Page 344 - Revista da Armada
P. 344
A Ford V8, amarrada com um cabo a uma estaca de ferro, para n60 ser levsda pua o largo (fotogra/ia do Cle Jaime Lopes).
Crequentes avarias, que nos obrigavam a parar. talvez fosse possível alenar a aldeia, no outro lado da
Ouando púnhamos de novo a carrinha em anda- haJa. Mas estávamos também sem essa possibilidade.
mento verificávamos que era um pouco pesada para Não tínhamos provisões, nem água. Tudo se tinha
aquele piso. Enterrava·se, não obstante a experiente esgotado. Nada mais havia a fazer que não fosse ir um
condução que estava a ser feita segundo as técnicas de nós, a pé, à povoação dos Tigres, pedir ajuda.
aconselhadas para as superfícies arenosas. Mas a distância a vencer rondava ainda os r:t0ven·
A progressão começou a ser lenta. Parávamos ta quilómetros: era necessário ir ao saco da Bala (a qual
constantemente e não nos foi possível fazer o cami- tem trinta e oito quilómetros de comprimento) e o dia
nho das grandes dunas, no tempo previsto. tinha sido fatigante. Contudo, era necessário ir. Ir e
A maré foi enchendo e a certa altura ficámos en- caminhar durante a noite. Não havia outra alternativa.
talados entre o mar e a serrania arenosa das dunas. A escolha para esta missão foi recair no marinhei-
As vagas começaram a engrossar e acabámos por ro auxiliar africano Damião, muito desembaraçado e
parar de vez, sem termos encontrado uma reentrân- experiente. Os autóctones são normalmente bons ca-
cia que nos permitisse um abrigo para a carrinha, até minhelros e muito resistentes.
que a maré voltasse de novo a baixar. No dia seguinte, à tarde, chegaram finalmente as
Não tardou que as vagas começassem a pegar na ajudas esperadas, dos tigrenses, Traziam duas embar-
viatura, e tentassem levá-la para o largo. cações onde vinham as autoridades marítima e admi-
Do nosso equipamento fazia parte uma viga de fer- nistrativa, pescadores e pessoal para pOr a carrinha
ro, que nos foi bastante útil. Metemo·la na areia, de numa das embarcações, que traziam para o eCeito. Não
forma a servir de cabeço. Seguidamente passámos um havia qualquer aparelha de força para ajudar neste tra-
cabo da carrinha à viga de ferro, para evitar que se balho. Foi feito a pulso, Podem calcular as difi-
afastasse para longe, onde as águas eram já muito pro- culdades ...
fundas. Nós. os náufragos do deserto, seguimos então pa-
Depois de todos estes trabalhos, o Sol já caía no ra a aldeia, onde fomos distribuídos por casas parti-
horizonte distante do Atlântico e Aquela hora, já de- culares. Ali não havia hotéis nem pensões. Havia sim,
viamos estar na povoação, ou pelo menos do lado da a franca hospitalidade dessa gente inconfundível que
restinga. Assim não acontecia. Estávamos ainda do la- eram os pescadores dos Tigres.
do do continente, um pouco a sul da zona dos riscos, O comandante Jaime Lopes ficou alojado em casa
em situação embaraçosa. da autoridade administrativa. Os restantes, em casas
Encontrávamo-nos exaustos e completamente en- de industriais e de pescadores.
charcados. Não dispúnhamos de qualquer espécie de No nosso caso ficámos em casa do sr. Maximiano
comunicação, e nem faróis tínhamos para sinalizar a de Figueiredo Cerqueira, comerciante e industrial de
nossa posição. Se os da carrinha pudessem acender- pesca, que vivia nos Tigres desde 1933. Era o pai da
·se quando a noite fria do deserto nos cala em cima, Manuela Cerqueira, mais tarde a autora de a uMenína
17