Page 343 - Revista da Armada
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Angola - susto no deserto






                 ntrávamos no terceiro ano da segunda Guerra   lo, numa viagem que demorou vários dias e com uma
                 Munctial. Embora Portugal se identificasse como   organização muito complicada e muito pesada. O per-
            Enação neutral, estava, contudo, detenninado a     curso, meio século mais tarde e em tempo de guerra,
           zelar pela integridade do Território Nacional.  esten-  não servia.
           dido por quatro continentes, mesmo com os poucos       Tal situação levou o  comandante Jaime Lopes a  •
           recursos de que dispúnhamos.                        tentar uma viagem por terra aos Tigres, a  fazer pela
               Nessa altura ainda os exércitos de Hitler eram im-  orla marítima. numa carrinha dos serviços. uma Ford
           paráveis. Somavam êxitos militares, de que as emis-  V8,  nova, de mil e quinhentos quilos. sem tracção às
           soras mundiais davam conta diariamente.             quatro  rodas  porque  ainda  não  eJ:<istia.  O  regresso
               Nós, que prestávamos serviço na Marinha de Guer-  poderia ser feito  pela foz  do Cunene, em direcção a
           ra, tínhamos sido mandados para a  Capitania de Mo-  Espinheira.  pela  velha  picada  que,  em  1928,  uma
           çâmedes, no Sul de Angola,  região onde os alemães   comissão dirigida pelo dr. Jorge BobeIa Mota, havia
           haviam sido nossos vizinhos e onde tivemos, com eles,   demarcado .. (3)
           grandes problemas desde que, em 1884, ocuparam, co-    O caminho a utilizar para a ida, era a faixa de areia
           mo colónia sua, o antigo Sudoeste Africano, actual Na-  molhada, mais dura, deixada a descoberto pela baixa·
           míbia, onde estiveram até 1915.                     -mar. Era uma viagem que tinha de ser muito bem cal-
               A  panir dessa ocupação a  Alemanha começou a   culada e o tempo tinha de ser muito bem aproveitado,
           ter ambições territoriais sobre regiões fronteiriças da-  entre as duas marés, pelo menos até passar a região
           quela nossa ex-Província, especialmente sobre a Baía   das dunas mais altas, que na praia·mar ficam encos-
           dos Tigres.                                         tadas à  água.
               Antes do início desta Guerra já viviam  naquelas   Nunca alguém se tinha lembrado de fazer este tra-
           regiões angolanas alguns alemães_ E lá continuaram   jecto em tais condições, pelo menos que nós saibamos.
           sem serem incomodados.  Viviam num país neutro ...   Era realmente uma aventura, que resultava duma ne·
               Entre os habitantes de Moçâmedes havia alguns   cessidade imperiosa de conhecer aquela zona da Cos-
           germanófilos e até, talvez, alguns maus portugueses,   ta, e  duma decisão corajosa de quem a  ordenava. A
           como parece ter já acontecido em  1915. (1)         natureza do cargo obrigava ao risco.
               Tudo isto poderia gerar uma eequinta coluna» pró-  Feita a esquematização da viagem pelo cte. Jaime
            ·alemã, que não garantia descanso às entidades res·   Lopes e constituída a equipa que o devia acompanhar,
            ponsáveis.                                         da qual fazíamos pane, foram cuidadosamente ultima-
               Por outro lado,  diariamente surgiam boatos que   dos os  preparativos, de acordo com o  esquema ela-
            também causavam um certo mau estar e  apreensão.   borado.
            Dizia-se até, e com certa insistência. que os alemães   Lá partimos, numa manhã do mês de .olovembro
            preparavam um desembarque naquelas então nossas    de 1942, em direcção ao Sul, até ao farol da ponta Al·
            praias do Sul.  Claro  que eram boatos,  mas  podiam   bina. Ali chegados inflectimos para a  praia onde ini-
            tornar·se  em  realidade!  Naquela  altura  tudo  podia   ciámos o nosso caminho, à  hora exacta, para melhor
            acontecer,  dum momento para o  outrol             aproveitamento da maré,  na baixa-mar.
               A Defesa Marítima da Costa, no distrito de Moçâ·    Nos primeiros quarenta quilómetros, até uma pou-
            medes, com cerca de quatrocentos e cinquenta quiló'   co a sul da Praia do Navio, tudo correu com normali·
            metros,  entre a  foz  do Cunene e  as Luciras,  estava,   dade.  A  maré  baixa  proporcionava-nos  uma  óptima
            como não podia deixar de ser, a cargo do capitão dos   pista, com um piso de areia endurecido, que convida·
            portos daquele distrito, ao tempo o comandante Jai·   va a um bom andamento. de forma a cobrirmos adis·
            me Lopes, que não tinha à  mão quaisquer meios de   tAncia no tempo calculado.
            defesa.  E os alemlles sabiam issol                    Infelizmente as coisas não se iriam passar sempre
               Uma pane da costa, entre a Ponta Albina e a Baía   assim. Uns quilómetros depois daquela praia, come-
            dos Tigres, não era ainda bem conhecida por terra, de-  çámos a encontrar na areia vários cortes perpendicu·
            vido à sua inacessibilidade a qualquer meio de trans-  lares ao mar, que prejudicavam muito o andamento.
            porte. Abrangia a região das grandes dunas, algumas   Pouco depois começou também uma mareta atrevida,
            com mais de duzentos metros de altura, formadas por   que foi  engrossando sempre. Batia  na carroçaria da
            areia movediça muito fina,  que o vento desloca rapi-  viatura, inundava-nos o sistema eléctrico, resultando
            damente dum ponto para o outro. Era um caminho imo
            possível.
               Sabia·se no entanto que aquele trajecto já tinha si·
            do feito, em 1894, junto ao mar,  pelo médico da Ar-  BIblIografia: (1)  -  Teixelfa, ClJp.  Luis Artur.  Dlario da Campanha
            mada, J. Pereira do Nascimento, que nos deixou um   do Cuanhama, 1915, p.9; (2) - Nascimento (mtJdico),  J. Poeira do.
                                                               Exploraçllo GeogTálica ti Minerológica do Deserto de Moçâmedes.
            circunstanciado diário. (2)                        1894·J895, Lisboa 1898; (3) - Bobeia Mota,  AllredoJ.M., Relatório
               Sabia-se também que, o meio de deslocação utili-  do Posto Administrativo dos Tigres, refefente ao ano de 1934/35,
            zado por aquele médico, tinha sido a  pé ou de came·   ps.40e41.

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