Page 81 - Revista da Armada
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De «A SELVA»
(Ferreira de Castro, 1930)
Lá de cima. de um dos canos do barco. Na casa das máquil/as soaram horas, grandeza inabarcável. Depois, a linha
desceram dois apitos, seguidos fogo por q//e ele. ignorante dO.f lOques COI/- pardacellla, que se via de IOl/ge. foi-se
ImUf campaillha amblllanle, qlte dava a vi- venciol/ais de bordo, desistiu de COlllar. apro.rimando, crescendo, alastrando, mI/-
si/as e intrusos asillal de par/ida. Procurava agora, acocora(lo debaixo das dando de cor. Em verde agora e já se veri-
CrI/laVam-se, agora, perllas festas. redes, roçaI/do a c/lrva dos corpos deila- ficava, "ititlamenle, o recorre do arvore-
I/II/i/os dos qlle estavam a bordo volviam dos, a sua mala, perdida elllre a faralldula- do. O . Ju.r/o Chertl/Ollt,. seguia en/re duas
f/() n/i,ç I' lodo" III/do .Ç(' IIfl'Orfl(fII'fI 1II'.~'Sf' gem dos sacos. paneiros e baús seflanejos. margens - /erra baixa, terra em forma-
;nstal/te úllimo da fargada. E, quando a descobriu, lJÔ.v-se a abri-Ia ção, arrastada das cabeceiras e delida ali,
Com o ellurramento das escolilhas, devagarinho, mé que, irritando-o a imobi- par/icllla a particula, ora a enconder·se ntl
gUllhall-se mais superfície lia leruira e 11111 lidade dos compal/heiros, deixoll cair o. á1:ua, ora a expor ao. sol a SilO capa de
e outro sertanejo começou a amarrar a SIlO lamptl com súbilo fragor. Ninguém se me- lama, :mbmisstl ã vomade da.f marb.
ret/e. xeu. No eXlremo da proa cirandavam ain- Cobria-li (lel/.flI vegetação. que .re abrtlça.
A .fereia tio navio tornou a fazer·se 011- da moços de COnVés, mas indiferentes, ,'0. qlle se prel/([ja, formando /IIurallw
",ir - três silvos de despedida que abafa. como os dormit,hocos, aos gestos dele. cerrmlll de /rOI/CDS. fllltZO.V e fofhas.
ram o choro duma criança, villda de afgll- Quedoll-se, depois, com a rede debai- Emm mirill(/es (le variedades, rouballdo-
res, illcomodal;vamente. xo do braço, a consitlerar onde a devia -se 1I11lllllllllellle o carácter, conf/ll/dblC/o-
- Pra/tc/W delltro! pre/lder. Estava ludo cheio. Não havia lu- ·se, confrmemizOIu/a /laqueia lllxúria ~'e
Também da proa se davam ordellS gar para ela. A malta oCllpara todos os va- gelai. Arvore 'fue pre/endera desgrenhar a
para o cais, ollde oRora se sol/OI'om as róes, entrançara-se, aconchegando-se, e cabeleira IIUlis acima da das irmãs, fora
/Imllrras l' 111/10 fila de CllriOSO,f (Iia/ogava mui/os dos que dormiam rOnca~'am, como acompanhada por tão numerosa IIWllidão
com osqueeslavwn a bordo. se estivessem em SilO casa! de lianas e parasitas, que. dentro em pou-
O .jIlSIO Chermonh, alesla(linho Olé Enervado, com lágrimas nOS olhos a co, o desejo se tomara vaidade imi/il.
mais I/ão poder, expol/do nos cOl/veses gritarem a SilO. impotência, arremessou a Quase lIão.se vislumbravam os caules: as
wdo o q/le não coubera nas etllranhas, ini- rede sobre o oleado do. escotilha - e de p/anlas rasteiras, os arbustos, os .tajás .. e
cial'a a SI/a nova viagem ao Madeira. A nol'o se encostou ti amllradtl. os cipós, /lido ocultavam, tudo fechavam,
manobra (Ie (iesatracaçtio era lema, por- E foi só madfllgadtl alta que o frio, inexaravelmente. Os olhos não itlm pam
que o comandal!le Palativa, qual!lO mais acalmando-o, lhe deli poder de adaptaçâo lá da margem, da cortina espessa que res-
fama adqlâria de mestre 110 ofício, mais para ir. resignm/tlmente, inventar, entre a guardava as salas imeriores, as clareiras -
cauteloso se mOSlmva; a I/élict' l!IIrodi- leia das ou/ras redes, !//IS ptllmos vagos se, porl'enlllra. existiam. Alguns fuste.r
IIIOU, por várias veU.f, a água à popa, e, onde pudesse armtlr ti SilO. mostravam IIS raízes cOl/torcidtls no decli-
por várias vezes /ambém, se deteve, não Manhã nasCt!./lte, ainda a cabeça pedia ve que vinha, escorrendo vasa. da crosta
fosse o barco avançar milito e bater 1/0 mais SOl/O como recompensa da longa vi· ol/de se emaranhava aquele mUI/do de pe-
cais, ou descair e abalroar com o .gaio/a» g(fja e já a marinhagem, en/reglle à azáfa· sadelo até a águtl barrenta que o "jus/o
utracado um pouco abaixo. ma da baldeação, obrigavtl lodos eles a Chermonllf sulcava.
Fil/almellle, o pomeiro do telégrafo in- saltarem para o convés, cr/lzado em várias E sempre i! mesmtl coisa! Sempre ti
dicou meia-força aos maquinistas e o . jus- direcçiies por ag/dhetos e esfregadores. As mesma coisa! As vezes, o interminável va·
to Chermol!lJO, flechado por oceanos e vasso/lras que mordiam as tábuas irrita- lodo recortava-se, no cimo, em curvas ca-
tldeuses dos que fíctlvtlm, foi-se dislancia- vam-no ltIntO como se estivesse sendo apli- prichosas. em rendas esmeraldinas, por
(/0 1/0 tranquilidtlde da noite tropical. E cadas ntl SilO própria pele. onde o sol se fillruVtl, cail/do em descol/he·
ainda ao 10l/ge deixtlvtl ver, depel/durados O .,Justo ChermOtIl .. ia, agora, 1/0 baía cidos profundidades; OIl1ras, fechava-se
I/um (/OS flancos da /erceira e iltll1/ÍI/al/OS do Marajó, enCfesptldtl como 11m mar e de em linllo piaI/a, como se por lá houvesse
por detrás, dois sangreI/lOs qUtlflOS de car- margells Ião distantes que se perdiam a andado a tesoura colossal de imaginário
ne - reserva da COptl (/fé a IIIOfle de Olllro olho m/. jardineiro.
boi. Ao longe e com rumo contrário fltlve-
Na.f conl'eses. os passtlgeiros, l/esprel/- gavtl olllro ",gtlioltl,. -/1m rolo de fumo no
l/idos já de lIlIIigos e parellles, c/lidal'um ar e o amarelo do casco avivaI/do-se sob o
l/e se i,lS/altlr. numa súbila adaptação ao sol forre, vibrá/iI e deslumbrante, que Sll- A subida lema. quinze dias bem plua·
I/OVO meio. Em breve, cá em baixo, em re- bitamente se derrtlmara na enorme oval 11- dos dI! Belém tiO Paruiso, gira, girtl a Mli·
dor de Alberto, as redes entrançtlvam·se q/lidtl. Depois de stlber que toda aq/lela ce em luta com a torreme, impaciemal'a
lati/O, q/le difícilmel!le se camin//aritl por água lião era pertetlça do oceano mas sim Alberto, moroso em adaptar-se ao meio.
entre e/as. o corpo da aranha hic/rográfica, vinha-lhe O ~jllsto Chermom .. ora enfitlva pelos
Desejos, ideias e sel/sações eram ape· o asSOlllbro da vaslidüo, do que pesa e es- estreitos .. paranás,., tdo ocultos lias mar-
nas nlllrmurtldos, porque tli"dtl nil/guém maga pormenores e, pela Sl/(/ grandeza, é gens que o barco dir-se-ia emrar 110. pró-
eslava senhor de si e, ntl ânsitl de conquis. refractário à fria análise. pritl floresta, ora despacllava pam o c/II os
tar espaço para o repouso, haviam-se tres· O .. jus/o CltermlJlll,. cabece(lva sobre rolos do .feu fumo em pleno cemro do rio.
malhado e tlvizinlltldo membros de rebtl- ondas de dorso atlõlllico e fundo regaço e E, então, se os olhos se dirigiam para a
nhos diferellfes. o O!llro navio, que singrava a dis/(íncia, freme, a safdll /Ornava-se Ião misleriOS(j
Um cão ladravtl para a sombra dos dir-se-ia, por I'ezes. subverrido, ficando à como fora a enlrtldtl - tudo sefl'a, sefl'a
"pom&sJO qlle o .,Justo Cherlllont .. ia /0· superficie que os olhos abrtlflgiam apenas por toda a parte, fechando o horizome 1111
deal/do, na boja adormecida. os mastros. Surgia de novo, primeiro o primeira curva do monstro liquido. As
I
- Chõ, {l,fM/ltO. - Ma.fa ,·oz dor/ollo cano, llepois a li"ha 110 cOl/vés, para de suas pequenos veias, que dtll'Om passagem
fi-lo variar apenas de intenção e pôs-se a I/OVO submergir, "UIII jogo que estarrecia a grandes fransutlõmicos e que ntl geogra·
/lh'ar Iristemeflle, lugubremellfe. espírilos profanos. As canoas, bulouçall- fia ellropeia figurtlriam como rios primor-
Alberlo afastou-se, para encostar-se ti do·se à esquerdo. e ti direita, à popa e à diais, só se rel'e/avam plel/ameme às pupi.
aml/ror/a, ",aisa/ém. proa, eram gramles aves tl/orltls que flu- las mestras dos "práticos .. - sábios em coo
l!/(/vam com lima asa estendida para o céll nhecl!r a assombrostl lrama fluvial, embo·
e arra.rlada pelo vento. E tudo beija(lo pelo ra ela prillcipia.fse em Salinas, que se de·
Belém tomam-se já um clarão 101lgil1- sol, qlle se colm'a ti água, se infíllrava lia bmçal'a sobre O Ai/ãll/ico, e fOHe termi-
quo, poolha luminosa [lllluame 1/0 espa- primeira camada e fazia mOl'imemar /lO IlOr. para a ntlvegtlção brasileira. I1I1S froll-
ço. O cão emudecera e ouvia-se, ni/ida- convés, conforme as I'ollas do leme, a.v /eirus c/o Pefll 011 da Bo/ivitl. após (/lIar('l/-
mente, a proa do navio cOfiaI/do a água da sombras de bordo. la dias de vitlgem. Os o/IIos profallos lião
bala, numa Icma aproximação da mancha A travessia demoroll algllmas horas. E el1COl1lravtl/1/ referindo //tIqueltls margel/.f
negra da floresta. sempre, sempre, a mesmtl sl/gestâo de sempre iguais, lia ~'egetação que se repefia.
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