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Restauro de uma relíquia Aeronáutica
               Restauro de uma relíquia Aeronáutica

                            o Hidroavião “Santa Cruz”
                            o Hidroavião “Santa Cruz”




              Marinha criou, em 1917, uma Direcção de Aeronáutica
              Naval, tendo o Centro de Aviação Naval de Lisboa, insta-
         Alado na Doca do Bom Sucesso, como a sua principal
         base, complementada mais tarde pelo Centro de Aviação Naval
         de Aveiro, em S. Jacinto. Aquela Direcção dependia directa-
         mente da Majoria General da Armada, órgão máximo da estrutu-
         ra militar da Marinha.
           É justo referir que o entusiasmo de Sacadura Cabral contagia-
         va nessa altura largos sectores da Marinha e em especial o seu
         Ministro, Comandante Azevedo Coutinho e que as suas su-
         gestões tinham levado os responsáveis da Marinha a acreditar na
         importância de possuir uma aviação própria.
           A seguir ao voo à Madeira, Sacadura Cabral propôs efectuar a
         ligação aérea entre Portugal e o Brasil.
           Havia razões políticas muito fortes para esta iniciativa.
           O Brasil comemorava o Primeiro Centenário da sua   O hidro-avião “Santa Cruz” em Macau.
         Independência e Portugal via no Brasil o país irmão que acolhia  saído de Lisboa a 22 de Maio de 1922 chegou a Fernando
         generosamente os nossos emigrantes.                  Noronha a 3 de Junho de 1922. Após os ensaios, logo largou o
           A projectada viagem aérea iria estreitar ainda mais os laços  avião de Fernando Noronha a 5 de Junho de 1922, tendo termi-
         que uniam as duas Pátrias Irmãs e estimular o patriotismo  nado a histórica viagem no Rio de Janeiro a 17 de Junho de
         nacional.                                            1922. A apoteose, que se seguiu, foi extraordinária e a esposa do
           Sacadura Cabral e Gago Coutinho deram início à viagem que  Presidente brasileiro baptizou o nosso aparelho, já a bordo do
         ficou conhecida por 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul, em  “Carvalho Araújo”, com o nome de “Santa Cruz”, que conservou
         Lisboa a 30 de Março de 1922, utilizando o célebre avião  até hoje.
         “Lusitânia”, com escalas nas Canárias e ilhas de Cabo Verde, o  Regressado do Brasil o “Santa Cruz” voltou ao serviço no
         qual, a 18 de Abril na etapa Cabo Verde Penedos de S. Pedro ao  Centro de Aviação Naval de Lisboa no Bom Sucesso e em 1927
         amarar junto destes, partiu um dos flutuadores e acabou por se  foi enviado para Macau com outros dois aviões Fairey, encar-
         afundar, tendo os escaleres do cruzador “República” salvo os  regando o 1TEN José Cabral de ali construir um Centro de
         intrépidos aviadores.                                Aviação Naval.
           O Governo fez então seguir para Fernando Noronha a bordo  Este oficial terá pilotado o “Santa Cruz” nas escassas saídas
         do navio brasileiro “Bagé” o F16, que uma vez experimentado,  efectuadas. Em 1930 a Aeronáutica Naval ordenou que fosse
         reiniciou a viagem em Fernando Noronha, a 11 de Maio de  mandado para Lisboa, para ser conservado como relíquia da
         1922, vindo a sobrevoar os Penedos, e na viagem de volta a  nossa Aviação Naval, tendo sido então restaurado, passando a
         Fernando Noronha teve falha de motor e amarou no oceano,  constituir património do Museu da Marinha, onde só descansou
         ficando a flutuar diversas horas até que os aviadores foram  em 1962, pois esteve armazenado em diversos locais e partici-
         salvos pelo navio inglês “Paris City”.               pado na Exposição Internacional de Aeronáutica, em 1935, na
           Após o desaparecimento do segundo aparelho entre os  Exposição do Mundo Português, em 1940, e na celebração do
         Penedos  e Fernando Noronha, o Governo, pressionado pela  37º aniversário da Travessia Aérea do Atlântico Sul, em 1959.
         opinião pública e instado pelos aviadores Sacadura Cabral e  Por fim, interessa referir que o “Santa Cruz” é o único exem-
         Gago Coutinho, decidiu enviar o último avião disponível na  plar de Fairey III existente no mundo e que o seu motor um
         Aeronáutica Naval, o Fairey 17, acabado de montar e que  EAGLE VIII da Rolls Royce é um dos raros exemplares ainda
         seguiu embarcado no cruzador “Carvalho Araújo”, que tendo  conservados, apesar do grande número de motores deste tipo
                                                              produzidos. Estes elementos são mais do que suficientes para
                                                              considerar esta peça de alto valor museológico, para além do
                                                              valor histórico e simbólico que lhe está associado.
                                                               Tal como os homens, certos objectos, sejam navios ou aviões,
                                                              parecem predestinados. Veja-se o caso da fragata “D. Fernando
                                                              II e Glória” ou do hidroavião “Santa Cruz”. Destinado a ser um
                                                              normal aparelho da nossa Aviação Naval é hoje o objecto de
                                                              justa veneração pelo papel histórico que desempenhou e tam-
                                                              bém pelo seu valor museológico.
                                                               Quando , em 1997, se prepararam as comemorações dos 75
                                                              anos da viagem Lisboa – Rio de Janeiro, dois oficiais da FAP
                                                              apresentaram o projecto de realizar, em réplicas do “Santa
                                                              Cruz”, um voo semelhante ao efectuado por Sacadura Cabral e a
                                                              que puseram o nome de Projecto “Lusitânia 75”.
                                                               Angariaram patrocinadores, fizeram contactos com as enti-
                                                              dades oficiais e através dos apoios conseguidos, obtiveram a
                                                              concordância da Direcção do Museu da Marinha para permitir a
                                                              desmontagem de partes do “Santa Cruz”, afim de se obterem os
         Motor Rolls Royce - Eagle VIII do “Santa Cruz”.      elementos para a reconstituição dos desenhos da sua cons- ✎
                                                                                      REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 98  5
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