos. É então que N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
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