Page 366 - Revista da Armada
P. 366

A mensagem do Natal
                        A mensagem do Natal





              resépio, etimologicamente, significa o lugar onde se reco-  medo, se proporciona pão e cultura. Ou quando se acende a chama
              lhem animais. Como, na antiga Palestina, as grutas naturais  da confiança.
         P eram utilizadas, além de outros fins, para alojar os animais,  Vive-se o Natal em tudo o que concorre para a edificação da paz.
         há fortes probabilidades que o Natal de Jesus Cristo ocorresse nu-  É salutar que as pessoas encontrem a sua identidade e, uma vez
         ma gruta. Daí a tradição de, iconograficamente, assim o apresentar.  encontrada, a estimem e preservem. É que não é apenas um proble-
           Embora as representações do Natal sejam muito antigas, o presé-  ma de ordem sociológica ou religiosa. Mexe com a axiologia. É toda
         pio, tal como nós hoje o conhecemos, data do séc. XIII, com S.  a existência que está em causa. O essencial é, obviamente, mais
         Francisco de Assis, pessoa muito sensível à eloquência da  importante que o superficial. E as preocupações de alguns, ficando
         Natureza.                                                                          à superfície, nada dizem
           A rápida divulgação do                                                           sobre as razões de viver, o
         presépio favoreceu a dra-                                                          mal, o bem, o verdadeiro,
         matização do Natal, em                                                             o procedimento ético, a
         que o pintor ou escultor                                                           realidade do amor, o sofri-
         comunicava, na expressão                                                           mento, a morte, a cons-
         plástica, a sua sensibili-                                                         ciência, a felicidade. São
         dade e talento. Na obra                                                            problemas de sempre.
         conseguida, a ternura do                                                           Talvez agravados moder-
         acontecimento integra-se                                                           namente, no anonimato
         na transcendência do mis-                                                          de quem vive na grande
         tério. Ao contemplá-la,                                                            cidade, na insegurança su-
         enternecemo-nos com a                                                              burbana, ou pela carência
         cena: o encontro do divino                                                         de sentido ou de afecto.
         com o humano ou, dizen-                                                            Aliás, não falta quem, avi-
         do melhor, o divino a                                                              sadamente, julgue que o
         assumir o humano, com                                                              moderno é o antigo numa
         um amor tão absoluto, tão                                                          nova situação. O essencial
         simples, tão respeitador,                                                          é constante e permanece.
         que é único e irrevogável.                                                           Há coisas que passam
         O amor mais puro a bri-                                                            com a moda. O futuro
         lhar na carecida contingên-                                                        será, naturalmente, em
         cia e a dar-lhe sentido.                                                           torno do essencial. A cul-
           O engano de alguns é                                                             tura, se não evidenciar e
         considerar que esse amor é                                                         promover valores e pro-
         como o amor de que são                                                             blemática que, sendo de
         capazes. O mal de alguns é                                                         sempre, de hoje são tam-
         não saborear a empatia                                                             bém, não satisfará a inte-
         desta imensa riqueza, que                                                          gridade humana. E, por
         a todos se torna acessível,                                                        isso, pode acontecer que
         que a todos se oferece, gra-                                                       pessoas vivam alheias
         tuitamente.                                                                        numa cultura, e nela se
           Entre nós, o mais fa-                                                            sintam exiladas. A solução
         moso escultor de presé-                                                            pode ser múltipla, mas “as
         pios foi Machado de Cas-                                                           feridas do espírito”, como
         tro. As peças saídas da                                                            observou o filósofo Hegel,
         sua oficina, ou da dos  Presépio típico alentejano ou presépio de altar.           “só pelo espírito podem
         seus discípulos, fazem,                                                            ser curadas”.
         hoje, a cobiça de antiquários e de coleccionadores endinheirados.  Ser feliz é a maior e mais justa aspiração humana. Pertence à
           Se contemplarmos o presépio e olharmos, em seguida, o mundo  nossa essência. O Natal manifesta, eminentemente, no grau mais
         que nos cerca, não podemos deixar de ficar impressionados pelo  elevado e do modo mais eloquente, o Amor que nos envolve, do
         contraste. Faz-se uma exploração mercantilista do Natal que nada  princípio ao fim. Lembra que ninguém, por pior que seja a sua sina,
         tem a ver com a sua génese e o seu conteúdo. Uma ocasião para  estará abandonado, em definitivo.
         enviar e receber as Boas Festas, para se trocar sorrisos e presentes. E  É evidente que o Natal tem máscaras que as pessoas e os tempos
         tudo isto, sendo bom e significativo, não toca o mais importante.  lhe podem pôr. É notório que se faz uma exploração comercial na
         Fica à superfície do acontecimento celebrado, todos os anos.  quadra natalícia. É claro que há quem não aceite o seu apelo e a sua
         Imaginar o Natal, sem conteúdo religioso será um absurdo, embora  interpelação. Ouve-se a frase que, de tão consabida, já se espera na
         alguns o queiram. Imaginá-lo sem amor será negar a sua men-  conversação: “Natal devia ser todos os dias”. Claro que sim, no seu
         sagem.                                               autêntico sentido.
           Vive-se o Natal quando, abandonando a indiferença, se oferece  O Natal será sempre a Festa Universal. A Festa para todos
         compreensão e acolhimento. Quando se abre, sem preconceitos, a  porque celebra o Amor que não exclui ninguém.
         inteligência e o coração em diálogo franco e tardo em aplicar ao
         outro a grelha do nosso entendimento. Vive-se o Natal quando se
         ultrapassa o engano, o fingimento, a adulação, no respeito pela ver-                   David Vaz Monteiro
                                                                                                          o
         dade objectiva. Sempre que, fazendo retroceder a ignorância e o                            CMG GR Capelão
         4 DEZEMBRO 98 • REVISTA DA ARMADA
   361   362   363   364   365   366   367   368   369   370   371