Page 18 - Revista da Armada
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A MARINHA JOANINA (3)
De novo o Norte de África
De novo o Norte de África
uma altura em que as viagens para sul sofreram uma pa-
ragem de alguns anos, parece-nos oportuno retomar o fio
Ndas campanhas no Magreb, interrompidas drasticamente
com a expedição a Tânger em 1437.
Devemos lembrar-nos que a presença de Portugal no Norte de
África tinha objectivos essencialmente estratégicos que se prendiam
com o domínio da entrada do estreito de Gibraltar. Portugal nunca
conseguiu sair do espaço confinado de Ceuta e os apoios à cidade
sempre tiveram que ser feitos por via marítima. Aliás, se estamos
bem lembrados, quando se colocou a questão de continuar em
Ceuta, depois do fracasso de Tânger, os grandes opositores da en-
trega foram os comerciantes de Lisboa, Porto e Algarve. Precisa-
mente aqueles que tiravam vantagens de um comércio rico com o
Mediterrâneo ou que tinham grandes interesses no corso dos mares
do sul. Ninguém alegou que do Magreb vinham quaisquer merca-
dorias importantes ou que através de Ceuta se conseguissem ou-
tros contactos proveitosos com o interior da África. Também
ninguém pretendia alargar os territórios para além de Ceuta, uma
vez que esta desempenhava perfeitamente o papel que se pretendia
e já custava bem cara aos portugueses. A situação só se alterou
quando D. Afonso V subiu ao trono e quando o poder dos Otoma- D. Afonso V em Arzila. Tapeçaria de Pastrana.
nos cresceu no Mediterrâneo, depois da tomada de Constantinopla
em 1453. Nessa altura o Papa Calixto III apelou a todos os sobera- devastação até ao Rife, mas a ousadia sair-lhe-ia cara e quase perde-
nos cristãos para retomarem a cruzada, mas a resposta foi muito ria a vida na serra de Benacofu, perto de Tetuão. A sua ideia parece
curta. Apenas se conseguiu organizar uma pequena expedição do simples: se conseguisse conquistar Tânger, ficaria senhor de um
próprio papado, comandada pelo cardeal Scarampi e tendo como vasto território constituído pela ponta norte do Magreb, entre
Vice-Almirante João Vasques Farinha. Nela participaram navios do Ceuta e o Cabo Espartel. Uma posição assim alargada tinha muito
Vaticano, de Aragão e de Portugal que defrontaram e derrotaram mais consistência económica e poderia defender-se muito melhor
os Turcos em Metellino, numa batalha que não teve qualquer do que a simples praça de Ceuta, que tinha de viver dos abasteci-
importância política e que não alterou em nada o equilíbrio de mentos que lhe chegavam de Portugal pelo mar. Tânger era assim
forças do Mediterrâneo. O rei português preferiu aproveitar os o garante de uma posição sólida no Norte de África.
privilégios de cruzada conferidos pela Santa Sé, para se voltar para Entretanto a situação política em Marrocos degradava-se de
o Norte de África, e em 1458 avançou com 220 velas para Alcácer dia para dia e isso não escapava à observação dos portugueses
Ceguer que conquistou com relativa facilidade a 24 de Outubro. A que recolhiam preciosas informações de todas as formas que po-
praça não tinha uma importância por aí além, mas as suas capaci- diam. Dominava um ambiente de anarquia, com disputas locais
dades económicas não eram para desprezar: sabe-se que nela havi- que acabaram por conduzir à morte o último sultão merínida,
am gados, frutos e vinha. Sobretudo, permitia um apoio directo a Abdal-Haqq, em 1465. Mulei Xeque, o senhor de Arzila, era um
Ceuta – de que distava cerca de três léguas – aliviando o sufoco em dos que tinha ambições de tomar o poder e foi precisamente quan-
que vivia a sua guarnição e permitindo a formação de uma do este se encontrava fora da cidade, a cercar Fez, que Afonso V de-
plataforma alargada, de onde partiriam algaras sobre as terras de sembarcou e conquistou a cidade, subjugando os seus habitantes
mouros. O próprio rei viria a deslocar-se a África por várias vezes, porta a porta e aprisionando o filho e duas mulheres do soberano.
para desenvolver esse tipo de guerra, um pouco à maneira dos A praça fica um pouco a sul do Cabo Espartel e não apresenta
tempos da reconquista, quando Portugal ainda não tinha estendido grandes facilidades para um desembarque militar. Logo aí perde-
os seus limites até ao Algarve. Em 1463/64 preparou nova armada ram a vida cerca de 200 portugueses, mas o cerco foi conseguido e,
para atacar Tânger, mas, mais uma vez, teria de desistir da empre- a poder de fogo, a praça acabou por ceder à entrada dos atacantes.
sa, porque as defesas da cidade não cediam à pressão portuguesa. Esta conquista foi decisiva, porque Tânger ficou isolada e teve de
Aproveitou, no entanto, para efectuar uma campanha militar de ser abandonada aos portugueses, mas o mais importante foi o facto
de que isto coincide com a tomada de poder em Fez por parte de
Tarifa Mulei Xeque, que prefere negociar a paz com Afonso V. De facto,
ele precisava dessa paz para se consolidar como sultão de Fez e os
Alcácer Gibraltar portugueses precisavam dela para desenvolver um trato comercial
Ceguer Ceuta MAR
Cabo Espartel MEDITERRÂNEO que lhes fornecia os produtos necessários para trocarem com o
Tânger ouro da Guiné. Os comerciantes negros da África Ocidental, que
Tetuão
Arzila agora contactavam com os nossos navios, sempre tinham negocia-
Larache do com o Magreb e estavam habituados a receber os lambeis
(panos de algodão) e os objectos de cobre que aí eram produzidos.
OCEANO Alcácer A situação que Afonso V conseguira em Marrocos foi extraordina-
ATLÂNTICO Quibir
riamente útil a Portugal, mas a sua estabilidade era precária e con-
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tinuava a exigir um grande esforço militar. Voltaremos a falar no
Fez J. Semedo de Matos
CTEN FZ
16 JANEIRO 99 • REVISTA DA ARMADA