Page 152 - Revista da Armada
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Sob uma chuva de pedras, de paus e de azagaias,   superiores e na opinião pública se faz a  mais completa
           o  desditoso governador, ferido,  caía a  pouca distAn·   justiça, como nem podia deixar de ser. às suas quali·
           cia numa valeta da estrada. ClAs costas foram varadas   dades e  aptidões excepcionais».
           por uma bala que lhe quebrou as costelas e atraves·    Tanto foram apreciados os seus actos de governo
           sou a  pleura;  o crânio meio esmigalhado; o  pescoço   pelo povo culto de Timor que uma espada de honra
           cortado pelo lado anterior e pelo posterior, embora não   estava para ser·lhe por este oferecida como homena-
           chegasse a  separar·se da cabeça; e  mais outros feri·   gem ao seu valor. Essa espada estava já pronta em Lis·
           mentos de menos importância». Assim descreveu na   boa, onde foi feita, para embarcar para Timor, quando
           Voz do Crente, jornal de Macau, uma testemunha pre·   chegou  a  noticia  fatal  do  massacre  do  infeliz  go-
           sencial, o estado miserável em que ficou o desventu·   vernador.
           rado governador.                                       Sentiu dolorosamente a nossa Marinha de Guerra
              Estabeleceu·se o pânico geral. Armaram·se todos   a perda desse ilustre oficial. a quem «José Baptista de
           os moradores e funcionários. Os sublevados cortaram   Andrade, que é  o  protótipo da honra, do saber e  da
           as saldas da cidade, na intenção de apanharem e  as-  valentia, da nossa Marinha actual - dizia um artigo
           sassinarem o  alieres Ferreira,  que entretanto canse·   necrológico publicado em 12 de Março logo que che·
           guiu refugiar·se na casa da Missão e  daí,  depois de   gou a Lisboa noticia do massacre - dedicava afecto
           restabelecido o sossego, embarcar para Surabaia, dono   paternal».  E o  mesmo artigo,  devido,  sem dúvida,  à
           de seguiu para Macau.                               pena de um oficial de Marinha, dizia ainda, referindo·
              E o  malogrado Alfredo Maia Clfoi  sepultado entre   ·se ao ilustre extinto: "devemos todos ao seu brio, à
           lágrimas dos moradores honrados de Dili, que crêem   sua honradez e  aos seus serviços, a  homenagem da
           que tão cedo Timor não terá governador de tão levan-  nossa admiração e  da nossa saudade.
           tadas qualidades.1I                                 A Pátria deve acolhimento à  sua viúva e a  seu filho».
                                                                  O filho  foi  acolhido. no ano imediato, como atrás
                                  *                            ficou dito, no Colégio Militar, onde ficou quando eu
              Assim cessou, aos 36 anos de idade, abrupta e tra-  de lá sai em 1890.
           gicamente, a  vida de Alfredo Lacerda e  Maia, vitima   Nunca mais tive notícias dele.  Perdi-o completa·
           do Dever, que poucos como ele souberam cumprir com   mente de vista.
           alto valor e  brio.                                    Se porventura é  vivo ainda - como é  bem licito
              O que foi o seu curto governo de Timor (dois anos   esperar -, e o Acaso vier a põr·lhe um dia sob os olhos
           escassos) sintetizou-o a1guém  que dali escrevia, em   estas singelas páginas, que ele me perdOe a pObreza
           fins de 1886, o seguinte: «Progressol Progresso e Jus-  da homenagem que Delas quis prestar um colegial, seu
           tiça são as divisas do actual governador; e  ninguém   contemporâneo, provavelmente esquecido, à  memó'
           as poderia seguir com mais inteireza do que ele. É no-  ria veneranda de seu desditoso Pai, notável amamento
           vo aqui, apenas se acha entre nós há um ano; mas já   da Marinha Portuguesa, cujo nome ficou na HistÓria
           tem assinalado notavelmente a sua feliz vinda a esta   Pá.tria como um dos  muitos  mártires  da nossa colo·
           colónia.  Naturalmente alguns dissabores lhe devem   nização.
           ter amargurado a  administração, o que aliás devia já
                                                                                           ln _Marinheiros em Terra.,
           esperar.  Em  todo o  caso  sabemos  que  nas  regiões                         do General Ferreira Martins



                                                        Bibliografia








           «Homens - Baleias - Embarcações»




              Oferecido  pelo  Ex. mo  Senhor  João   osso ou gravura a ponta seca de denles   Flores (o livro, por exemplo, tem tradu-
           António Gomes  Vieira,  recebemos um   polidos.                      ção francesa e foi impresso em França),
           interessante  álbum  de  bilhetes  postais   Editado pelo Museu da Ilha das Flo-  é o que pode chamar-se um pequeno vo-
           - destacáveis para quem desejar fazê-lo   res, e anotado por João Gomes Vieira,   lume com grande valor do seu conteúdo.
           e  funcionando  assim  como  postal  dos   este álbum divulga a aclividade que é já   A .. Revista da Armada,. agradece o
           Correios - que tem, todavia, como ali-  hoje passado artístico e histórico,  dada   exemplar oferecido, que fica a enrique-
           ciante  maior,  dar-nos  um  conjunto  de   a condição entretanto feita da captura de   cer a sua  biblioteca.
           imagens retratando a vida dos baleeiros   cetáceos.
           da ilha açoriana das Flores, desde a faina   Com  a colaboração de várias  insli-
           da perseguição e captura, até aos anJsti-  tuições e individuaHdades, algumas fran-       S. Machado,
           cos produtos artesanais por escultura de   cesas ligadas à Estação de Rastreio das               CMa

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