Page 56 - Revista da Armada
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pois pois, na medida em que ... ;
da «gente bem », esse mantém-se e vai ganhando
cada vez mais adeptos.
Modernamente apareceu, e esta não sei como, uma
frase que combina maravilhosamente com o «pois»
que é: «na medida em que».
Não há discurso, palestra, colóquio, seminário, mesa -
redonda, sessão solene ou simples brinde familiar,
feito por «pessoa bem », ou com pretensões a isso, "'I
em que o «pois » e o «na medida em que» não figu-
rem várias vezes.
meiras-pedras, chegadas e partidas ... tudo leva o ,
Tornou-se assim fácil discursar. Homenagens, inau-
li
gurações, posses, aimoçaradas, botas-abaixo, pri-
seu discursozinho. O «pois», o «na medida em que» ,
conjugados com uma atitude física adequada garan-
tem sucesso a qualquer <<falante» que dele saiba
tirar partido. Querem um exemplo?
Suponhamos que se trata de uma homenagem a um
funcionário que deixa o serviço por ter atingido o
limite de idade:
•. Minhas senhoras e meus senhores (dito isto faz-se
uma pausa prolongada, tosse-se duas ou três vezes,
POK5 ~ olha-se para o tecto e baixa-se o olhar ràpidamente,
P<DE~ levanta-se novamente o olhar até à horizontal, enca-
o o ra-se a assistência, faz-se novamente pausa cu rta e
começa-se):
«Pois», estamos aqui reunidos ... etc. «na medida em
É recente a história do «pois pois». Começou aqui há que» ... etc ...
anos (talvez 20) com uma revista que esteve em cena Embora não haja pessoas insusbstitu íveis «na medi-
no Parque Mayer. O «compere» terminava sempre as da em que» , como dizia um filósofo inglês «os cemi-
suas rábulas com um «pois pois», dito de maneira a térios da Inglaterra estão cheios de homens insubs-
pôr veneno na conversa - reparem que o «pois pois» tituíveis, «pois» ... etc . ...
dito de várias formas tem significados completamen- (A certa altura, tanto o orador como o homenageado
te diferentes. começam a estar comovidos, o primeiro com a emo-
O certo é que o «Zé» achou graça ao «pois pois», a ção provocada pelas próprias palavras e o segundo,
moda pegou e não se ouvia outra coisa por esse país esse verdadeiramente, por ver que chegou ao fim e
fora.
vai para a prateleira!)
Se a mamã ralhava ao menino malcriado dizendo que E o discurso prossegue:
não devia meter o dedo no nariz, era sabido que ele, «Pois», é com a alma a sangrar, «na medida em que»
mesmo arriscando-se a levar dois açoites, respondia: ... etc .... etc ....
«pois pois »; se a senhora invectivava a criada por Vou terminar abraçando o Sr. F. (homenageado),
ter deixado esturrar o refogado ... «pois pois», rep li- «pois», «na med ida em que» ... «pois» etc . ... etc . ...
cava ela sorrindo; se o professor, furibundo porque (Abraçam-se orador e homenageado, durante pelo
o aluno não dava uma para a caixa lhe fisgava uma
menos um minuto, dando palmadinhas nas costas
orelha perguntando se percebia ... «pois pois», res- um do outro. Entretanto a assistência aplaude e o ~
mungava ele muito vermelho, ciaro que percebia. orador agradece com vários «muito obrigado», ditos •
O «pois pois» dava para tudo! entre os dentes. A cerimónia termina com os pre-
As «gentes bem» também achavam graça ao «pois sentes em bicha a abraçar também o homenageado,
pois», mas a expressão estava por demais popula-
repetindo as palmadinhas. À saída, muito satisfeitos
rizada para entrar no seu vocabulário. E então, adop-
por ter terminado a cerimónia, vão todos murmu-
taram só o «pois» .
rando baixinho para ninguém ouvir: «pois ... P?is ».)
Hoje o «Zé» já raramente emprega o «pois pois»
porque foi adoptando outros «slogans», mas o «pois» M. DO VALE
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