Page 53 - Revista da Armada
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de várias escoriações que as anilhas dos machos lhe    Theodoro José da Silva, que desembarcou no Rio
         haviam feito nos artelhos. Em seguida, collocaram-se   e por lá ficou, no seu livro já citado descreve o desar-
         por  detraz da  victima os tres  ...  guardiões».   voramento da Vasco da Gama. o esforço da guarnição
            Tirada a camisa para verificar que por baixo dela   para desobstruir o convés dos destroços dos mastros,
         nada  tinha  para  protecção,  cada  guardião  tinha  já   embarcações,  velas, cabos,  etc.,  usando  machados,
         aplicado 50 varadas e  eram tão aflitivos os gritos da   facas e até espadas dos oficiais, e refere que apenas
         vítima que o cQmandante mandou suspender e  levar   seis  homens  ficaram  feridos,  aliás  sem  gravidade.
         o homem para a enfermaria. Ent!etanto o sota-gageiro   A nau largou para Portugal em 15 de Setembro de
         do mastro de proa calra do lais da verga indo bater   1850 e  entrou no Tejo em 14 de Novembro.
         com a cabeça na unha da Ancora de bombordo e desa-     O comandante Esparteiro na obra citada esclarece
         parecendo debaixo da água.  O  escaler que foi  logo   que a missão da nau ao Brasil ~era de cortesia e a mos-
         arriado  apenas  apanhou  o  seu  barrete  boiando  A   trar a bandeira, sendo, no entanto, o fim principal da
         superfície.                                         viagem proteger por todos os  meios as vidas. segu-
            No dia 2 de Maio, com 54 dias de viagem, avista-  rança individual e comércio Ucito dos súbditos portu-
         ram finalmente o morro do Pão de Açúcar e as terras   gueses residentes no Rio de Janeiro ou em qualquer
         altas que cercam o Rio de Janeiro. A nau fundeou fora   parte do Brasil onde fosse  precisa e  pudesse chegar
         da barra, porque o vento não era de feição para entrar   a  influência do naviou.
         de velas enfunaclas, como pretendia o comandante. Ali   Dwante a estadia da nau no Rio,  morreu desastra-
         ficou,  aguardando melhores condições, todo o dia 3,   damente ao embarcar no cais para bordo o  capitão-
         e, no dia 4, levantou ferro para entrar, mas o vento caiu   -tenente  D.  José  de  Mello  Breyner.  O  funeral  foi
         completamente e o navio fundeou novamente. Entre-   imponente, tendo desembarcado dos navios portugue-
         tanto, no dia 3,  morrera a  bordo um calafate em aci·   ses todas as forças do Batalhão Naval para as respec·
         dente de  trabalho,  desaparecendo o  corpo  no  mar.   tivas honras, Incorporando-se nele muitos portugueses
                                                             e  brasileiros.
                                                                Mas a tormentosa viagem da Vasco da Gama seria
          DESARVORAMENTO  DA NAU                             ainda agravada pela epidemia de febre amarela que
                                                             assolou o Rio de Janeiro no ano de 1850. Parte da sua
             Diz o comandante António Marques Esparteiro, no   guarnição foi espalhada, aos centos, por diversas casas
         volume 9 da sua monumental obra IITrês Séculos no   de saúde, tendo morrido, no meio de horríveis convul-
         Man, que: «Na noite de 4 para 5, depois da meia-noite,   sões,  cerca de cento e  vinte  homens da  guarnição.
         o vento entrou a refrescar e pelas duas horas da manhã   Era assim a Marinha daqueles tempos heróicos ...
         formou-se um aguaceiro ao WSW, dando vento dwo.
         O navio encontrava·se com dois ferros no fundo ( ... ).
         O mar levantado pelo aguaceiro muito fez sofrer a nau,
         pois,  em pouco tempo,  rebentaram alguns  estais e
         patarrazes ao gurupés, chave de toda a  mastreação,
         e,  quase ao mesmo tempo, todos os mastros vieram
         abaixo,  partidos pelas enoras.
            Durante todo o  dia 5,  debaixo de  mau tempo, a
         guarnição empregou-se a  safar o  melhor possível a
         rascada.
            Pelo meio-dia, o vapor de guerra inglês Hidra saiu
         do  Rio  de  Janeiro  em  socorro  da  nau,  mas  o  mar
         obrigou-o a  retroceder.
            Pouco depois largou o vapor de guerra brasileiro
         D.  Manso.  mas  o  comandante  da  Vasco  da  Gama
         resolveu não aceitar o  reboque por ter confiança nas
         amarras, pedindo ao vapor para ficar  perto da nau.
            Este, que conduzia o comandante da corveta por-
         tuguesa [ris ( ... ) e  alguns oficiais. acedeu ao pedido,
         aguardando sota favorável para lhe passar reboque,
         o que constituía um conforto moral para a guarnição.
            No dia seguinte, 6 de Maio, com melhoria do tem-
         po, o vapor atoou a Vasco e conduziu-a a salvamento
         ao Rio de Janeiro. Aqui foi de novo mastreada e apa-
         relhada, obra em que foram gastos 120 contos, que a
         colónia portuguesa graciosamente pagou (' .. l».
                                                                                                   M.  do Vale,
            O comandante do navio, tendo recebido a  comu-
                                                                                                         CALM
         nicação da sua nomeação para o cargo de governador
         de Macau, entregou o  comando 80 capitão-de-mar-e-
         -guerra Francisco Soares Franco. comandante da cor-   Bibliografia: ~A Ultima Nall Portuguesa.; /fTr's Séculos no Mano.
         veta  lris,  ali  em  comissão,  e  embarcou  na  corveta
         D.  JoAo I  para Macau.                             • •••••••••••••••••••••••••••

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