Page 83 - Revista da Armada
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Cantão onde deixou o embaixador.  Re·   constituída por cerca de cinquenta jun-  ilha da Veniaga mais uma pequena nau,
         gressando depois à  ilha  da Veniaga,  aí   cos bem guarnecidos, destinada a prote·   de que era capitão Ambrósio do  Rego,
         se conservou, comerciando, até  Setem·   ger  a  navegação  e  as  povoações   acompanhada também por um junco de
         bro de 1518. data em que iniciou a via·   ribeirinhas  dos ataques  dos  numerosos   particulares de Malaca.
         gem de regresso a Malaca com todos os   piratas que  por ali  apareciam com fre·   Aproveitando  vento  favorável  ou
         seus  navios  ricamente carregados.   quência. Perante a ati rude dos Portugue·   qualquer descuido dos navios chineses,
            No ano de 1519, foi a vez de ir à Chi·   ses,  de flagrante desrespeito pela sobe·   Ambrósio  do  Rego  conseguiu  furar  o
         na Simão de Andrade, irmão de Fernão   rania chinesa, as autoridades de Cantão   bloqueio  e  juntar·se aos  outros navios
         Peres de Andrade. com uma nau  de el·   ordenaram àquela armada que apresasse   portugueses que estavam na ilha, possi·
         ·rei  e  três  juncos  de  particulares  de   os  nossos navios.    velmente após uma breve troca de tiros
         Malaca. Verificando que O embaixador   Os dois juncos de particulares foram   com os juncos que  os rodeavam.
         Tomé Pires ainda se encontrava em Can·   facilmente capturados.  Mas, com a nau   Reunidos em conselho, os nossos ca·
         tão, entretido com negócios. pressionou   a história  foi  diferente.  Embora  Diogo   pitães chegaram  à  conclusão que,  uma
         as autoridades locais para que o fizessem   Calvo  se tenha desorientado à vista do   vez que não lhes era possível restabele·
         seguir para a corte de Pequim, o que veio   número dos inimigos.  a sua  guarnição,   cer as relações comerciais com os Chi·
         a acontecer em Janeiro do ano seguinte.   reforçada pelos ponugueses que haviam   neses,  só  lhes  restava  tentar  romper o
            Mas  a  embaixada  foi  um  fracasso   conseguido  fugir  dos  juncos,  bateu·se   bloqueio a que estavam sujeitos e regres·
         completo.  Por essa  mesma altura tinha   bravamente e com um fogo cerrado da   sar a  Malaca.
         também chegado a Pequim um embaixa·   artilharia  obrigou  os  atacantes  a   Segundo  parece,  abandonaram  os
         dor do rei de Dintão que não se cansava   afastarem·se.             dois juncos de paniculares,  que seriam
         de acusar os Portugueses de se apresen·   Graças a um feliz acaso, dois dias de·   um empecilho durante o combate, depois
         tarem em toda a parte como pacfficos c0-  pois, a27 de Junho, chegou à ilha da Ve·   de terem transferido as suas guarnições
         merciantes  para,  logo  a  seguir.  se   niaga Duarte Coelho com  um junco do   e baldeado a sua carga para as duas naus
         apoderarem  das  terras  onde chegavam   Estado,  bem  artilhado  e  guarnecido,   e para o junco armado. E, com estes três
        pela  força  das  armas.  E  dava  como   acompanhado dum outro de particulares   navios. sob o comando superior de Duar·
        exemplo o  que acontecera em  Malaca.   de Malaca.  Posto ao corrente da  situa·   te Coelho, fizeram·se ao mar, provavel·
           O pior é que Simão de Andrade,  na   ção, assume o comando e organiza a de·   mente durante a noite. dispostos a jogar
        ilha  da  Veniaga,  tinha  construído uma   fesa.  Decorridos  outros  dois  dias,  a   tudo  por tudo.
        feitoria fonificada,  sem pedir autoriza·   armada chinesa volta a atacar, sendo de   Acudiram logo os juncos chineses e
        ção a ninguém, levantara forca e pelou·   novo repelida pelo fogo da nossa artilha·   em  breve  O combate  assumiu  grandes
        rinho num ilhéu fronteiro e procedia cm   ria após um  combate que se deverá ter   proporções. O ar vibrava com o ribom-
        tudo como se estivesse em terreno con·   prolongado  por várias  horas.   bar  contínuo  da  artilharia,  enquanto  o
        quistado, sem O mínimo  respeito  pelas   Será oportuno esclarecer que, embQ..   mar se cobria com espessas  nuvens de
        leis e  costumes chineses  nem pelas  au·   ra os juncos que constituíam as armadas   fumo  negro  da  pólvora.  Desfaziam·se
        toridades chinesas. Sendo estes factos le-  de guarda-costas chinesas fossem navios   velas  e  enxárcias;  partiam·.se  mastros.
        vados  ao  conhecimento  do  imperador,   muito resistentes e, consequentemente,   Tudo acompanhado dos gritos dos capi·
        não  fizeram  mais  do  que confirmar as   difíceis de afundar a tiro de canhão, ao   tães  dando  ordens,  dos  solda dos
        alegações do embaixador do rei de  Din·   contrário do que acontecia com as naus   animando--se  uns aos outros e  dos  feri-
        tão,  o  que  levou  aquele  a  ordenar que   indianas e as  «naus de  Meca_, estavam   dos  pedindo  socorro.
        Tomé Pires regressasse imediatameme a   tão mal  artilhados como elas.  Por isso,   e certo que o liro dos navios chine·
        Cantão  e  que  os  Portugueses  fossem   no  duelo  de  anilharia  com  as  nossas   ses pouco efeito tinha sobre os portugue-
        proibidos de voltar à China enquanto não   naus,  regra  geral,  poucos estragos lhes   ses. Mas o seu elevado número e as suas
        tivessem devolvido Malaca ao seu  legí·   causavam, enquamo que,  pela sua par·   constantes tentativas de abordagem com·
        timo  rei!                         te,  ficavam com o  aparelho muito ava·   tiru{am uma preocupação pennanente pa.
           Não se sabe ao certo se Tomé Pires   riado e  com  o  convés cheio de  mortos   ra  os  nossos  capitães  que  bem sabiam
        conseguiu regressar a Cantão. O que não   e  feridos.                que, se se deixassem aferrar por um só
        oferece dúvidas é que. em Pequim.  no   Vendo o capitio--mor chinês que não   que  fosse,  nunca mais se conseguiriam
        caminho.  ou  em  Cantão,  morreu  de   lhe era fácil capturar nem afundar os na·   libertar. Por isso, não se cansavam de in·
        doença ou foi  envenenado,  tendo desa·   vias  portugueses,  resolveu  manter·se   citar os seus homens a que disparassem
        parecido toda a valiosa  fazenda que lhe   afastado.  rodeando-os com a sua arma·   as bombardas o mais depressa possfvel,
        pertencia.                        da por forma  a cortar-lhes a saída para   por forma  a  manter os atacantes à dis·
           Entretanto. Simão de Andrade tinha   omar. E nesta situação se conservaram   tância. ao mesmo tempo que procuravam
        regressado a  Malaca,  sem suspeitar da   as duas annadas por mais quarenta dias.   conservar·se juntos e ganhar caminho na
        tempestade que  levantara.        É naturaI  que  durante  todo  este  longo   direcção de  Malaca.
           Em  princfpios  de  Junho  de  1521 ,   com"asso de  espera os Portugueses te·   Por várias  vezes,  um  ou outro dos
        chegou à ilha da Veniaga  Diogo Calvo   nham tentado convencer OS  Chineses  a   nossos navios esteve na iminência de ser
        com uma nau e dois juncos de particula·   pôr flm  às hostilidades e a deixá·los ne·   abordado por um junco chinês. Mas uma
        res de Malaca. Intimado a ir·se embora,   goeiar como anteriormente.  Mas  é ób·   descarga certeira ou uma hábil manobra
        desobedece, fortifica·se cm terra e tenta   via que estes, sentindo·se feridos no seu   no último momento conseguiram sempre
        fazer  negócio à revelia das autoridades   orgulho nacional e encontrando--se numa   salvar a  situação.
        chinesas.                         posição  de  força,  deverão  ter  mamido   Por fim.  a providência veio  em au·
           Tinham  os  Chineses  naquela  área   uma  recusa  inflexível.    xflio  dos  Ponugueses.  Subitamente,  o
        uma poderosa armada de guarda--costas,   Em princípios de Agosto,  chegou à   vento, que era de  nordeste,  começou  a

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