Page 330 - Revista da Armada
P. 330
Ásia, meio milénio na idade Gâmica
Ásia, meio milénio na idade Gâmica
Bomba nuclear, explosão demográfica
3ª Parte
e a violência é um dos piores males da humanidade, a Ásia é o seis norte-coreanos; o programa paquistanês de fabrico de mísseis de
continente mais gravemente doente. Pelo menos é o continente longo alcance; a fuga de cientistas, de técnicos, de informação e de
Sonde vêm ocorrendo mais conflitos, onde são mais graves os material nuclear da Rússia; a suspeita de cooperação no campo da
riscos da sua internacionalização e onde existe maior perigo de esca- tecnologia nuclear entre o Paquistão e o Irão, apesar da oposição de
lada na violência. Toda a Ásia, desde Israel ou do Cáucaso, a ambos nos apoios que estão a dar às duas partes em guerra no
Ocidente, até às Coreias ou ao Mar da China Meridional, a Oriente, Afeganistão; o crescendo das graves acusações entre a China e a Índia
passando pelo Iraque, Irão, Afeganistão, Paquistão, Índia e Sueste quanto às atitudes belicistas mútuas; o apoio expresso da China ao
Asiático (os Balcãs da Ásia), vive na instabilidade e em sobressalto. Paquistão na questão nuclear; o novo Conceito Nacional de
A China tem problemas, que aliás vem enfrentando com habili- Segurança da Rússia, consagrando a China e o Irão como aliados pri-
dade, em todos os azimutes: Acaba de negociar a confirmação das mordiais e a confirmação, em Abril de 1997, da Parceria Estratégica
fronteiras com a Rússia e três das Repúblicas da ex-URSS, apoia a para o Século XXI, entre a Rússia e a China; tudo isto são alguns dos
Coreia do Norte na sua situação de isolamento quase único, tem con- desenvolvimentos muito recentes que mostram bem a complexidade,
flitos de soberania sobre algumas ilhas com o Japão, luta pela inte- a instabilidade e a tensão das relações internacionais nesta tão vasta e
gração da República da China (Formosa), tem conflito com seis países importante região do mundo.
acerca da soberania sobre dois arquipélagos do Mar da China Mas a Ásia debate-se ainda com um outro problema, dos mais
Meridional, entende que nada de importante pode acontecer no graves deste fim de milénio. A exploração demográfica, que é acom-
Sueste Asiático (onde tem amigos e inimigos) sem a sua participação, panhada, quase sempre, de fome e miséria.
tem problemas de fronteiras com a Índia, sofre forte contestação no Segundo dados da ONU publicados em Setembro de 1998, a Ásia
Tibete e enfrenta atitudes de separatismo na sua região fronteiriça do tem 60,5% da população mundial; as potências nucleares asiáticas
Noroeste. (embora a maioria da população russa seja europeia oriental) têm
Na Ásia existem importantes civilizações, bem diferentes da civi- 43% da população do mundo; e só a Índia e a China têm 37,7% da
lização ocidental que dominou o mundo até há poucas décadas e população mundial.
que definiu os princípios em que se fundamentam as mais actuantes A expansão dos povos desta região, em tempos muito remotos, foi
organizações internacionais, nomeadamente a ONU. É na Ásia que para Sul, como aliás aconteceu em quase todo o hemisfério Norte.
se encontram cinco das oito civilizações indicadas por Samuel A Índia não tem para onde se expandir e os Estados tributários da
Huntington: confucionismo, islamismo, hinduísmo, eslavo-ortodoxis- China até ao princípio do século XIX, ou o território abrangido pelas
mo e ixintoísmo (ou melhor, civilização japonesa). suas mais amplas fronteiras culturais, com excepção da Mongólia,
E os principais depositários asiáticos dos valores destas civilizações são todos densamente povoados. A Sul, o Vietname, por exemplo,
(China, Índia e Japão) nunca aceitaram pertencer a qualquer organiza- que desde o século IV a.c. tem conflitos com a China, tem mais de
ção regional. Por outro lado, hoje têm tendência, todos eles, para 110 milhões de habitantes; mais a Sul ainda, a Indonésia continua a
procurar recuperar os fundamentos das suas culturas, purificando-os perseguir a minoria chinesa que vive no seu território (voltou a acon-
dos estrangeirismos inúteis e descaracterizadores, e revalorizando tecer na actual crise que provocou a queda de Suharto) e é o quarto
tudo o que melhor os identifica mas que também os distingue. país mais populoso do mundo, com 206,5 milhões de habitantes.
Esta evolução, que se vem intensificando, no sentido da afirmação Samuel Huntington pensa que no próximo século as guerras entre
da diferença, do robustecimento da soberania e da recuperação das Estados darão lugar às guerras entre civilizações e receia que a coli-
fronteiras culturais sempre mais amplas do que as fronteiras geográfi- gação das civilizações orientais enfrente a civilização ocidental.
cas internacionalmente reconhecidas, é preocupante porque envolve No entanto, parece que será antes de temer um conflito com
países poderosos que, na instabilidade criada, estão mais empe- origem no Oriente, entre Estados que não se querem submeter ao
nhados em aumentar o seu poder do que em sanar diferendos. controlo dos armamentos e que parecem incapazes de controlar a
Durante todo o período perturbado da guerra-fria (que fortemente se exploração demográfica. Segundo as previsões da ONU, em 2025 a
sentia na Ásia), em que dominou o equilíbrio pelo terror, foi possível Índia (1.330,2 milhões) e a China (1.480,4 milhões) terão populações
manter o clube nuclear reservado aos cinco membros permanentes do mais próximas, correspondendo a 35% da população mundial.
Conselho de Segurança da ONU (EUA, URSS, França, Inglaterra e Se há 500 anos Portugal atingiu o Índico e fez mudar o centro de
China). E era importante que as cinco potências se encontrassem fre- gravidade do mundo do Mediterrâneo para o Atlântico, não parece
quentemente nesse órgão máximo, onde tinham iguais poderes. que o facto de terem recentemente surgido os tigres asiáticos nos
Mas hoje, acabada a guerra-fria, temos, só na Ásia, cinco potências deve levar a concluir que aquele centro de gravidade se tenha deslo-
nucleares “confirmadas e anunciadas” (Rússia, Kasaquistão, China, cado para o Pacífico. Sempre venho afirmando que o peso dos Novos
Índia, e Paquistão) e mais umas três ou quatro suspeitas de possuírem Países Industrializados dependia apenas de uma situação conjuntural,
ou de quererem possuir armas nucleares (Israel, Iraque, Irão e Coreia bem aproveitada pelas multinacionais e pelo processo de globaliza-
do Norte). E estas potências não pertencem a qualquer fórum onde ção da economia, e não de factores do poder nacional de cada um
possam discutir os seus graves problemas de segurança e defesa; além deles.
disso, alguns governos são ditaduras, e quase todos são instáveis. Mas o que se passa com os grandes países continentais é algo que
As ameaças, as condenações ou as preocupações resultantes das resulta claramente de desequilíbrios dos factores do poder nacional.
cinco novas experiências nucleares indianas (três no dia 11 e duas no Não há território nem riqueza que sustente a população e não parece
dia 13 de Maio de 1998), dos seis ensaios paquistaneses (cinco em 28 haver nada que contrarie os extremismos nacionalistas dos povos
e um em 30 de Maio de 1998, para equilibrar os cinco testes indianos nem os projectos ambiciosos dos Governos.
de agora mais o realizado em 1974) e também do ensaio chinês; a
recusa da Índia e do Paquistão em assinar os tratados de Não-
-Proliferação Nuclear e de Proibição de Ensaios Nucleares; o lança- António Emílio Ferraz Sacchetti
mento (em 31 de Agosto e princípios de Setembro de 1998) dos mís- VALM
4 NOVEMBRO 98 • REVISTA DA ARMADA