Page 188 - Revista da Armada
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AO
Pelo v/aim. Silva Braga
errlvel frase esta que aos
ouvidos de todos nós, mario
T nheiros, ressoa como um
dobre sinistro. Ainda tenho em
mim o efeito que produziu este
grito na caJada da noite, em pleno
oceano, e as circunstAncias em que
ele se pronunciou. E passados
tantos anos o espectáculo se apre-
senta à minha memória nos seus
mais nftidos e completos detalhes.
Momentos há na vida do mar
que são anos passados. horas de
angústia e sobressalto e que por si
só temperam a alma rude dos
marinheiros e lhes despertam no
fundo da consci~ncia o pavor e ao
mesmo tempo a crença em qual-
quer coisa superior à nossa frágil
humanidade!
Oua1 de nós, marinheiros, não
conserva ainda nos seus ouvidos a
angústia tarr/vaI desta frase
IIHornem ao Mar!1I Qual de nós se
não recorda de como e quando
estas coisas aconteceram, o triste
caso na sua vida aventureira por
essas imensidades do oceano, onde
nos sentimos na presença de Deus
e onde compreendemos em toda a
sua pequenez, a forma transitória e
imperfeita do nosso pobre ser,
como disse o grande Antero de
Quental!. ..
Navegava a canhoneira «DOurOII
pelas alturas da Serra Leoa, rumo
ao Sul, aproximava-se a derrota dos
célebres e temidos baixos de San- não mostrava nem uma só estrela nente. la de quarto da meia-noite às
tana, que a pedcia de navegar do e o navio parecia singrar numa quatIo o tenente Sarmento, belo e
comandante Alves Branco fazia evi· atmosfera de tinta preta. Mas o mar dedicado companheiro, amigo de
taro Era uma noite escurissima mas era chão e o navio corria as suas quantos o conheciam. Fazia a sua
serena. Mal se destinguia a linha do oito milhas a vapor. Fazia um pouco primeira viagem de tenente, como
horizonte muito curto e soprava de frio. Por vezes um pequeno pas- eu a de guarda-marinha.
uma pequena aragem de nordeste. palhão subia devagar e desfazia-se Era o tenente Sarmento muito
O céu toldado de grossos cúmulos, numa chuvinha miúda e imperti- lido em História e Literatura e,
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