Page 151 - Revista da Armada

dadell, para ir exercer no Ultramar o cargo de gover- co depois de conhecida a sua morte, ctizia: .... Findou
nador para que fora nomeado. o ano de 1886, o mais trabalhoso para mim e aquele
Nesse governo se tomou dentro em pouco notá· em que mais arrisquei a vida. Por vezes me foi neces-
vel a sua actividade, de que resultaram melhoramen· smo usar de um rigor de ferro; mas era preciso fun-
tos sensíveis para a colónia, cujos renctimentos dar o prestígio da autoridade. Os maiores perigos
aumentaram, dando·lhe tal impulso que a fertillssima estão passados, felizmente, e afigura-se-me que o ano
ilha de Timor eepassou de uma colónia imersa em pro· que entra será tranquilo e feliz a todos os respeitos
fundo letargo, sendo muito onerosa para Macau (à qual para esta terra cujo engrandecimento tanto amo
estava então subordinada), a uma colónia próspera e biciono)).
com saldo pOSitivo». «Os maiores perigos estão passados» ... Efémera
Num seu relatório para o governador de Macau, ilusão!...
datado de 1 de Janeiro de 1887, ctizia ele, entre ou· Em 11 de Março de 1887 noticiavam os jornais de
tras coisas interessantes: «Estado alimenticio - Co- Lisboa que ao Governo tinha chegado a notícia do
meçou o perlodo da fome para os indfgenas, o que assassínio de Alfredo Maia, notícia sem pormenores,
todavia não atesta contra a feracidade do solo, mas que só mais tarde foram chegando sucessivamente à
sim contra a indolência dos indígenas e falta de ensi· metrópole, com a lentidAo própria das comunicações
namentos que lhes temos ministrado. - ... Estou con· daquela época, em que se estava ainda longe da rapi·
tinuando com as plantações de café, que ordenei em dez de transmissões que hoje encurta assombrosa·
toda a ilha ... Os indígenas começam a compreender mente, no tempo, as enonnes distAncias que separam,
as vantagens desta cultura, e cumprem sem relutân· no espaço, os vários continentes entre si.
cia as ordens concernentes ... - Tranquilidade pública: Podiam ser diversas as versões quanto a porme·
É geral em toda a ilha, e a cobrança das fintas está nores da tragéctia. mas num ponto eram elas, pode
quase concluJ'd8JI. dizer-se, unAni.m.es: em atribui-la a vingança dos ne-
Mal pensava o desditoso governador, ao escrever greiros contra as medidas de repressão adoptadas pelo
em 1 de Janeiro esta informação optimista sobre a governador contra o tráfico de escravos que, em Ti-
tranquilidade do seu distrito, que, dois meses depois, mor como em outras colónias portuguesas continua·
seria ele próprio a primeira vitima de uma sublevação va a ser o negócio preferido, embora illcito depois das
que, naquela data, nada fazia prever. leis do grande Sá da Bandeira, Que, já cinquenta anos
antes tinham abolido a escravatura.
Um acto de escravatura teria sido, realmente se·
* gundo as versões mais verosimeis, a causa próxima

Nada, de facto, fazia prever a tragédia que se que fez deflagrar a insubordinação dos indfgenas.
desenrolaria subitamente em Dili em 3 de Março de certamente incitada pelos negreiros, ansiosos por um
1887. pretexto para exercerem a sua premectitada vingan-
As notfcias que vinham chegando de Timor e os ça. Foi o caso de um tenente-coronel, de 2.· linha, che-
jornais da metrópole publicavam, desde que Lacerda fe de um suco do interior, que em Dili vendeu duas
e Maia tinha assumido o Governo, eram inteiramente mulheres, uma por uma lata de pólvora, outra por um
contrárias a uma tal previsão. barril da mesma matéria inflamável. Alfredo Maia mano
Assim, por exemplo, em 23 de Outubro de 1886, dou prender os compradores e ctispunha-se a castigar
a Imprensa de Lisboa noticiava que o bispo de Macau, severamente o oficial negreiro. Pediram os moradores
em visita pontifical, era recebido respeitosamente em a liberdade dos presos, que lhes foi negada. O régulo
Timor; que o governador Alfredo Maia "continuava as de Montarei secundou o pedido junto do alferes Fer·
suas excursões pelos reinos, sendo, como sempre, aco- reira, secretário do governo, que não s6 repeliu o pe-
lhido admiravelmente»; que tinha estado. em Agosto dido como ainda maltratou o régulo, procedimento que
anterior, a dirigir umas sondagens mineiras na mono igualmente teve para com um oficial de moradores, e
tanha de Biraque, onde se dizia haver cobre, dirigindo- tanto irritou estes Que logo juraram vingar-se.
-se depois a Maubara e a Cavá, "sendo aqui muito Na manhã de 3 de Março. reuniam-se mais de 200
presenteado pela rainha)); enfim, que depois das assi- moradores e esperavam o secretário do governo (cuja
naladas vantagens que as nossas forças tinham obti- falta de tacto era já notória, motivo por que era detes-
do na última guerra de Maubara, eetodos os régulos tado na colónia), no caminho da casa de campo de La·
buscavam pressurosos mostrar-se bons vassalos». hane, onde então se encontrava com o governador. Foi
E ainda em referência ao governador Ka quem os este avisado, mas imprudentemente resolveu ir sozi-
maiores elogios são bem cabidoSII, a propósito da sua nho a Dili.
repressão da escravatura (que se fazia das Ilhas Ho- Ao encontrar-se com aquela multidão armada e
landesas), a noticia acrescentava: !tEste funcionário exaltada, procurou dominá-la mas não o conseguiu; pe-
continua merecendo as simpatias de toda a gente. Não lo contrário, o facto de vir só mais exacerbou os Ani·
só a administração pública entrou em um perlodo de mos, derivando para ele os desejos de vingança que
actividade e vantagens, que os aumentos de receita tinham, por objectivo o octiado alferes Ferreira.
assinalam, mas a intriga Que a todos malsinava e fe· Assim, redobraram os insultos a ponto de o gover·
ria, matou·a ele, pela imparcialidade, algumas vezes nadar puxar do revólver para se defender. Falhou,
severa mesmo. com que tudo aprecia e julga». porém, o tiro, e então aqueles 200 braços armadoa
O próprio governador, numa carta escrita a um ergueram-se contra ele, que em vão tentou fugir para
amigo, em parte transcrita na Imprensa da capital pou· a cidade.

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