Page 198 - Revista da Armada
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RECORDAÇÕES  DO  PASSADO


             Ano Novo China




             no porto interior de Macau








               o ,!Viso  "Gonçalves  Zarco».  um  dos  primeiros  navios  de   Pcla  cidade,  festivamente engalanada  c  iluminada  ouvem-
             guerra do Plano Naval de 1930, encontrava-se há cerca de cinco   -se, a  toda a  hora, em animad,l funçilo. o alegre estralejar dos
             anos cm comissüo de sobcrani<l  no E~trcmo-Oricnlc, com per-  panchões e dos fogos de artificio. o estrondo dos morteiros, o
             manênciasvari<Ívcisnos territórios da India, Macau cTimor.   ruído permanente dos socos de madeiri' ealç,ldos pelos chineses
               No dia 24 de Janeiro de 1961, quando ii bordo se tomou co-  mais tradicionais - alguns envergando a sua cabaia -, o carac-
             nhccimCllloda captura do paquete "Santa Ma ria» por Henrique   terístico baralhar das pedras do «mah-jong» c tudo isto  com o
             GalvflO, o navio encontrava-se ,ltracado à ponte 0."8 do porto   fundo musical longínquo das dolcntes c misteriosas canções das
             interior de  Macau,  para  a  realização de  importantes fabricas   «pipaehai".
             cfcctu,ldos pelas Oficinas Navais, entre os quais avultou li subs-  É este conjunto. «sui generis», que forma o ambiente e a at-
             tituiç,io dos dois grupos clcctrogéncos. para o que foi llcccssftrio   mosfera festiva do Ano Novo China, num,l singular conjugaçilo
             fazer UOlll grande abertura no costado.            de alegria, com unh:lO. harmonia e esperança, em busca da felici-
               No  sentido  de  proteger o  navio  contra  qualquer cvcntu,ll   dade ..
             ameaça resultante de alguma alteraçilo pontual da ordem públi-  Ao porto interior acorreram mil hares de embarcações chine-
             ca -  como refiexo daquele importante ilcontecimento politico   sas, motorizadas c ;1  vela. dos milis vilriados tipos e procedências.
             -, a qUill seria muito facilitada durante o bulício citadino moti-  que  muito  ordeiTilmente  iam  sendo  devid,lmentc  arrumadas
             vado pelas festivid,ldes do A no Novo China cuja data se aproxi-  pela  Polícia  Ma rítima,  numa  faina  incansável  que.  só  nos  foi
             mava, os trabal hos foram •• celerados, conseguindo fechar-se  o   dado apreciar devidamente, depois da largada do n,wio d,l ponte
             costado no dia II de Fevereiro e aprontar o "Zarco» para largar   n."H.
             para as bóias, situadas defronte das Oficinas Navais, no próprio   Assim, no di;l  14 de Fevereiro, terça-feim, pelas 09.30 horas.
             dia do início dos festejos.                        o  «Gonçalves Zareo», após uma difícil  manobra, devido ao es-
               O  Ano Novo China é  a maior festividade  tradicion:ll  deste   paço rest rito deixado pelas embarcações chinesas, ajudado pelo
             grande porto do Extremo-Oriente. a qual decorre num ambien-  rebocador «Guia», aproou <)  barra, iniciando o seu movimento
             te  religioso  e  profano.  onde  paradoxalmente,  se  misturam  a   para as j:\ refe ridas bóias.
             família,  negócio e  patriotismo. num estr:lnho conjunto de ale-  Da ponte do navio, ao avaliarmos a situaç:io  no belo porto
             gria. misticismo. din heiro e comunidade.          interior,  ficámos  maravilhados pelo  fascinante  espectáculo da-
                Neste período festivo ninguém tmbalh:l, em terra ou no mar,   quela  «verdadeira  cidade  sobre  a  água,  uma  Vencza  fiutuan-
             c  nele comparticipam todos, sem qU:lisquer distinções politicas   le» ('), constituída pelo formid:\vcl aglomerado de barcos de di-
             00 sociais. num excepcionlll clima de concórdia. fraternidade e   versas form:ls e grandezas (juncos. sampanas, lorchas, etc.). en-
             igu'lldade.                                        costados uns aos outros, arrumados em filas,  formando uma cs-
               Todos liquidam ,IS suas dívidas. c os amigos trocam cntre si   pécie de rU,IS,  por onde circulavam mui tíssimos tancáscom ven-
             os melhores presentes e votos de fel iz futuro, plcno de venturas.   dilhões apregoando comidas, bebidas, frUlas. doees, panchões,
             comoaconteee entre nós. na época do Natal.         etc .. ou com tancareiTils - com os filhos presos às costas-, que
               Gente  de  vÍlrias  proveniências.  especialmente  de  Hong-  tr"nsportav'lm os pilssageiros dos restantes barcos para terra.
             -Kong, Cant.lo c das povoações ribeirinhas do grande delt" dos   Um,l si ngulilr ,lVenida  principal - p:tra permitir a circulaçáo
             rios Oeste e das Pérolas, visitam em massa a cidade de M:lCllU,   dos b,lrcos de pass,lgeiros para Hong-Kong e Cantilo~separa­
             pejando-a. para se divertirem ii seu gosto-comendo. bebendo,   va  «est,l tid,lde boi<lnte de gente marítima»(' ) em dois grandes
             compnmdo. dançando, amando, jogando c fumando ópio, etc.   blocos: ° de maior dimensflo. enCOSlildo fi  cidade: outro, mais
             - , no desejo eomum de entrarem O Ano Novo cm plena festa   estrcito. fundeildo ao longo do b,lixo (rue separa Macau da ilha
             e prosperidade.                                    da Lapil,
                Nesses  dias,  a  gente  vem  para  a  rua.  homens,  mulheres e   Todas as embarcaçõcs se  cncontravam vistosamente engala-
             crianças - os engraçados «Sili-cós» - de todas as classes.  Des-  nadas, com muitas bandeiTils.  galhardetes e tiras de pano ou de
             ses simp:\ticos grupos destacam-se muitas mparigas bonitas e ai-  papel. com grande  predomínio da  cor vermelha,  representativa
             rosas. com a graça colcante das suas belaseabaias de seda, muito   da festa e da felicidade.
             valorizadas pelos ele}!antes saltos altos da ultima muda ociden-  A medida que o Ilil\'io, em postos de faina, com o pesso<lr em
             tal,  fi  qual  aderiram  muitos  dos  passimtes.  que  abandona-  impec:\vel format uril ostentando O azul das f,lrdas e ii alvura dos
             rilm os seus usos c vestu.irios ancestrais, entre eles o «rabicho",   bonés. ia  av,lnçando lentilme nte entre t:lIlIOS milhares das pes-
             praticamente desaparecido.                         soas embareildas, ii ildmiraç:io, as exclanlilções, a gritaria e o en-
               Sente-se noar um ambiente diferente do habitual: há um vlli-  tusiasmodoschineses tilmbém ia aumentando, numil form,l con-
             vém eontínuo e ruidoso, m,IS calmo, ,Ilcgre c pachorrento, como   tagiosa. ao mcsmo tempo que pareciam redobr,lr os toques dos
             a própria alma chines'l, onde todos se deliciam com ii profusüo   seus "Ian-tan~» e o estrillej:lr dos seus panchões, como se quises-
             c o encanto das  lojas, milgnifkarncnte decoradas e  iluminiuJas e   sem  homen,lgeilr aquele  inesperado  navio quc,  na sua grande
             rcplcta~ de apetecíveis presentes, com a v,lriedade e apresenta-  maioria - ror serem forilsteiros - nunca tinham ilVistado.
             çüo dils cxtraordin{lrias iguari'ls da mar,lvilhosa cozinha chinesa   Estes inolvid,íveis ins1<lntes - cerca de vinte minutos, talvez
             expostas nos numerosos restilurantes, alguns deles ,lmbul,mtes,   unicos n'l história do pOrto de Macau, pois certamente nenhum
             e. ilCinw de tudo, com ii ,ltracçiio irresistivel das numerosas ban-
             cas  de  jogo  improvisildils,  estrategicamente  espalhadas  pelas
             principais  artérias  citadin'ls.  onde  acorre  um:l  multidilo  de   I')  C""''''II/''''I<"  S"",/,.  dI'  V"IC""CI'lO_ç.  ;"  . P"y.mg<'trS  '/0  Mllr~ .
             orientais e "lguns ociúent" is. desejosos de comparticiparem nos   /8'1').
             v{lrios jogos ,wlOrizados. numa excitaçiio c num fervor generali-  I ')  ( '"",,,,,,/,,,,11'  W,'""(,s/",,  ,h'  I\I""W\'.  ;"  . Tm~'oI do  Oril'''',..,
             zados que impression,lm os nossos espíritos europeus.   1.\"13.

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