Page 260 - Revista da Armada
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EDITORIAL
luz dos candeeiros públicos; apreciarmos o luxo requintado de
hotéis dos melhores do mundo, como o célebre La Mamounia
de Marraquexe, aonde Churchill ia escrever as suas memórias,
ou mesmo os Hyatt Regency de Rabal e de Casablanca, onde,
no bar deste último, se pode ver ainda o famoso piano do não
menos famoso filme "Casablanca", enquadrado por duas enor-
mes fotografias dos memoráveis actores que o protagonizaram,
Humphrey Bagart e l.ngrid Bergman; entrarmos, também, no
impressionante mundo, mágico e misterioso, das Hcasbahs" e
das medinas, de que a de Fez é a maior de toda a África do
Norte, por entre O confuso labirinto das pequenas, estreitas e
tortuosas ruelas, com bancadas, lojecas e bazares onde se ven-
dem as mais variadas coisas, desde frutos, maduros e secos, e
ervas aromáticas, até belos artigos de couro, vistosos tapetes e
artísticas peças de madeira e de metal, a preços que chegam a
ser menos de um quinto dos inicialmente pedidos; e embre-
nharmo-nos, finalmente, no fervilhar estonteante dos típicos
mercados populares, os chamados "souks", de que o mais
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assombroso é decerto o que se realiza diariamente, mais anima-
inesquecível Marraquexe, com as suas típicas casas de telhados do à tarde, na imensa praça Jamaâ EI Fna, em Marraquexe, ofe-
verdes e paredes de ocre cor-de-rosa, donde sobressai a sua recendo-nos um espectáculo maravilhoso que jamais se poderã
monumental Mesquita da Koutoubia, mandada construir no esquecer, com milhares e milhares de pessoas, nos mais varia-
século XII, juntamente com a Torre Hassan de Rabat e La dos trajes, agitando-se febrilmente, por entre vendedores de
Giralda de Sevilha, durante a dinastia almohada; admirannos a quase tudo o que se possa imaginar, misturados com músicos,
magnificênáa e a riqueza dos muitos palácios e até dos mauso- bailarinos, acrobatas, malabaristas, prestidigitadores, adivi-
léus reais, alguns deles sumptuosos, como o de Mohammed V nhos, cómicos, palhaços, lutadores, contadores de histórias,
em Rabat, cuja construção ocupou 400 operários durante 10 amestradores de macacos, encantadores de serpentes, cegos e
anos consecutivos, e o de Moulay lsmail em Meknes, o tal sobe- aleijados em súplicas arrepiantes, pedinchões agarra-casacos,
fano alaouita, contemporâneo de Luís XIV, que, segundo cons· carteiristas habilidosos, eu sei lá mais quê, como que transpor-
ta, disporia dum harém com cerca de 500 mulheres e teria tido à tando-nos a uma vivência em plena Idade Média.
volta de 1000 filhos, não lendo conseguido por isso para seu E foi aí, nessa praça, que aconteceu o momento mais como-
filho, enamorado da filha do "rei-sol", a mão desta, que, receosa vente da minha visita a Marrocos: ao fim da tarde e já dentro do
que o filho viesse a ser como o pai, não estaria disposta, como autocarro que haveria de conduzir-nos ao hotel, sentado junto à
nos re1atou com um sorriso malicioso a nossa simpática guia janela, deparei com um garoto, que não teria mais de oito anos,
marroquina Uda. a esperar tanto tempo, no meio de tantas con- que lá fora, de mão estendida, pedia insistentemente uma
cupiscentes mulheres, para que chegasse a sua vez ... ; passear- esmola, enquanto pela sua carita crispada escorriam duas lágri-
mos pelas extensas, largas, modernas e cosmopolitas avenidas mas incontidas. Embora continue a pensar que os grandes pro-
das grandes cidades, de que as principais têm sempre o nome blemas sociais que afligem a humanidade jamais se resolverão
de Mohammed Vede seu filho, o actual rei Hassan li, cuja com esmolas e com peditórios, ainda que porventura bem
fotografia, por vezes com as de seus dois filhos varões, se vê intencionados, não consegui ficar imune àquele patético e lanci-
por todo O lado, e observar, nas noites do mês do ramadão, em nante apelo, nunca mais me saindo da memória o sorriso aberto
que é interdito comer e beber do nascer ao pôr-do-sol, o buliço- e agradecido daquela pobre criança, para a qual uma illsignifi-
so ambiente de cafés e esplanadas, onde praticamente só estão CD/lte nota de dez dirhams sigllificara afinal uma tão grande mas
homens, conforme os hãbitos muçulmanos, enquanto as mulhe- tão efémera felicidade terrena.
res, graciosamente vestidas com as suas coloridas jelabas, pas- A justificar este tão longo editorial, o fado de Marrocos, país
seiam alegremente pelas ruas de enigmas e de mil sóis,
repletas de gente barulhenta, como já alguém escreveu
em contraste com o ambiente algures, e belo e amigo,
pacato e silencioso dos bair- acrescento eu, ser merecedor
ros residenciais, onde, nas de que sejam devidamente
noites calmas, os jovens estu- divulgadas e conhecidas as
dam, atentos e compenetra- suas lindas terras e as suas
dos, sentados nos passeios, à hospitaleiras gentes. .t
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