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REVISTA DA ARMADA | 579
da autoridade estadual no mar. A Marinha compreendia Continua a haver espaço para a atuação de outros departamentos
organicamente órgãos e serviços da Autoridade Marítima do Estado, de acordo com as suas competências. Sempre que
Nacional (AMN), integrantes de sistemas regulados por estes não disponham de meios próprios, os meios da Marinha
legislação própria e que asseguravam o cumprimento de poderão ser empregues em apoio, em linha com a lógica de
missões particulares. racionalização de recursos e de potenciação de atuações.
A lei orgânica aprovada em 2014 manteve a lógica de O caminho a seguir, em termos de segurança dos espaços
integração e complementaridade, visando empregar as marítimos onde Portugal exerce soberania e jurisdição, ou onde
capacidades da Marinha em atividades de natureza militar se projetam os seus interesses, passa, indubitavelmente, pelo
e atividades não militares. Clarificou-se, nesta orgânica, o reforço da colaboração institucional entre os vários setores do
relacionamento institucional com a AMN, passando a integrar Estado com responsabilidades nesta matéria.
a missão da Marinha a responsabilidade por disponibilizar os A Marinha, fruto da experiência acumulada, congrega um
recursos humanos e materiais necessários ao desempenho vasto conjunto de competências em matéria de segurança
das competências dos órgãos e serviços da AMN (na esteira marítima, que lhe permitem potenciar o modelo de duplo uso.
do estabelecido na Lei Orgânica de Bases da Organização das Este modelo aproveita as sinergias de meios navais capazes de
Forças Armadas). desempenhar uma multiplicidade de missões e com capacidade
O modelo de duplo uso visa, assim, uma atuação integrada de se adaptar a alterações táticas e estratégicas, no balanço
e complementar, destinada a garantir uma judiciosa utilização entre defesa e segurança.
dos recursos existentes, criando sinergias a partir de um núcleo Uma Marinha de duplo uso é a opção mais lógica, não sendo
comum (cultura, organização e recursos). É uma solução que possível manter níveis de desempenho, de prontidão e eficiência
obedece, essencialmente, ao princípio da economia de meios elevadas, para um país de escassos recursos humanos, materiais
e potenciação de atuações e, como tal, especialmente indicada e financeiros, com duas estruturas – militar e não militar - se
para Portugal, já que a disponibilidade de meios e a diversidade estas funcionassem independentemente.
de interesses não aconselham a dispersão de recursos. Em suma, considero que a Marinha deverá ser o órgão do
Considero, pois, mais adequado, exequível e económico Estado com obrigação de apoiar todas as entidades que, em
centrar a maioria das funções operativas no mar numa única razão das suas competências e do espaço, tenham que atuar
entidade que, por razões de escala, consiga obter a mais no mar, evitando-se, dessa forma, a dispersão e proliferação
elevada racionalidade no planeamento, emprego e sustentação de recursos de custo avultado, com a aquisição, manutenção e
dos meios, o que implicará optar por uma Marinha multifunção, operação dos meios, em funções muito dedicadas, específicas
ao invés de pulverizar recursos, estruturas e competências e, muito provavelmente, de fraca taxa de emprego.
operativas por várias entidades, compartimentando a ação
no mar de forma indesejável e contrária a uma concentração
funcional – de capacidades, recursos e competências.
Gostaria, no entanto, de frisar que a “Marinha de Duplo Uso”
não deve ser entendida como um modelo radical, disruptivo
ou de exclusão, mas antes como um modelo conciliador, que Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo
privilegia a integração, a racionalização e o esforço coletivo. Almirante
Foto 1MAR L Pereira Miguel
DEZEMBRO 2022 5