Page 52 - Revista da Armada
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A .. Vasco da Gama_ desarvorada ~ flntrada do Rio da JEUleiro.
todavia no trato particular; e desse dualismo ouvi dizer ricas de excelente cerveja. E cada um seguiu a sua rota
- que saiam sempre triunfantes 8 justiça e a razão.» com ruidosas manifestações e vivas das tripulações.
ecO navio estava pomposamente preparado, osten- No mesmo dia, da parte da tarde, foi lançado ao
tando um aspecto alegrlssimo. a que davam ainda mar o corpo de um marinheiro que adoecera logo após
maior realce as bandeiras e sinais multicores com que a safda de Lisboa. Foram·lhe prestadas as honras da
estava enfeitada a sua sumptuosidade natural. A tudo. Ordenança.
porém. sobressaía, por um maravilhoso e deslumbran- Seguiram·se longos dias de navegação monótona
te efeitto, o local onde foi collocado o retrato de D. Ma· com calmarias, o pior inimigo dos navios à vela, até
ria n. Assim, poiS,'8 alvorada pela música de bordo, às proximidades do Equador, realizando·se, ao atingi·
o embandeiramento, a fonnatura, a missa, a revista, ·10, a tradicional festa da Passagem da Unha, sobeja·
as salvas, os vivas correspondidos por um grandioso mente conhecida de todos os que sabem dos usos e
unjsono de setecentas vozes, a animação do jantar nas costumes da gente do mar.
tres câmaras e no rancho da tripulaçAo ( ... ), os folgue· Corria ainda o mês de Abril e a nau deslizava
dos. cantares e alegre regozijo da maruja que, por ronceira na imensa vastidão daquele mar equatorial,
vezes, chamou a attenção dos magnates de ré, fizeram sendo a certa altura suspenso o gasto de água a granel.
as delicias e o brilhantismo d'esta festa, que à noite A torneira livre da jarra foi substitufda pelo cano velho
foi coroada pela récita de gala, em que ao excellente de uma espingarda, metido na gargaleira de uma pipa,
desempenho se aliou o mais subido e aprimorado a que chamavam chupeta, e pelo qual bebia a mari·
gosto com que o theatrinho estava ornamentado. II nhagem.
E foi assim que se comemorou o aniversário da Também, mais ou menos nessa altura, o grumete
rainha a bordo de uma nau de guerra, em 1849. que estava a fertos no porão foi chibatado. Eram 11
No dia seguinte, 5 de Abril, pela manhã, o vigia horas da manhã, segundo a descrição do autor do livro,
anunciou uma vela pela proa. Era uma galera arvoran· quando "por todo o navio começámos então a ouvir
do a bandeira americana, que fazia sinais de querer apitos com que, mestre e guardiões. chamavam a
mandar alguém ao nosso navio. Atravessámos ambos gente para a tolda. E. àquella hora sob aquelle arden-
o pano e a galera arriou um escaler que vogou em tfssimo sol da zona tórrida, teve lugar a formatura da
direcção à nau, trazendo a bordo o respectivo piloto. marinhagem. Pouco depois apparecia o desgraçado no
Este explicou que alguns contratempos tinham atra· meio da escolta, e ia tomar lugar no centro do espaço
sado a viagem e o capitão receava que antes de chegar livre da tolda. ( ... ) vinha descalço; vestia camisola azul
ao seu destino lhe faltassem provisões. Levou algu· sobre a camisa branca, e umas calças de brim, man·
mas barricas de bolacha e de carne salgada e voltou chadas de alcatrão, as quaes, por demasiado curtas,
para agradecer a dádiva e retribuir com algumas bar· deixavam ver algumas intumescências provenientes
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