Page 331 - Revista da Armada
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Restauro de uma relíquia Aeronáutica
Restauro de uma relíquia Aeronáutica
o Hidroavião “Santa Cruz”
o Hidroavião “Santa Cruz”
Marinha criou, em 1917, uma Direcção de Aeronáutica
Naval, tendo o Centro de Aviação Naval de Lisboa, insta-
Alado na Doca do Bom Sucesso, como a sua principal
base, complementada mais tarde pelo Centro de Aviação Naval
de Aveiro, em S. Jacinto. Aquela Direcção dependia directa-
mente da Majoria General da Armada, órgão máximo da estrutu-
ra militar da Marinha.
É justo referir que o entusiasmo de Sacadura Cabral contagia-
va nessa altura largos sectores da Marinha e em especial o seu
Ministro, Comandante Azevedo Coutinho e que as suas su-
gestões tinham levado os responsáveis da Marinha a acreditar na
importância de possuir uma aviação própria.
A seguir ao voo à Madeira, Sacadura Cabral propôs efectuar a
ligação aérea entre Portugal e o Brasil.
Havia razões políticas muito fortes para esta iniciativa.
O Brasil comemorava o Primeiro Centenário da sua O hidro-avião “Santa Cruz” em Macau.
Independência e Portugal via no Brasil o país irmão que acolhia saído de Lisboa a 22 de Maio de 1922 chegou a Fernando
generosamente os nossos emigrantes. Noronha a 3 de Junho de 1922. Após os ensaios, logo largou o
A projectada viagem aérea iria estreitar ainda mais os laços avião de Fernando Noronha a 5 de Junho de 1922, tendo termi-
que uniam as duas Pátrias Irmãs e estimular o patriotismo nado a histórica viagem no Rio de Janeiro a 17 de Junho de
nacional. 1922. A apoteose, que se seguiu, foi extraordinária e a esposa do
Sacadura Cabral e Gago Coutinho deram início à viagem que Presidente brasileiro baptizou o nosso aparelho, já a bordo do
ficou conhecida por 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul, em “Carvalho Araújo”, com o nome de “Santa Cruz”, que conservou
Lisboa a 30 de Março de 1922, utilizando o célebre avião até hoje.
“Lusitânia”, com escalas nas Canárias e ilhas de Cabo Verde, o Regressado do Brasil o “Santa Cruz” voltou ao serviço no
qual, a 18 de Abril na etapa Cabo Verde Penedos de S. Pedro ao Centro de Aviação Naval de Lisboa no Bom Sucesso e em 1927
amarar junto destes, partiu um dos flutuadores e acabou por se foi enviado para Macau com outros dois aviões Fairey, encar-
afundar, tendo os escaleres do cruzador “República” salvo os regando o 1TEN José Cabral de ali construir um Centro de
intrépidos aviadores. Aviação Naval.
O Governo fez então seguir para Fernando Noronha a bordo Este oficial terá pilotado o “Santa Cruz” nas escassas saídas
do navio brasileiro “Bagé” o F16, que uma vez experimentado, efectuadas. Em 1930 a Aeronáutica Naval ordenou que fosse
reiniciou a viagem em Fernando Noronha, a 11 de Maio de mandado para Lisboa, para ser conservado como relíquia da
1922, vindo a sobrevoar os Penedos, e na viagem de volta a nossa Aviação Naval, tendo sido então restaurado, passando a
Fernando Noronha teve falha de motor e amarou no oceano, constituir património do Museu da Marinha, onde só descansou
ficando a flutuar diversas horas até que os aviadores foram em 1962, pois esteve armazenado em diversos locais e partici-
salvos pelo navio inglês “Paris City”. pado na Exposição Internacional de Aeronáutica, em 1935, na
Após o desaparecimento do segundo aparelho entre os Exposição do Mundo Português, em 1940, e na celebração do
Penedos e Fernando Noronha, o Governo, pressionado pela 37º aniversário da Travessia Aérea do Atlântico Sul, em 1959.
opinião pública e instado pelos aviadores Sacadura Cabral e Por fim, interessa referir que o “Santa Cruz” é o único exem-
Gago Coutinho, decidiu enviar o último avião disponível na plar de Fairey III existente no mundo e que o seu motor um
Aeronáutica Naval, o Fairey 17, acabado de montar e que EAGLE VIII da Rolls Royce é um dos raros exemplares ainda
seguiu embarcado no cruzador “Carvalho Araújo”, que tendo conservados, apesar do grande número de motores deste tipo
produzidos. Estes elementos são mais do que suficientes para
considerar esta peça de alto valor museológico, para além do
valor histórico e simbólico que lhe está associado.
Tal como os homens, certos objectos, sejam navios ou aviões,
parecem predestinados. Veja-se o caso da fragata “D. Fernando
II e Glória” ou do hidroavião “Santa Cruz”. Destinado a ser um
normal aparelho da nossa Aviação Naval é hoje o objecto de
justa veneração pelo papel histórico que desempenhou e tam-
bém pelo seu valor museológico.
Quando , em 1997, se prepararam as comemorações dos 75
anos da viagem Lisboa – Rio de Janeiro, dois oficiais da FAP
apresentaram o projecto de realizar, em réplicas do “Santa
Cruz”, um voo semelhante ao efectuado por Sacadura Cabral e a
que puseram o nome de Projecto “Lusitânia 75”.
Angariaram patrocinadores, fizeram contactos com as enti-
dades oficiais e através dos apoios conseguidos, obtiveram a
concordância da Direcção do Museu da Marinha para permitir a
desmontagem de partes do “Santa Cruz”, afim de se obterem os
Motor Rolls Royce - Eagle VIII do “Santa Cruz”. elementos para a reconstituição dos desenhos da sua cons- ✎
REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 98 5