Page 193 - Revista da Armada
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de  vista  prático,  teve  a  vantagem  de
         paralilar  por  completo,  nesse  ano,  o
         comércio  marítimo  entre  o  Egipto  e  a
         fndia e de lançar o pânico nas cidades e
         vilas  ribeirinhas  cujas  populações  as
         abandonaram  fugindo  para  o  interior
         com os seus haveres.  No pr6prio Cairo
         chegou a haver um certo alarme quando
         se soube que uma annada cristã estava
         tão perto da  cidade santa de Meca.
            Será  curioso  referir  que,  após  o
         regresso do Mar Vermelho,  Afonso de
         Albuquerque  escreveu  a  D.  Manuel
         aconselhando-o a construir uma fortaleza
         dominando o porto de Adém com O que
         a cidade ficaria subjugada, e outra na ilha
         de  Massuá  para  servir  de  base  a  uma
         esquadra de galés destinada a ir periodi-
         camente a Suez queimar todos os navios
         que ali  estivessem  sendo  construrdos.
            Admitia  ainda  Albuquerque,  que
         supunha  que  o  poder  do  Prestes  João
         (imperador da Eti6pia) era maior do que   Jud6  1517 - a armOOa d~ Lapa Saarrr d~ Albugaria di(VIft da  Odool!.  Estampa dar .úndar da
         na  realidade era, que,  mais tarde.  com   Indit>.  d~ GasJXlr COrTI!ÍD.  (/010  dD  BibliOl«a  C~l1Irol d~ Mt>rinM}
         a sua ajuda, seria possível aos Portugue-
         ses conquistar  Meca e  Medina e  trocar   cerca  de  oito  meses  construindo  uma   muçulmanos  que,  chegados  por  via
         o corpo de Maomé pelo corpo de Cristo   fortaleza  destinada  a  impedir  que  as   marítima. iam em peregrinação a Meca;
         ou desviar o curso do Nilo e arruinar o   armadas  portuguesas  fossem  ali  fazer   por outro lado.  era o terminal  das naus
         Egipto!  No  entanto,  após  a  morte  de   aguada, o que  equivalia a  tomar prati-  que comerciavam com a Índia,  Malaca
         Afonso de Albuquerque  nenhum destes   camente impossível a sua penetração no   e a costa oriental da África, já que daí
         projectos de grande estratégia voltou  a   Mar  Vennelho.  uma  vez  que  naquela   até  Suez,  devido  à  falta  de  vento,  as
         ser considerado. Daí resultou que nunca   zona não havia mais qualquer outo local   mercadorias eram, nonnalmente, trans-
         os Portugueses conseguiram interromper   onde  fosse  possível  arranjar  água  em   portadas em catures (pequenas embarca-
         duma  forma  definitiva  o  comércio   abundãncia.                   ções,  de  remo  e  vela.  muito  ligeiras).
         marítimo entre o  Egipto e  a  índia.  De   Acomeceu, porém, que durante a cons-  Nos  começos  de  1517.  devido  às
         resto, a partir de certa altura dá mesmo   trução da fortaleza se acendeu a guerra   vicissitudes  que  acabamos  de  referir.
         a impressão que deixaram de estar inte-  entre  os  turcos  e  os  árabes  de  Adém.   encontrava-se  a armada  do  sultão,  que
         ressados em fazê-lo.  Afinal, também lhes   Depois de alguns combates em terra, em   tanto  preocupava  os  Portugueses,  na
         convinha não arruinar as cidades da costa   que grande parte dos soldados de Solei-  cidade de Judá,  com  as  galés desguar-
         indiana.  Por outro lado,  não deixava de   mão Reis  e  Mir-Hocem  se amotinaram   necidas e varadas em terra e as duas naus
         ser conveniente, de quando em quando,   por falta de  pagamento de soldo,  resol-  e o galeão fundeados  no porto imerior.
         capturar uma rica .nau de Meca,. nave-  veram estes atacar Adém por mar.  Mas   à  espera  das  marés  de  Setembro  para
         gando sem  cartaz!                 levavam tão pouca gente na annada que,   carenar.
            Nos começos de Outubro de  1515,   apesar de terem conseguido deiw abaixo   Para substituir Afonso de Albuquer-
         pouco antes do falecimento de Afonso de   parte da muralha da cidade com a  arti~   que  no  cargo de  governador  da  índia,
         Albuquerque,  a  armada  do  sultão  do   Iharia, não a conseguiram tomar.  Deci-  tinha O.  Manuel escolhido Lopo Soares
         Cairo, guarnecida por cerca de cinco mil   diram emão abandonar a construção da   de  Albergaria,  capitão  experimemado
         homens entre gente de guerra e remado-  fortaleza de Camarão e regressar a Judá   mas  algo  arrogante  e  excessivamente
         res, largou de Suez com destino a Judá,   a  fim  de  completar  as  guarnições  dos   prudente, que chegou a Goa em Setem-
         sob  o  comando de  Soleimão Reis,  um   navios.                     bro  de  1515.  Tendo  recebido  ordens
         experimentado capitão que havia adqui-  Entretanto,  agudizara-se  a  guerra   urgentes  do  rei de pôr adiante  de tudo
         rido fama como corsário no Mediterrâ-  entre  o  sultão  do Cairo  e  o  sultão  de   a destruição da nova armada dos Rumes.
         neo e já tinha ido à Índia, disfarçado de   Constantinopla, acabando aquele por ser   gastou  todo o  ano de  1516  aprontando
         mercador, espiar os nossos navios.  Em   derrotado. do que resultou ficar o Egipto   os  navios  com que  pensava  ir  ao  Mar
         Judá,  encontrava-se  Mir-Hocem  que,   numa  dependência  ainda  maior  dos   Vermelho:  quinze  naus  grandes,  dez
         entretanto.  adquirira  duas  naus  e  um   Turcos.  No  âmbito  deste  conflito,   naus  pequenas,  caravelas  redondas  e
         galeão e arranjara muito dinheiro desti-  agravaram-se as dissenções emre Solei-  latinas. oito galés, um caravelão (peque-
         nado à fortificação daquela cidade, pro-  mão Reis e Mir-Hocem que acabou por   na caravela). um bergantim e um junco.
         curando com isso vollar a ganhar as boas   ser assassinado por ordem daquele que   A 8 de Fevereiro de 1517. largou de
         graças do sultão.  Reunidos os navios de   ficou  senhor de Judá.    Goa  a  nossa  annada,  uma das  maiores
         Soleimão  Reis  e  de  Mir-Hocem  numa   A importância desta cidade derivava   que se vira  na  fndia  até então,  levando
         única  armada,  dirigiram-se  à  ilha  de   de dois factores principais: por um lado   embarcados cerca de dois mil portugue-
         Camarão.  onde  se  detiveram  du rante   era a porta de  entrada  para  numerosos   ses e  mil  e  quinhentos auxiliares  cana-

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